Jovens cientistas na luta contra a COVID-19

Estudantes de graduação que participaram de projetos e iniciativas no combate à covid-19 contam suas experiências no processo

 

por Natália Milena e Natasha Teixeira


Arte: Adriana Teixeira

 

A ciência sempre foi essencial ao desenvolvimento da humanidade, papel que tem sido ainda mais evidenciado no contexto pandêmico em que os países se encontram atualmente. Em meio a esse cenário, a maior parte da população está depositando na pesquisa científica toda sua esperança de voltar à vida normal, ou seja, aquela em que não havia uma pandemia.

Ainda assim, ela é desvalorizada não só por parcelas da população, como também pelo próprio governo. Com isso, a pesquisa científica tem sido sucateada no Brasil, sofrendo diversos ataques e cortes orçamentários. O resultado é que, por falta de investimentos, poucos têm acesso ou fazem parte da ciência.

Um estudo realizado em 2019 pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT) refletiu muito bem essa questão. A pesquisa revelou que a maioria dos jovens brasileiros, incluindo aqueles que estão cursando o ensino superior, recebe ou busca informações a respeito dos temas ciência e tecnologia com pouca ou nenhuma frequência. 

No entanto, é extremamente necessário ao desenvolvimento do país que a população, principalmente os jovens, tenham acesso à produção científica do país. Mas se não há investimento na divulgação da pesquisa científica, muitos jovens só têm conhecimento de sua importância quando participam de projetos na área.

Mais diversidade de experiências, mais riqueza nos projetos

No Brasil, grande parte do conhecimento científico, cerca de 95%, é produzido nas universidades públicas, como a USP. Desde o começo da pandemia, grupos de pesquisa da USP direcionaram suas investigações para desenvolver iniciativas que contribuam para o combate da covid-19. Dentre elas, estão as pesquisas sobre o desenvolvimento de respiradores, equipamentos de proteção e vacinas.

As equipes de pesquisa são formadas por docentes especialistas, pesquisadoras e pesquisadores da pós-graduação e, em alguns casos, estudantes de graduação. Esse último grupo geralmente é formado por pessoas que estão no início da carreira acadêmica e que participam das primeiras experiências no âmbito da pesquisa universitária.

Ao longo desta reportagem, você vai conhecer a experiência de cinco estudantes envolvidos em iniciativas e pesquisas relacionadas à pandemia.

Estudante Igor Cabreira Ramos no laboratório do Instituto de Biociências. Foto: Arquivo pessoal/Igor Cabreira Ramos

 

Igor Cabreira Ramos tem 23 anos e está no sexto ano do curso de Biologia, do Instituto de Biociências (IB) da USP. Logo no início da pandemia, em março de 2020, ele participou da etapa de pesquisa para o desenvolvimento de um teste molecular para diagnóstico da covid-19. O principal objetivo era desenvolver um teste mais barato e que precisasse de menos recursos e equipamentos de laboratório, uma alternativa ao teste padrão swab orofaríngeo, mais invasivo.

“A gente conseguiu desenvolver um teste que tem uma sensibilidade e uma precisão bastante alta a partir da saliva”, ele diz. O teste foi desenvolvido em parceria com o Instituto de Química (IQ), da USP, e está disponível para a população desde o final de 2020, em esquema de drive-thru. O resultado do teste com o diagnóstico sai em até 24 horas.

Em janeiro deste ano, o Igor retornou à fase de implementação do projeto, atuando na coleta de saliva para a realização dos testes. “Atualmente, eu instruo as pessoas em como coletar. A gente manda todo um kit, tem um agendamento, um sistema que cuida disso”.

Quando perguntado sobre a importância da presença de estudantes da graduação no projeto, Igor afirma que “quanto mais pessoas de backgrounds diferentes, experiências diferentes, e cabeças diferentes, mais rico é um projeto”, além de que esses alunos tendem a ficar um pouco mais de tempo nas instituições de pesquisa e nos laboratórios, porque estão em uma etapa anterior da carreira em comparação aos pós-graduandos.

Se por um lado a presença de estudantes de graduação nesses projetos contribui para a diversidade de ideias, por outro é preciso equilibrar a participação com as demandas do curso. A quantidade de disciplinas cursadas e de trabalhos no semestre são fatores apontados pelo estudante como pontos importantes a serem levados em consideração.

Participação de estudantes garante continuidade dos projetos

A pandemia de covid-19 desafiou os projetos e iniciativas da Universidade a trabalharem com uma questão urgente e incerta. “Eu acho que a gente foi impactado de uma forma muito profunda por essa pandemia. Acho que têm impactos que a gente nem consegue prever ainda, mas que a gente tem que tentar tirar o máximo dessas experiências que infelizmente estão acontecendo”, afirma Igor. 

