Cuba promove campanha de vacinação com primeiros imunizantes 100% latino-americanos

Além da vacina Abdala, há outros quatro projetos em desenvolvimento na ilha caribenha

 

 

por Victor Aguiar Ferreira

As vacinas desenvolvidas por Cuba: Soberana 02, Mambisa, Abdala, Soberana Plus e Soberana 01. Foto: IFV/GIGBCuba

 

Na quarta-feira do dia 12 de maio, o Ministério da Saúde Pública de Cuba iniciou a vacinação contra a covid-19 da população da capital Havana. Se, no Brasil, fala-se em Pfizer, AstraZeneca, Janssen, Coronavac e outros imunizantes, para os cubanos o panorama é menos diverso. 

No início da pandemia, Cuba, que há muito tempo produz vários de seus próprios medicamentos — parcialmente em função do embargo econômico promovido desde 1958 pelos Estados Unidos —, anunciou que a nação não importaria vacinas do exterior, alegando não ter condições financeiras de competir com outros países pelos imunizantes. Isso levou o país a uma solução pioneira na América Latina: a produção de vacinas próprias. 

Atualmente, Cuba possui cinco projetos em diferentes fases de desenvolvimento. A Soberana 02 é o imunizante mais avançado, tendo passado pela terceira e última fase de testes clínicos e sendo aplicado em 44 mil voluntários. Os resultados revelaram que a eficácia da Soberana 02 é de 91,2%, após  a aplicação de três doses.

A vacina Abdala, aplicada em três doses com 14 dias de intervalo entre elas, passou pela última fase de testes pouco depois, no final de maio, e teve seu uso emergencial aprovado na sexta-feira do dia 9 de julho. Após aplicações em 48 mil voluntários, foi possível concluir que sua eficácia é de 92%. 

O resultado foi comemorado pelo presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, no Twitter: “Essa vitória só é comparável ao tamanho de nossos sacrifícios. É uma clarinada dos pobres da terra, uma advertência do poder que têm a resistência, a unidade, a consagração e o amor pela pátria tão belamente descrito pelos versos de Martí em Abdala”, escreveu.

Vale ressaltar que há polêmica em torno da eficácia das duas vacinas. Os resultados dos testes executados não foram validados por nenhuma agência reguladora, não foram publicados em periódico científico endossado por pares e tampouco receberam a aprovação de qualquer organização de saúde internacional ou regional — as únicas fontes são as próprias instituições responsáveis pelo desenvolvimento da Abdala e da Soberana 02.

As vacinas cubanas no exterior

Apesar disso, os números não deixam de ser animadores — não só para a população e o governo cubanos, que entram no jogo da “diplomacia vacinal”, mas também para a comunidade de países em desenvolvimento em geral — mesmo que as vacinas ainda não sejam pré-qualificadas pela OMS. 

Em entrevista ao El País, o representante da Organização Panamericana da Saúde (OPAS) em Cuba, José Moya, afirmou que o Centro para o Controle Estatal de Medicamentos (CECMED, a autoridade reguladora cubana) é considerado um dos oito centros de referência na região, e que após sua validação das vacinas estas podem ser comercializadas internacionalmente, ainda que sem validação da OMS. 

“Os países têm autonomia para fazer acordos bilaterais. Se há um país interessado em adquirir as vacinas, a OPAS e a OMS não interferem porque são acordos diretos”, afirma Moya. 

“Na OMS há um acompanhamento, e assim que as vacinas são aprovadas em Cuba o outro passo é publicar os dados em revistas científicas e pedir a pré-qualificação. Se a OMS as aprovar, as vacinas cubanas podem fazer parte das que são distribuídas pelo mecanismo Covax e pelo Fundo Rotativo da OPAS. Se der tudo certo, antes do fim do ano as vacinas cubanas podem somar-se às oito já pré-qualificadas até agora no mundo”, conclui o representante.

Países como a Argentina já fecharam acordos com Cuba para produção de vacinas voltadas à exportação, enquanto o Irã, onde o uso emergencial da Soberana 02 já foi aprovado, colabora com a participação de 24 mil voluntários em testes dos outros imunizantes em desenvolvimento. Na Venezuela, a vacina Abdala já começou a ser aplicada, a partir da primeira semana de julho, em áreas da capital Caracas — segundo o governo venezuelano, serão recebidas cerca de 12 milhões de doses, divididas em múltiplos lotes.

Alguns brasileiros também já pedem que as vacinas cubanas sejam adotadas no país. Em São Paulo, por exemplo, a secretária de Relações Internacionais, Marta Suplicy, pediu que a capital paulista entrasse na fila dessas vacinas.

A vacinação em Cuba

Os outros três imunizantes ainda não passaram pelos testes finais e, portanto, ainda não estão aprovados para o uso na vacinação. São eles: Soberana 01, na segunda fase de testes; Mambisa, que seria o primeiro medicamento de aplicação nasal contra a covid-19 e que ainda se encontra na primeira fase de testes; e Soberana Plus, a mais recente a ser anunciada, que busca diminuir os riscos de novo contágio em pacientes que já foram infectados pelo coronavírus.

Em maio, o ministro da Saúde cubano José Angel Portal afirmou que o objetivo é “conseguir vacinar 22% da população em junho, 33% em julho e 70% em agosto”. Ao que tudo indica, a promessa está sendo cumprida: segundo dados do Our World In Data, até o dia 27 de junho, 23,8% da população cubana já havia recebido pelo menos uma dose das vacinas. 

Com a aprovação de novos projetos, a tendência é que esses números cresçam em ritmo acelerado — é o que se espera, pelo menos. Desde o começo do ano, Cuba vem observando pioras em seus números, até então estáveis. Um dos maiores motivos é o fato de o país não ter se fechado para estrangeiros, como fizeram muitos outros — o turismo é uma das principais fontes de renda para a ilha.

Hoje, os cubanos vivenciam seu pior momento na pandemia. Na quinta-feira do dia 15 de julho, o país de 11,33 milhões de habitantes apresentou mais de 6.700 novos casos confirmados — quase o dobro do observado no mesmo período no mês anterior. Ao todo, somam-se 294.449 casos — cerca de 2,6% da população — e 2.019 mortes desde o início do surto.