Nem na USP, nem em casa

A pandemia do coronavírus fez com que uspianos de diversos estados voltassem para as suas casas, em uma dinâmica que não os representa mais. Como está sendo retornar a uma realidade que já foi tão comum?

 

 

por Maria Luísa Bassan

Arte: Maria Luísa Bassan/Fotos: Nina Schettino, Cecília Bastos/USP Imagens, Caique Bodine, Alex Lourenço, Anna Júlia Medeiros e Juliana Matias

 

2020 era um ano de grandes expectativas para Anna Júlia Medeiros, de Caçapava (SP). Esse seria o ano em que iniciaria os estudos no curso de editoração, na Escola de Comunicações e Artes da USP. Deixar sua cidade natal e ir morar na capital paulista a deixava assustada, mas Anna sabia que, para realizar o seu sonho de estudar na Universidade de São Paulo, teria que vencer esse medo.

A estudante só pôde vivenciar cerca de duas semanas da vida universitária antes que, em 17 de março de 2020, fossem suspensas as aulas presenciais, como medida de segurança contra o avanço da Covid-19. Ainda que o período presencial tenha sido curto, Anna se sentia mais segura e ambientada em relação à universidade: “eu já conseguia me localizar no campus e estava desenvolvendo minha rotina.”

A adaptação das aulas para o ambiente virtual variou conforme os critérios de cada professor e instituto. Em março de 2020, a plataforma Google Meet estendeu os recursos premium (chamadas para 250 pessoas, sem limite de tempo e com possibilidade de gravação) para todos os usuários – permitindo que universidades como a USP a adotassem como espaço para aulas e reuniões. Além disso, alguns professores passaram a realizar aulas assíncronas (ou seja, gravadas), de modo que os estudantes possam assisti-las conforme o tempo disponível de cada um.

Anna Júlia Medeiros, estudante de editoração, cerca-se de livros para estudo e lazer. Foto: Anna Júlia Medeiros/Arquivo pessoal

 

O período presencial também é lembrado por Nina Schettino, estudante do segundo ano de Relações Internacionais, como um momento de grandes mudanças. Natural de Volta Redonda (RJ), ela estudou em casa durante o ano de vestibular e estava ansiosa para a vida na capital paulista. Assim como Anna, ela também passou pouco tempo em São Paulo, mas esse período a permitiu vislumbrar um ano repleto de novas atividades. “Eu passei apenas duas semanas em São Paulo, mas parece que foi muito mais tempo, pois sempre tinha algo pra fazer. Eu já estava conectada a essa mudança de cidade e rotina ”, Nina recorda.

Juliana Matias, de Guaxupé (MG), lembra do período presencial em 2020 com saudades. “Eu me sentia livre, no lugar certo, acolhida”, ela aponta. A estudante de jornalismo esperava aproveitar a USP como caloura em seu primeiro ano – algo que só aconteceu brevemente, antes de ter que retornar à sua cidade. 

As três estudantes falam do ano de 2020 como um período muito esperado em suas vidas. A aprovação em seus respectivos cursos significou a possibilidade não só de estudarem o que desejavam, mas também de iniciarem essa nova etapa em um lugar novo. Além das salas de aula, a Universidade é construída pela integração entre os estudantes por meio de entidades, festas e a própria convivência diária no campus. “Eu tinha muita expectativa com todas as possibilidades que a USP dá”, relembra Juliana. 

Para além da Universidade, morar em uma cidade nova também seria um desafio. “São Paulo era um mundo novo, sempre tem alguma coisa pra fazer ou conhecer”, destaca Nina. Anna, por sua vez, lidava principalmente com a saudade da família, por ser muito apegada a ela.

Ao voltarem para suas cidades natais, as estudantes pensavam que seria por pouco tempo. A realidade, porém, mostrou-se outra, e passaram a lidar com um período de readaptação da rotina. 

Nina voltou a ter um contato mais direto com as pessoas com quem morava, uma vez que os dias eram mais agitados em São Paulo, e seu maior desafio está relacionado à falta de convívio com pessoas diferentes. “Eu sinto falta do contato com amigos sem ser pela internet. Há pessoas da minha turma com quem fiz amizade apenas virtualmente, e nós não temos nenhum momento juntos presencialmente”, ela aponta.

