Imunidade contra Covid-19 é transmitida de mãe para bebê?

Pesquisadora explica como funciona a transferência de anticorpos em gestantes e lactantes

 

 

por Mariana Carrara

Bebê sendo amamentadoFoto: Pixabay

 

Em maio, ganhou destaque no Brasil o caso do bebê que nasceu com anticorpos contra a Covid-19 após sua mãe ter sido vacinada na gestação. Ainda não há comprovação científica de que gestantes ou lactantes vacinadas imunizem seus bebês e, por isso, o tema gera muitas dúvidas. Nesta reportagem, o JC levanta o que se sabe sobre a transmissão de anticorpos contra o coronavírus de mães para bebês.

Há muito tempo se estuda como os anticorpos, proteínas que atuam contra um organismo estranho no corpo, são adquiridos por bebês através das mães. Magda Carneiro Sampaio, professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP e vice-presidente do Conselho Diretor do Instituto da Criança do HC, pesquisa há 30 anos esse fenômeno e explica que isso acontece por duas vias: na gestação e na amamentação. 

Magda esclareceu que a mãe desenvolve um repertório de anticorpos durante a gestação: “ela foi vacinada contra o sarampo, entrou em contato com vários vírus da gripe”, e tudo isso é passado por meio da placenta. É a placenta que permite o intercâmbio de partículas entre gestante e bebê. No caso de anticorpos, há um receptor na placenta que se gruda nessa molécula, interage com ela e “passa, então, do lado da mãe pro lado do filho, da circulação materna para a circulação fetal”.

Segundo a doutora, isso começa cedo, mas grande parte da transmissão dos anticorpos acontece no final da gestação. Nessa etapa, é transmitida uma categoria específica de anticorpo, a imunoglobulina G (IgG): “é como se fossem muitas chaves diferentes, que vão encaixando em fechaduras diferentes”.

Magda Carneiro SampaioMagda Carneiro Sampaio. Foto: Rogério Albuquerque

 

A segunda via é através do leite materno. Magda expõe que, durante a gestação, muitas células do sistema imune migram para a mama, e ali produzem anticorpos. Esses anticorpos são secretados junto das proteínas e gorduras, e compõem o leite materno. Assim, eles continuam a ser transmitidos depois do nascimento.

Essa é uma categoria de anticorpos diferente. Enquanto na gestação são produzidos e transmitidos os IgG, no aleitamento, são as imunoglobulinas A (IgA).  A cada duas ou três horas, os bebês recebem por meio do leite esse anticorpo, que vai naturalmente se biodegradando. Já o IgG permanece no sangue por um tempo maior, ou seja, possui uma meia-vida maior.

A indução de anticorpos na COVID-19

O que se sabe, então, em relação à imunização contra a Covid-19 de mãe para bebê? Apesar de ainda ser uma doença recente para chegar a conclusões tão delimitadas, muitos estudos já foram feitos a fim de medir essa transmissão de anticorpos. Quando foram anunciados os primeiros casos de bebês que tiveram contato com o novo coronavírus enquanto ainda estavam na barriga, já se sabia dessa ligação na infecção. 

Na imunização não é diferente. Um estudo realizado no final de 2020 na Holanda mostrou que um quarto das mães infectadas pelo Sars-cov-2, vírus que provoca a Covid-19, tinham anticorpos no leite, o que prova que mães transmitem anticorpos na amamentação. Mas e as vacinas? Elas são capazes de promover a imunização dos recém-nascidos? 

Em pesquisa da Universidade de Harvard foi observado que as gestantes vacinadas com Pfizer passam anticorpos contra a Covid-19 pela placenta, assim como acontece com muitos outros imunizantes. Assim, o bebê já nasce com anticorpos no sangue. Esse mesmo estudo e outro realizado em Israel, também com a Pfizer, mostram anticorpos no leite materno tanto das mães que foram vacinadas durante a gravidez, quanto das que já eram lactantes quando receberam a imunização. 

Mulher recebendo vacina contra Covid-19Foto: Freepick

 

Mas então é melhor se vacinar durante a gestação ou durante a amamentação? A Dra. Magda elucidou que não se sabe ainda a diferença da resposta imunológica com a vacinação na gestante ou na lactante, “mas existe resposta boa nas duas”. 

No entanto, ainda não se sabe se essa transmissão de anticorpos é suficiente para imunizar o filho. Nesse caso, Magda comenta que, como ainda é uma infecção nova, não houve tempo de realizar pesquisas a longo prazo que acompanhem se os anticorpos permanecem no sistema imunológico desses bebês. Por isso, não se sabe se eles protegem de fato: “o que a gente sabe é que, como para outras doenças, mal não vai fazer”, completou a pesquisadora.

Existe diferença entre as vacinas?

Cada vacina reage e produz uma resposta imunológica diferente. Estudos mostraram que não só a Pfizer, mas também a Moderna e a Astrazeneca induzem anticorpos no leite. A Coronavac, que é amplamente aplicada no Brasil, também é uma ótima opção para gestantes quando se diz respeito à indução de anticorpos em bebês.

A professora Magda conduziu uma pesquisa com funcionárias lactantes do HC que mostrou que, ao serem vacinadas com Coronavac entre 3 e 4 meses depois do nascimento dos bebês, foram produzidos anticorpos no leite. Após a segunda dose, os níveis eram ainda mais altos. 

Além disso, a doutora comentou que ela e pesquisadores do HC já estão desenvolvendo um outro estudo que, pelos resultados preliminares, mostra que mulheres vacinadas na gestação com a Coronavac também conseguem induzir anticorpos que são transmitidos pela placenta — e esses bebês, além de já nascerem com muitos anticorpos, continuam recebendo uma “quantidade enorme” de anticorpos no leite materno.

O ideal é se vacinar o quanto antes

Segundo a pesquisadora, ainda não se sabe se há um período ideal de vacinação para a gestante e/ou lactante. Se o foco fosse o filho, Magda explica que talvez fosse melhor se vacinar no começo do terceiro trimestre de gestação. 

No caso de doenças como a coqueluche e o tétano, às quais o recém-nascido é muito suscetível, é adotada a estratégia de vacinar a mãe na gestação para protegê-lo. No entanto, na infecção de Covid-19, gestantes são grupo de risco e, por isso, devem ser priorizadas.

“Muitas mulheres grávidas pegaram Covid e tiveram uma evolução muito ruim. Houve casos de mortes e de bebês que nasceram prematuros”, comentou Magda. Por isso, em uma situação de extremo risco como a pandemia, a prioridade deve ser imunizar a mãe o quanto antes, e isso permitirá o nascimento de um bebê saudável.