A estudante de 19 anos Sophia Blanchi Moyen está no quinto semestre de Engenharia Mecatrônica na Escola Politécnica (Poli) da USP e atua como estagiária voluntária no projeto Inspire, desde o início de 2021. No início do ano, a Unidade convidou alunos e alunas para auxiliar na linha de produção dos respiradores em virtude da crescente demanda.

“O Inspire é um equipamento de suporte respiratório emergencial que atende os requisitos da Anvisa para oferecer uma alternativa e suprir uma possível demanda hospitalar causada pela pandemia da covid-19”, diz Sophia. Ela também explica que o projeto, iniciativa dos docentes da Poli Raul González e Marcelo Zuffo, surgiu no início da pandemia e “em menos de um mês, foi idealizado e prototipado e, posteriormente, em tempo recorde, conseguiu aprovação para utilização em UTI ‘s”.

Estudantes em etapa de trabalho do projeto Inspire. Foto: Douglas Silva/Inspire

 

Sophia ressalta que sem a contribuição dos jovens que se voluntariaram para o Inspire, não teria sido possível garantir a aceleração do ritmo de produção e, com isso, “o sucesso dos respiradores poderia ter sido comprometido temporariamente.”

Assim como Sophia, Frederico Dalri Hailer, também atua como estagiário voluntário no projeto Inspire, desde março deste ano. O estudante de 21 anos é natural de Ribeirão Preto e está no sétimo semestre de Engenharia Elétrica com Ênfase em Automação e Controle na Poli. “Atuo auxiliando em processos de fabricação da parte eletrônica do respirador, com realização de testes para validação antes da montagem final do equipamento e análise de desempenho de atualizações.”

Para Frederico, a participação de estudantes da graduação em projetos e iniciativas da Universidade impacta positivamente na formação de futuros e futuras profissionais, além de trazer visões, abordagens e perspectivas diferentes para a área de tecnologia.  Para ele, “o complemento da formação, além da graduação restrita à sala de aula, é um pilar indispensável na formação de bons profissionais”.

Respirador desenvolvido no projeto Inspire à esquerda, ao lado de um pulmão mecânico, utilizado para simular o comportamento de um pulmão humano. Foto: Frederico Dalri Hailer

 

As diferentes possibilidades geradas pelo encontro de múltiplas vivências também foram observadas por Julio Min Fei Zhang, aluno de 22 anos do quinto semestre de Medicina no campus São Paulo. Ele faz parte do Estereli.Easy, iniciativa do grupo Argo, uma extensão universitária focada em Inovação em Saúde.

“O projeto se baseia na construção de um purificador de ar que utiliza o princípio da luz Ultravioleta-C, com o propósito de descontaminar possíveis ambientes com Sars-CoV-2”, com o objetivo de difundir o uso de purificadores de ar com eficiência comprovada.

A equipe do projeto é interdisciplinar: conta com estudantes de Engenharia, Design, Biomedicina e Medicina da USP. Julio relata que “nesse contexto, alunos de diferentes áreas trabalham juntos com o mesmo propósito, mas com visões diferentes sobre o tema. Assim, conseguimos aprimorar o projeto com a experiência diversificada, permitindo maior facilidade no enfrentamento aos desafios”. Ele acrescenta que estudantes de graduação têm maior flexibilidade para buscar soluções em outras áreas do conhecimento, para além da área em que o curso está inserido.

Estudante Julio Min Fei Zhang com protótipo do purificador de ar. Foto: Divulgação/Projeto Estereli.Easy

 

Fora dos laboratórios de pesquisa, é possível desenvolver outros estudos sobre a temática. Jonas Santana, 22 anos, está no nono semestre do curso de Jornalismo, na ECA, e fez uma iniciação científica sobre a relação entre jornalismo televisivo e redes sociais.

Para a pesquisa, que coincidiu com o início da pandemia de covid-19, Jonas escolheu como objeto de análise o programa Combate ao Coronavírus, exibido na Rede Globo de março a maio de 2020. A escolha do programa atendeu às buscas por uma produção jornalística para a televisão que conversasse com as redes sociais.

Enquanto estudante de graduação, ele acredita que ter abordado a relação entre os dois meios de comunicação a partir do programa é resultado do fato de “ter crescido com a ascensão da internet e das redes sociais e também acompanhar a televisão, que simboliza muito o tradicional, o antigo na nossa sociedade”. Esse contato o colocou na fronteira entre os dois formatos e possibilitou a abordagem escolhida para a pesquisa.

“Acho que o fato de eu ter pensado em fazer Jornalismo na minha infância por gostar de tevê e na minha adolescência gostar da internet, talvez isso foi importante para eu pensar em fazer um projeto de IC sobre isso. Eu não sei se uma pessoa mais velha teria pensado nisso, em analisar essa relação.”

