Filme dirigido por ex-aluno recebe principal prêmio internacional da animação

 

por David Ferrari

Longa-metragem é a terceira produção nacional a conquistar o prêmio. Foto: Coala Filmes

O longa-metragem brasileiro Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente é premiado no Festival de Annecy, considerado o mais importante prêmio do gênero. Dirigido por Cesar Cabral, formado no antigo curso de Cinema e Vídeo da USP, o filme stop-motion ganhou a categoria “Contrechamp” do festival realizado na França.

A edição que comemorou o aniversário de 60 anos do festival aconteceu entre os dias 14 e 19 de junho na cidade de Annecy, no sudeste da França. Os diretores do filme acompanharam a cerimônia à distância devido ao lento avanço da vacinação no Brasil, pois boa parte da equipe ainda não foi imunizada.

“Annecy é o templo da animação. Para quem trabalha nesse setor, é um universo muito rico. Eu já estava muito feliz em ter sido selecionado. Como são poucos prêmios, ser escolhido é um grande reconhecimento para a minha carreira. Dá muito orgulho”, conta o diretor.

A animação, que deve estrear nos cinemas no final deste ano, está entre os três únicos longas nacionais vencedores do festival, ao lado de Uma História de Amor e Fúria, que levou a estatueta em 2013, e O Menino e o Mundo, ganhador da edição seguinte.

Feito a partir da técnica stop-motion que consiste em fotografar bonecos frame a frame, a criação de Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente é resultado de cinco anos de trabalho. Pelo menos 200 pessoas participaram das diversas fases de produção, como roteirização da história, desenvolvimento dos bonecos, fotografia e edição de áudio e vídeo.

Mescla entre gêneros do cinema

Ator Milhem Cortaz é quem dá a voz a Bob Cuspe. Foto: Coala Filmes
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Bob Cuspe é um famoso personagem das histórias em quadrinhos dos anos 1980 da revista Chiclete com Banana. Criado pelo cartunista Angeli, o personagem integra o chamado “movimento punk de periferia”. A arrogância e o ácido humor resumem a personalidade de Bob Cuspe.

Inspirado nos quadrinhos, o diretor César Cabral trouxe o personagem para as telonas. Mesclando a ficção do personagem com uma real característica de Angeli, que mata os personagens de suas histórias, a animação narra o conflito de Bob com seu criador para impedir que o cartunista o mate.

O filme é a união de dois principais gêneros do cinema: a fábula e o documentário. Com um caráter distópico, Cabral faz experimentações tanto narrativas quanto cinematográficas em um filme que apesar de trazer características reais de Angeli, não tem “nenhum compromisso com a verdade”, afirma o diretor entre sorrisos.

Bob Cuspe é interpretado por Milhem Cortaz, ator escolhido a dedo pelo diretor. “Eu precisava de um ator muito bom para construir esse personagem. O Milhem vivia o personagem. Ele até cuspia no estúdio de som. Foi muito legal, porque ele abraçou a ideia”, destaca.

Conquista em meio a derrotas

A animação venceu o Festival de Annecy em meio a cortes nos investimentos públicos em cinema. Foto: Coala Filmes
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No contexto de cortes na Ancine (Agência Nacional do Cinema), Cesar Cabral afirma que a conquista simboliza um ato de resistência do cinema nacional. “Há a vontade de um desmonte muito forte. Estamos num momento de resistir”, enfatiza.

Somente em 2020, os cortes orçamentários foram de pelo menos 43% em relação ao ano anterior, ficando na casa de R$ 415 milhões – distante dos R$ 724 milhões destinados ao setor em 2019. O investimento realizado durante o segundo ano do governo Bolsonaro equivale, em valores nominais, ao repassado em 2012 ao setor, durante a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Os cortes são, para Cabral, um grande retrocesso ao cinema nacional. “A sensação que dá é que voltamos à época da faculdade. Quando estávamos na graduação, era um sufoco para fazer um curta, para juntar uma grana, montar uma equipe… É uma situação muito preocupante”, salienta. 

Papel da Universidade na carreira do diretor

Cesar Cabral se formou em 2002 no antigo curso de Cinema e Vídeo pela ECA. Foto: Coala Filmes
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Cesar Cabral teve o primeiro contato com produções cinematográficas em stop-motion durante sua graduação em Cinema e Vídeo. Ingresso no ano de 1995, o diretor sempre foi muito interessado nas histórias em quadrinhos e animação. Ele acompanhava de Laerte ao universo Marvel.

No terceiro ano de seu curso, uma proposta de trabalho foi responsável por mudar a sua carreira. “A gente ganhou um rolinho de película para fazer um exercício de filmagem. Eu estava muito interessado em animação e falei ‘vou tentar fazer o exercício em stop-motion, já que era pouca película’ – suficiente para fazer uns três minutos de vídeo. Foi aí que tudo começou”, lembra.

Cesar Cabral se formou em 2002 na Escola de Comunicação e Artes. Mas aquela atividade representou um legado de anos. O exercício de alguns minutos se tornou o primeiro curta-metragem do diretor. 

A partir de então, produziu diversas animações como Dossiê Rê Bordosa, vencedor de mais de 70 prêmios em festivais nacionais e internacionais; o curta Tempestade, que lhe rendeu indicação ao Festival de Annecy em 2010; e a série Angeli The Killer, exibida no Canal Brasil em 2017.

Assista ao trailer de Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente: