Evento virtual de encontro às cegas anima Dia dos Namorados dos uspianos

Match Ecano rendeu novas experiências em meio ao tédio da quarentena, apesar de casos de “bolo”

 

por Luana Benedito

Arte: Luana Benedito/JC; Imagens: Unsplash/Pixabay.

 

Um evento virtual de encontros às cegas agitou o Dia dos Namorados de vários estudantes da USP no mês passado, dando a seus participantes a oportunidade de quebrar a rotina do isolamento social e conhecer pessoas novas, embora alguns azarados tenham levado “bolo” de seus parceiros.

O Match Ecano aconteceu no dia 12 de junho e foi organizado por dois alunos anônimos da Escola de Comunicações e Artes (ECA). A partir de um formulário preenchido previamente pelos interessados no evento, os organizadores conectaram pessoas de interesses semelhantes num encontro virtual pela plataforma Google Meet, sendo que a identidade dos participantes só foi revelada no momento da chamada por vídeo.

Segundo os organizadores – que preferem manter o anonimato de forma a evitar o constrangimento dos participantes – a ideia do evento “veio da vontade de poder de alguma forma conhecer pessoas novas e criar novos laços (…), ainda que com a quarentena”. A parte às cegas do evento, disseram eles ao JC, foi uma maneira de deixar o Match Ecano “mais empolgante”.

A dinâmica adotada, explicaram os organizadores, evitou que os participantes encontrassem as redes sociais de seus respectivos pares antes do encontro. Caso isso acontecesse, os inscritos poderiam, “quem sabe, até deixar de comparecer por não gostarem da aparência (de seu match)”.

Segundo os responsáveis pelo Match Ecano, aproximadamente 120 pessoas se inscreveram no evento, o equivalente a cerca de 60 duplas. A maior parte dos participantes era da ECA, mas também compareceram alunos de outros oito institutos da USP, como a Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA), o Instituto de Relações Internacionais (IRI) e a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH).

Laura Salere, de 21 anos, estudante de Audiovisual na ECA, foi uma das pessoas que se arriscaram na experiência. “Acabei descobrindo o Match Ecano super sem querer”, disse ela ao JC. Ela ficou sabendo do evento por uma amiga do curso de Educomunicação e logo decidiu abraçar a oportunidade, principalmente em meio à rotina tediosa do isolamento social.

Gosto bastante de conversar e conhecer pessoas diferentes é algo que me diverte. Com a quarentena, estava sentindo que as coisas estavam sempre as mesmas; todo o dia é o mesmo dia, sempre falamos com as mesmas pessoas”, explicou Laura. “Foi tudo isso junto que me gerou interesse no Match Ecano, além de uma grande curiosidade, porque nunca tinha participado de um encontro às cegas.”

A experiência nova, disse ela, acabou sendo um sucesso. “Acho que o match foi bem feito. Fui combinada com uma garota muito divertida e simpática. A gente conversou muito e foi super massa o encontro! (…) Deu quase o mesmo friozinho na barriga de algo presencial.”

Em sua opinião, participar de um evento como o Match Ecano teve vantagens em relação a outras formas de conhecer pessoas online, como aplicativos de relacionamento ou amizade. No encontro às cegas, “as coisas não estão necessariamente dadas”, defendeu. “Em aplicativos de encontro, geralmente fica mais clara a intenção das pessoas, e perde-se um pouco do mistério, da antecipação. No Tinder, as coisas já estão mais estabelecidas.”

Além disso, “os aplicativos acabam tendo uma carga visual muito forte”, opinou Laura. “Não acho que o date às cegas faça com que isso pare de acontecer, porque você ainda vê a cara da outra pessoa e esse julgamento visual vai acontecer em algum ponto, mas ele possibilita a existência de um encontro que talvez não tivesse acontecido se não fosse às cegas.”

Ana Júlia Leme Silva, também chamada de Naju, ecoou sua opinião. Nos aplicativos de relacionamento, “muitas vezes a gente se conecta com pessoas por fatores estéticos, por supostas conexões que estão descritas na biografia delas, e nem se dá a chance de verdadeiramente conhecer essas pessoas, ter um diálogo com elas”, disse ela ao JC. “Acho que um grande questionamento que o Match Ecano trouxe, pelo menos para mim, foi: quantas pessoas você pode estar simplesmente não conhecendo por algum fator que as mídias sociais impõem?”

Arte: Luana Benedito/JC; Imagens: Unsplash/Pixabay.