Natural de Volta Redonda (RJ), Nina Schettino, estudante de Relações Internacionais, sente falta das novidades diárias de São Paulo. Foto: Nina Schettino/Arquivo pessoal

 

Anna Julia diz que não sentiu mudança no relacionamento com a sua família. O maior desafio é o gerenciamento do tempo, por conta da nova dinâmica de trabalho. Com o home-office, a estudante conta que precisou reformular a dinâmica da casa, cujo espaço passou a representar trabalho, escola e descanso. “Eu não consigo separar o que é tempo para faculdade, do que é tempo pessoal. E como tudo é virtual, parece que o Google Meet suga sua energia”, a estudante explica.

Manter-se motivada também tem sido uma dificuldade para Juliana. Com a volta para casa, ela sente que seus pais ficaram mais protetores, o que a faz pensar em como será a volta para São Paulo depois da pandemia. Além disso, estar estudando na Universidade sem o convívio com os amigos faz com que a experiência pareça abstrata: “parece que tudo está congelado”, descreve. 

O mesmo sentimento é compartilhado por Anna, que não se sente propriamente universitária: “eu não consigo conceder a grandeza de ser uma aluna da USP, parece que estou ‘em alguma coisa’ que não é a faculdade, nem o Ensino Médio.”

Quanto às saudades da vida na capital paulista, Nina compartilha que sentia-se independente: “nesse período em São Paulo, eu estava vivendo por mim mesma. Quando voltei pra Volta Redonda, eu me senti mais segura com o fato de que eu estive em um lugar totalmente diferente, morando sozinha, e consegui lidar com a experiência.” Já Anna sente falta de ter dias diferentes, fora da rotina dentro de casa, que é definida pela estudante como “muito mais fechada”. A lembrança do contato com o mundo fora de casa também é destacado por Juliana: “parece que essas três semanas foram um delírio”, completa.

Veterano à distância

Para aqueles que viveram o primeiro ano como aluno da USP de forma presencial, o segundo ano era esperado como um período para aproveitarem a Universidade, uma vez que ela não era mais um espaço desconhecido. Com a Covid-19, foram forçados a adaptar suas realidades – planejadas, inicialmente, para serem vividas em São Paulo.

Alex Lourenço, estudante de Biblioteconomia na ECA, estava planejando realizar uma iniciação científica em 2020. Natural de Guarulhos (SP), ele se mudou para a capital paulista como forma de ficar mais perto da faculdade, visto que perdia muito tempo no transporte público. Sua rotina era construída majoritariamente fora de casa, com as aulas no período matutino e o estágio durante a tarde. 

A pandemia do coronavírus o fez voltar para a casa dos pais, pois as novas condições não exigiam que estivesse perto fisicamente da Universidade. “Mantive minha casa em São Paulo, para ter onde ficar caso precisasse voltar para a cidade”, ele explica.


O estudante de biblioteconomia, Alex Lourenço, voltou para a casa dos pais em Guarulhos (SP) por conta da pandemia do novo coronavírus. Foto: Alex Lourenço/Arquivo pessoal

 

Segundo Alex, o relacionamento com a família passou por um período de adaptação com sua volta para casa. “Foi muito estranho, porque eu não estava mais acostumado com a vida dos meus pais. Eu estudava sozinho, ficava em casa sozinho, então tivemos que recapitular as coisas e entender que, em diversos momentos, eu precisava de silêncio quase total”, conta.

Caique Bodine, estudante de Relações Internacionais, estava acostumado a voltar para Campinas (SP), sua cidade natal, cerca de duas vezes por mês. Uma vez ambientado em São Paulo, ele planejava 2020 – seu segundo ano na Universidade – como um período para aproveitar as instituições estudantis, como o centro acadêmico, além de fazer parte da recepção dos calouros do seu curso. 

Conforme foi diminuindo a frequência com a qual voltava para Campinas, Caique compartilha que não se sentia mais parte da rotina da casa de seus pais. “As coisas mudam, e eu percebia que não estava acompanhando essas mudanças. A sensação é de não pertencimento”, ele explica.