Além de tudo que já foi dito, a experiência desses estudantes e a importância de se ter pessoas mais jovens engajadas com a causa científica não anulam o papel essencial de docentes e equipes de pesquisa formadas por pessoas com mais tempo de experiência. São essas pessoas que orientam os voluntários mais jovens e que utilizam todo o conhecimento que possuem para o desenvolvimento de iniciativas importantes para a sociedade.

Contato com profissionais da área e impactos no desenvolvimento profissional e pessoal

A participação desses jovens é importante não só no desenvolvimento da pesquisa científica, como também no desenvolvimento profissional, acadêmico e pessoal deles mesmos. Estar inserido no campo das ciências é para os estudantes uma boa oportunidade de, por exemplo, conhecer e se aproximar de profissionais que admiram e são referências em sua área.

Igor ressaltou o quanto se inspira nos pesquisadores do laboratório do Genoma Humano da USP não só no âmbito profissional, como também no âmbito pessoal, uma vez que são extremamente competentes e dedicados em ajudar a sociedade. Julio acrescentou que a oportunidade de conhecer diferentes profissionais o colocou em maior contato com o mercado de trabalho e “a participação de professores docentes e pós-doutorados foi fundamental, visto que orientaram os alunos para qual caminho tomar e errar menos nesse processo”

Além disso, participar desses projetos foi, para os estudantes, também, uma oportunidade de ampliar e colocar em prática seu conhecimento acadêmico. A Sophia, do Inspire, afirmou: “O exercício da engenharia fora da sala de aula também torna a teoria mais tangível e instiga ainda mais o gosto pela pesquisa. Pude consolidar conhecimentos que aprendi de forma superficial em sala de aula e aprender outros que me serão úteis como engenheira, seja para pesquisa ou mercado de trabalho. Como estudante, pude aprender muito observando um projeto tão global”. Ela disse, também, que o projeto mudou significativamente a forma como ela vê a engenharia.

Outro ponto positivo para a vida profissional e acadêmica dos estudantes foi a possibilidade de ampliar sua visão para além do próprio curso, uma vez que a maioria deles teve contato com pessoas de diferentes áreas. Com essa interseccionalidade, fica mais fácil compreender a relevância dos diversos campos do conhecimento e aplicá-los quando necessário na busca por soluções.

Mas atuar como cientista foi de extrema importância, também, para o desenvolvimento pessoal desses estudantes. “Pessoalmente, acredito que o projeto me ajudou bastante em relação à organização, persistência e resiliência”, afirma Julio. Sophia destacou que, além disso, participar do Projeto Inspire fez com que ela se tornasse uma pessoa mais empática e reconhecesse mais a importância de cada pessoa em um projeto.

Fora isso, muitos dos jovens possuem o objetivo pessoal de, alguma forma, ajudar a sociedade. Contribuir nessas pesquisas é um meio para alcançar esse objetivo. Sobre isso, Sophia falou que sempre quis trabalhar com algo que tivesse impacto social ou ambiental, mas que, ao longo da graduação, foi ficando cada vez menos claro como poderia aplicar com propósito seu conhecimento como engenheira. “O Inspire me mostrou que, em um só projeto de engenharia, é possível desenvolver-se técnica e pessoalmente, ao mesmo tempo que contribui para a sociedade”, ela afirmou.

Esse sentimento vai, inclusive, para além da realização pessoal e causa, nesses jovens cientistas, uma sensação de gratidão. Os estudantes afirmaram serem muito gratos por poderem retornar algo à sociedade por meio de seu trabalho. “Fico feliz em poder ter contribuído, pelo menos um pouco, com a redução dos problemas da pandemia. Como aluno da Universidade pública, sinto que é meu dever ajudar a sociedade com os conhecimentos que obtive. É gratificante ver como um projeto de extensão pôde envolver tantas pessoas com o mesmo propósito de melhorar a saúde”, relatou Julio. 

Para Igor, “estar na fronteira do conhecimento e poder pesquisar uma coisa que está acontecendo agora” e, dessa forma, poder contribuir para a sociedade em um momento tão frágil como o atual, é muito importante.

As iniciativas abordadas nesta reportagem são um recorte de uma série de projetos desenvolvidos na USP em um cenário de urgência no combate e compreensão das circunstâncias atuais. Sobre isso, o estudante de Biologia Igor afirmou que “é importante também a gente tentar fazer de tudo para conseguir que as nossas pesquisas transcendam as barreiras da Universidade e, também, todos os cortes e os ataques constantes que a ciência brasileira vem sofrendo. O cientista brasileiro é muito, muito bom e muito reconhecido por todo o mundo, e a gente faz das tripas coração com o que a gente tem no nosso país.”