Soro anticovid e vacinas: O papel do Instituto Butantan no combate à pandemia

Com a aprovação de testes em humanos pela Anvisa, o principal produtor de imunobiológicos do Brasil reforça sua estrutura e importância no país

 

 

por Luana Franzão e Maria Luísa Bassan

Pesquisador manuseia soro anticovid, produzido pelo Instituto Butantan. Foto: Divulgação/Instituto Butantan

 

Enquanto a pandemia do novo coronavírus continua a assolar o mundo, a corrida para encontrar respostas a seu enfrentamento também está em curso. O Instituto Butantan ganhou protagonismo no combate à pandemia no Brasil, principalmente devido às suas pesquisas e ações buscando a imunização da população.

Além das vacinas que já estão em aplicação no país, especialistas do instituto investigam outras soluções para enfrentar a doença. Uma delas é o soro “anticovid”, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para realização de testes em humanos em 25 de maio.

Ao contrário das vacinas, o soro não tem o objetivo de imunizar contra a covid-19, mas sim tratar e reduzir os sintomas daqueles que estão com a doença – diminuindo assim a chance do desenvolvimento de quadros mais severos ou morte.

“O tratamento tem a finalidade de reconhecer o vírus e bloquear seu efeito, reduzindo a capacidade de infectar mais células. No soro, é possível controlar de forma precisa a quantidade de anticorpos introduzidos no paciente”, explica o Instituto Butantan em sua página na internet.

O soro é produzido a partir do seguinte processo: o vírus SARS-CoV-2 inativado em laboratório é injetado em cavalos, que então começam a produzir anticorpos para combater o agente causador do coronavírus. Após determinado tempo, é recolhida uma quantidade do plasma desses animais – parte do sangue em que fica armazenada a maior parte das defesas imunológicas. Após tratamento, purificação e quantização dos elementos do soro, ele pode ser aplicado em humanos para combater a covid-19.

A grande diferença entre o impacto do soro e da vacina no enfrentamento da pandemia é que a vacina estimula o corpo a produzir seus próprios anticorpos. Isso pode ser capaz de  evitar a infecção quando alguém imunizado tem contato com o vírus. Por sua vez, o soro é composto por anticorpos prontos que ajudam a combater a doença em um indivíduo já infectado.

Pesquisadores utilizam sistema imunológico de cavalos para a confecção do soro. Foto: Divulgação/Instituto Butantan

 

Especialistas tiram dúvidas sobre imunobiológicos

No dia 9 de junho, a Agência USP de Inovação (Auspin) realizou o sexto webinar Fala, Inovação, sobre o tema Vacinas e o Soro anticovid. O evento contou com a participação de Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da USP, e de Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, diretora de Inovação do Instituto Butantan.

Os dois profissionais esclareceram dúvidas do público participante acerca do vírus e das ações de tratamento e combate. Ana Marisa explicou que o desenvolvimento do soro anticovid surgiu como uma forma de enfrentar o cenário da doença sem depender da importação de insumos, e com a expertise e tecnologia já dominados pelo Butantan. O soro antirrábico, por exemplo, é produzido a partir do plasma de cavalos que receberam o vírus da raiva e apresenta resultados positivos, sendo já conhecido e muito utilizado.

Através de uma parceria com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), foi possível isolar o vírus por radiação. Diversos pesquisadores e profissionais do Butantan participaram dos estudos para caracterizar o vírus e analisar a sua resposta imunológica.

O soro anticovid pode ser aplicado em pacientes sintomáticos com a covid-19. Foto: Divulgação/Instituto Butantan

 

O resultado veio em pouco tempo: em cinco meses, o soro foi produzido, e a documentação para a Anvisa foi preparada. Em mais cinco meses, foram realizados os testes exigidos nos guias da agência regulatória. Após quase um ano de estudos, a aprovação da Anvisa para a realização dos estudos clínicos foi obtida. “Isso é inédito”, destacou a pesquisadora Ana Marisa Chudzinski-Tavassi.

Na leva inicial de três mil frascos, os primeiros a receber o soro serão pessoas imunodeprimidas, ou seja, aquelas que têm uma alta probabilidade de desenvolver o estado grave da doença. Para atingir essa população mais vulnerável, o soro será aplicado em dois centros: o Hospital do Rim, onde pacientes que passaram por transplante serão tratados, e o Hospital das Clínicas (HC), onde será inoculado em pacientes oncológicos. Ao todo, 700 pacientes deverão participar dos estudos das primeiras fases clínicas.

O processo é importante para entender segurança, dose efetiva e eficácia do soro, e será realizado em hospital. “Os resultados devem ser vistos em pouco tempo após a aplicação”, completou Ana Maria.

Coronavac

Em 11 de junho de 2020, o governador do estado de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou a parceria entre o Butantan e a farmacêutica chinesa Sinovac para estudos e posterior aplicação da vacina contra a Covid-19 desenvolvida pela empresa – que no Brasil recebeu o apelido de Coronavac.

Monica Calazans, enfermeira de 54 anos, recebe a primeira dose de vacina contra a Covid-19 aplicada no Brasil. Foto: Divulgação/Governo do Estado de São Paulo

 

Com o sucesso dos testes e a aprovação da Anvisa, a Coronavac foi a primeira vacina aplicada no país, na enfermeira Monica Calazans, de 54 anos. Desde então, o envasamento e distribuição do imunizante se tornaram parte crucial do projeto de vacinação dos brasileiros, e decisivos no combate à pandemia.

Alguns entraves não permitem a distribuição ágil de grandes quantidades do imunizante. A produção das vacinas ainda depende da importação do IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo), produto base da composição do fármaco, e, por isso, sua produção pode oscilar.

Butanvac

Como forma de propor uma solução mais rápida e produzida nacionalmente, o Butantan investiu no projeto de uma vacina própria: a Butanvac.

A proposta do imunizante é utilizar a estrutura e técnica já existentes no laboratório, utilizadas na produção de vacinas contra o influenza anualmente, para fabricar uma vacina contra a covid-19.

A tecnologia adotada pelo Instituto é a de levar a proteína Spike (principal responsável pela infecção) do SARS-CoV-2 integralmente para o organismo do indivíduo, que passará a produzir anticorpos para combatê-la. Para fazer a introdução da proteína no corpo humano, são utilizados vírus da doença respiratória de Newcastle, que não provoca sintomas em humanos. A proteína Spike – “espinho”, em português – recebe esse nome por ser a parte do vírus que é responsável por fazê-lo adentrar nossas células e por vezes ter um aspecto pontiagudo. 

A Butanvac foi aprovada para testes em humanos no último dia 9. Sua futura aprovação pode ser uma das bases para imaginar um Brasil pós-pandemia.

“Não basta ter vacina. No mundo, se tem uma incapacidade dos países de vacinarem suas populações. Nem sempre se pode comprar vacina, ou não se tem estrutura vacinal”, constatou Paulo Saldiva. “O soro é uma esperança em um país que ainda não controlou a circulação do vírus”.