 

Naju tem 18 anos e é aluna de Educomunicação da ECA. Assim como Laura, ela “buscava no Match Ecano uma experiência que fosse diferente de todos os dias monótonos que a gente vive na pandemia”.

Embora estivesse nervosa antes do encontro, principalmente por ter dificuldades em se conectar com outras pessoas no meio online, ela avaliou a experiência como positiva. “A minha companheira de Match Ecano é artista, assim como eu (…), e a gente tinha afinidades de gosto para séries, filmes, músicas e até um alinhamento político similar, o que acabou rendendo um diálogo muito grande contra esse governo vigente e contra os diversos cortes na cultura”, contou. 

“Nós duas viemos de escola pública e nós duas somos mulheres pretas, e, apesar de não serem fatores que estavam no formulário para inscrição do Match Ecano, essa conexão do Universo e da vida acabou fazendo muito sentido também.”

Segundo Naju, o encontro fluiu de forma tão natural que ela e sua dupla acabaram ultrapassando o limite de tempo definido inicialmente pela organização. “Eu e minha parceira tínhamos desligado o fator horário da nossa mente e isso é quase um milagre em tempos tão ansiosos, pandêmicos e estressantes”, disse.

Agora, ela tem uma amizade que deve durar muito além do primeiro encontro. “Eu e minha dupla mantemos contato até hoje. Eu realmente ganhei uma amiga! A gente continua conversando e eu espero muito poder encontrá-la presencialmente, quando a vida normal voltar”, contou Naju. 

Arte: Luana Benedito/JC; Imagens: Unsplash/Pixabay.

 

Infelizmente, nem todos os inscritos no evento tiveram a mesma sorte. 

Igor Souza, de 21 anos, é aluno de Editoração da ECA e foi uma das várias pessoas que se decepcionaram com o Match Ecano. No horário combinado do encontro, “meu date só não apareceu”, disse ele ao JC. “Eu (…) separei o dia, tive toda a expectativa de descobrir quem seria a pessoa e o que aconteceu foi eu desperdiçar meu tempo.”

Apesar da experiência negativa, ele não culpa a organização do evento: “não foram eles que confundiram os encontros, ou algo assim, foi a pessoa que não apareceu, e sobre isso eles não têm controle”, disse Igor. Depois de levar o “bolo”, ele entrou em contato com os responsáveis pelo Match Ecano e recebeu um pedido de desculpas pelo ocorrido.

Mesmo ficando sem o encontro que estava planejado, Igor disse que, no final das contas, “foi um dia divertido pra mim, me preparar para o date, ficar fofocando com as amigas e depois com os organizadores do Match Ecano” sobre o ocorrido. “Eu só (acrescentaria) uma solicitação de confirmação de presença alguns dias antes” do encontro de forma a evitar “bolos”, completou.

Em depoimento anônimo enviado ao JC, uma outra pessoa afirmou que, além de ter se frustrado pela ausência de seu respectivo par na hora do encontro, não sentiu um bom amparo vindo dos responsáveis pelo Match Ecano. Ao ver que seu date não apareceu, “entrei em contato com a organização e eles disseram que não podiam fazer nada, não tinham nem o nome completo da pessoa e nenhuma forma de contato além do email”, reclamou. “Ou seja, (foi)  muito ruim.”

A organização do evento confirmou ao JC que recebeu algumas queixas sobre pessoas que não apareceram no encontro: “Infelizmente tivemos alguns casos de ‘bolos’. Alguns conseguimos na hora rearranjar e fazer novos encontros e, em outros casos, contamos depois quem era (a pessoa designada) para talvez o date acontecer em outro momento.”

Num caso específico, disseram os organizadores, a solução para um final feliz foi um tanto inusitada. “Uma história legal que tivemos foi de duas pessoas que tinham encontros nos mesmos horários e os dois levaram ‘bolo’! Como falaram com a gente na hora, conversamos com os dois e eles toparam um encontro para uma nova amizade e amaram!”

Apesar das desistências inesperadas, “tivemos vários feedbacks e ficamos muito felizes com relatos de experiências positivas, tanto de possíveis futuros casais quanto novas amizades”, afirmaram os responsáveis pelo Match Ecano.

Questionados sobre a realização de uma possível nova edição do evento, os organizadores  deixaram a resposta em aberto: “Talvez sim? Talvez não? A quantidade de ‘bolos’ e desistências de última hora preocupou a gente, mas ao mesmo tempo os relatos positivos e a experiência em si pesam favoravelmente. Quem sabe, se o calendário de vacinação realmente andar, não possamos fazer uma versão presencial.”