Alex conta que o maior desafio enfrentado por ele está na nova dinâmica em casa. Ao dar atenção às atividades da sua rotina – estágio e estudos –, o estudante sentia que não aproveitava a presença da família, com a qual estava dividindo o espaço. A falta de um intervalo entre uma atividade e outra – que ele passava, presencialmente, no transporte público –, também torna o entendimento da nova rotina mais difícil.

Para Caique, com a pandemia do novo coronavírus e a consequente volta para sua cidade natal, ele sentiu que perdeu um pouco da independência conquistada. O estudante também conta que os momentos de descanso fazem falta, pois, ao utilizar o celular e o computador para as atividades da rotina – sejam elas relacionadas à faculdade, ou para acessar as redes sociais e saber o que os amigos estão fazendo –, não é possível se sentir desconectado completamente em nenhum momento do dia.

A rotina de Caique Bodine, estudante de Relações Internacionais, reduziu-se ao espaço de seu quarto. Foto: Caique Bodine/Arquivo pessoal

 

“Eu sinto falta de viver a cidade, a qual eu escolhi para me mudar. Às vezes não encontro motivação para me manter em São Paulo, mas estou de certa forma conectado a ela. É como estar em um limbo”, Alex desabafa.

Caique também compartilha do sentimento de não pertencer a nenhum dos espaços – a cidade natal e aquela na qual escolheu morar. “Eu não gosto muito de estar aqui em Campinas e eu sei das coisas que estão acontecendo em São Paulo. Porém, eu não estou vivendo em São Paulo e, dentro de casa, não sinto que estou vivendo em Campinas”, ele explica. O estudante descreve a sensação como estar em outro espaço; nem lá, nem cá. “Eu sinto que vou lembrar desse período pelo desejo de estar em São Paulo, e não por estar em Campinas”, finaliza

Expectativas

Os números diários da pandemia no Brasil não possibilitam uma projeção da volta das aulas presenciais nas universidades em sua totalidade. Entre os dias 4 e 11 de junho de 2021, a média foi de 64959 novos casos de Covid-19 e 1913 mortes pela doença no país.

De acordo com o novo calendário de vacinação divulgado pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), estima-se que, até o dia 15 de setembro, todos os adultos maiores de 18 anos do estado tenham recebido a primeira dose da vacina contra a Covid-19. Ainda assim, o risco de contaminação existe, o que gera insegurança nos estudantes quanto ao retorno presencial. Outros receios compartilhados estão relacionados à dinâmica das atividades na universidade e entre os companheiros de turma – cujo convívio, para alguns, pode ser difícil de reconstruir presencialmente.

                          Os dias de Juliana Matias, estudante de jornalismo, se resumem a chamadas de vídeo na plataforma Google Meet. Foto: Juliana Matias/Arquivo pessoal

 

Para Caique, a Covid-19 trará mudanças na forma como os estudantes interagem com o espaço universitário, como festas e a semana de recepção, por conta dos riscos que a contaminação pelo coronavírus oferece. Ele imagina que o convívio com as pessoas de cada turma também pode mudar bastante. “Enquanto os que tiveram um ano presencialmente na USP irão reencontrar amigos, aqueles que entraram em 2020 e 2021 estarão conhecendo pela primeira vez alguns colegas de turma”, explica.

Alex acha que, para as turmas de 2020 e 2021, a volta presencial será, na verdade, o início de suas vivências universitárias, enquanto que, para turmas mais velhas, será uma reabertura de possibilidades. Nina, por sua vez, espera que seu processo de adaptação seja mais fácil, comparado com o primeiro contato com o ambiente e com os colegas.

Juliana imagina que, como uma estudante que ingressou em 2020, irá perder muita coisa, pois não teve a oportunidade de aproveitar a Universidade com a empolgação com a qual ingressou. “Eu acho que meu processo de adaptação vai ser uma mistura de felicidade, com angústia e receio, porque não tem mais aquela carga de expectativa”, ela aponta. 

Anna compartilha que possui boas expectativas para a volta presencial das aulas e quer viver seu terceiro ano de estudante de editoração, em 2022, como “um ano de caloura”. Quanto a possíveis dificuldades de adaptação, ela imagina que “a vontade de conhecer coisas novas possa diminuir os desafios de reconstruir uma rotina antiga”.