Fuga da realidade: a pandemia e a leitura como lazer para os alunos da USP

Diante de uma rotina tomada por telas e desesperança, os livros se destacam como uma distração saudável

 

 

por Marina Caiado

Arte: Marina Caiado/Fonte: Francielle de Toledo/Pixabay

 

Rafael Ricciardi de Albuquerque é calouro do curso de Psicologia, e não tinha o hábito de ler antes da pandemia de covid-19: “O que mais me levou a ler na quarentena foi a possibilidade de ‘viajar’ sem sair do lugar onde eu estou, vivenciar sentimentos e aventuras, algo que os filmes e as séries não estavam suprindo. O livro foi uma forma de imaginar e viver mais durante esse momento de isolamento”. Ele é apenas um dentre muitos outros alunos que também passaram a ler mais como uma forma de lazer e distração durante a pandemia.

Em uma pesquisa realizada pelo Jornal do Campus com mais de 300 alunos de diversos institutos da USP, 49,7% dos respondentes afirmaram ter aumentado a frequência de leitura como lazer no período de isolamento. Os principais motivos apontados para essa mudança foram: evitar o excesso de telas, fugir da realidade desesperançosa e buscar novos hábitos durante a pandemia.  

Para Rafael, a leitura foi muito positiva, trazendo distanciamento de universos mais superficiais, como o das redes sociais, e permitindo um aprofundamento maior nos assuntos de seu interesse, algo que o ajudou até mesmo na graduação. “Faço psicologia, então, ler com mais frequência fez com que eu entendesse a vida de forma mais empática e pensasse mais em como é a realidade de outras pessoas. Antes eu era muito racional e pragmático, e os livros me levaram a ser um pouco mais maleável. A minha vida melhorou muito, então com certeza vou continuar lendo bastante depois da pandemia”, diz o estudante.

Apesar do aumento mostrado pela pesquisa, 30,7% dos alunos consultados afirmaram que sua frequência de leitura diminuiu durante a pandemia. Esse número também é alto, principalmente se considerarmos que 92% dos respondentes afirmou que gosta de ler no tempo livre. Os principais motivos apontados para essa mudança foram: cansaço ou desânimo, falta de tempo e dificuldade de acesso a livros e outros conteúdos, além de dificuldade de concentração.

Esse é o caso do Gabriel Mendes, estudante de Farmácia que gosta de ler e até tinha uma rotina de leitura antes da pandemia, mas está desanimado ultimamente. Ele reconhece que essa mudança tem sido ruim, e que gostaria de voltar a ler com mais frequência: “No fim de 2018, por exemplo, eu estava muito preocupado com a situação política do país. Todo noticiário tinha muitas notícias ruins, e eu gostava de ler para me distrair dessa realidade. Hoje em dia a gente tem notícias ainda piores do que tínhamos naquela época, mas eu não tenho muito ânimo para ler [livros], porque acabo sendo consumido pelas notícias ruins. Gosto bastante de ler, acho que faz bem para a saúde mental, então me chateia ver que antes eu tinha mais pique para isso do que agora”, afirma. 

E como ler mais e melhor?

Para Valmir Munhoz, fundador e sócio da Vencer Leitura, empresa que oferece treinamentos para aperfeiçoamento da leitura, muitas pessoas não leem porque aprendem desde o início a ver a leitura como uma obrigação. Isso acontece principalmente na escola, com a imposição de livros clássicos que nem sempre agradam aos jovens. As pessoas vão crescendo com esse estigma de que a leitura não é prazerosa. Precisa ser algo espontâneo, tudo que é espontâneo é prazeroso. Para incentivar os jovens a desenvolverem o hábito da leitura, [as escolas e educadores] deveriam incentivá-los primeiramente a ler aquilo que gostam”, argumenta.

Além disso, a leitura pode ser uma atividade um tanto cansativa, mesmo para quem gosta de ler. Valmir explica que a falta de concentração é outro fator que costuma prejudicar muito as pessoas e acaba tornando a leitura ainda menos prazerosa: “Se você se desconcentra não vai haver entendimento, e não há muita graça em não entender aquilo que se está lendo. Então a leitura vira uma perda de tempo, dá sono, tanto que muitas pessoas têm o livro como sonífero no criado-mudo ao lado da cama. É uma tarefa trabalhosa, e ninguém gosta de ser obrigado a ler algo que não gosta e ainda se esforçar pra isso”, completa.

Valmir trabalha há 11 anos com treinamentos de leitura, e há sete na sua própria empresa, a Vencer, que atende pessoas de diferentes idades em todo o Brasil. A empresa oferece um treinamento de readequação da mecânica de leitura, que substitui a leitura fonética que aprendemos desde crianças – feita com o auxílio das sílabas e sons das palavras, como se houvesse uma “voz dentro da nossa cabeça”– pela leitura grafêmica, que se apoia na forma da palavra e em sua disposição. Assim, são diminuídos os “vícios de leitura”, como murmurar enquanto se lê, ter dificuldade para ler em ambientes ruidosos ou divagar ao longo de uma página ou parágrafo, sendo necessário voltar ao início. O objetivo final do treinamento é atingir a “leitura integral”, que consiste na capacidade de ler pelo menos 1000 palavras por minuto com 100% de compreensão do texto, o que demanda pelo menos quatro meses com dedicação diária.

Formado em direito há mais de 10 anos, Valmir Munhoz é fascinado por leitura. Ele fez cursos na área de linguística e metodologias de aprendizagem e busca aprender cada vez mais sobre temas como alfabetização e neurociência. Foto: Valmir Munhoz/Arquivo Pessoal

 

Com tanta experiência relacionada à leitura, Valmir deixa algumas dicas simples e práticas para quem quer começar a criar o hábito de ler ou quer voltar a ter esse hábito. Para ele, tudo começa na escolha do livro: “Escolha um tema, uma área que você goste e que chame a atenção, esse é o primeiro passo. Entre em uma livraria e compre um livro dessa área. Não escolha um livro grande, comece com um livro pequeno, de 150 páginas, no máximo 200, porque você leva menos tempo para concluir a leitura e quanto mais cedo você termina, maior vai ser sua satisfação”.

Selecionar um bom ambiente de leitura também é muito importante. Segundo o especialista, o local deve ser o mais tranquilo possível, além de bem iluminado: “O ruído vai tirar a concentração, e, como consequência, comprometer o aproveitamento da leitura. Procure um ambiente silencioso e agradável. Você também pode colocar uma música clássica, há estudos que mencionam que isso aumenta o nível de atenção. Durante o dia, use a luz natural. Vai ler à noite? A luz artificial tem que gerar o mesmo efeito da luz natural, para não forçar a visão. Assim, a preferência é que essa luz artificial seja branca, pois ela estimula a atenção, ao contrário da luz amarela, que pode fazer o leitor sentir sono”. 

Finalmente, Valmir conta que também é interessante estabelecer metas de leitura diárias, principalmente no começo: “O ideal é que a pessoa que não tem o hábito de ler não comece a ler durante uma hora, comece lendo durante 10 minutos. É o suficiente no primeiro dia. No segundo dia, 15 ou 20 minutos. Ao tentar devorar o livro inteiro em um dia, você pode conseguir, mas o aproveitamento e a qualidade de leitura podem não ser bons, o que gera cansaço físico e mental. Aumente o tempo de leitura diário de maneira gradual, com paciência e sem ansiedade. O hábito da leitura precisa ser desenvolvido de forma consistente. Como é um novo hábito, é preciso criar novas raízes e essas raízes precisam de tempo para crescerem e se fortalecerem”, conclui o especialista.