Olimpíada da pandemia: o maior evento esportivo do mundo luta para acontecer

Com um ano de atraso, a Olimpíada de Tóquio 2020 ainda esbarra na covid-19 como obstáculo para a celebração de um país ‘renovado’

 

 

por Luana Franzão

A crise da covid-19 e o sonho da realização de uma Olimpíada duelam em Tóquio à medida em que a competição se aproxima. Foto: Kakapo

 

A Olimpíada de Tóquio 2020 terá início em 23 de julho de 2021. A diferença de datas entre o título do evento e sua realização se deve à pandemia da covid-19, que assolou o mundo e impediu que eventos de grande porte ocorressem. Para a maior comemoração global do esporte não foi diferente.

O anúncio do adiamento foi feito logo no começo da crise da covid-19, em 24 de março de 2020. Essa foi a primeira vez em que uma Olimpíada foi adiada na era moderna, tendo sido outras canceladas em 1916, 1940 e 1944, devido à Primeira e à Segunda Guerras Mundiais.

A mudança no calendário teve um gosto amargo para os japoneses. Em 2013, o anúncio de que o evento ocorreria em Tóquio causou comemoração: sediar uma Olimpíada no Japão, com toda a pompa e circunstância, seria um marco na superação dos desastres ocorridos em 2011. O terremoto, o tsunami e o acidente nuclear em Fukushima causaram muito sofrimento ao país. Somando mortos e desaparecidos, o número chega a 18.428 de acordo com as autoridades.

A covid-19 teve um impacto grave no Japão: até o momento são mais de 800 mil casos confirmados desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a doença como uma pandemia, em 11 de março de 2020. As mortes contabilizadas são mais de 15 mil.

Por esse motivo, muitos habitantes do país são resistentes à realização dos Jogos. Uma enquete do jornal local Asahi Shimbun feita em 17 de maio apontou que mais de 80% dos leitores desejavam um novo adiamento ou o cancelamento da Tóquio 2020. Além disso, várias cidades que receberiam delegações de atletas desistiram de hospedá-los e a governadora de Tóquio, Yuriko Koike, ordenou o cancelamento das exibições públicas dos Jogos.

As autoridades, no entanto, continuam afirmando que a realização do evento será segura e não causará graves impactos nas infecções em Tóquio. “Acredito que a possibilidade de esses Jogos acontecerem é de 100%. Uma coisa que o comitê organizador se compromete e promete a todos os atletas é que vamos defender e proteger sua saúde”, disse Seiko Hashimoto, presidente da Tóquio 2020 em entrevista à BBC.

Manifestação em Tóquio contra a realização da Olimpíada; homem carrega cartaz escrito “Cancelem a Ollimpíada de Tóquio”. Foto: Photoshot

 

“A Olimpíada é muito sobre contar histórias, então cada país aproveita os Jogos para isso. O Brasil, por exemplo, se vendeu como um país alegre, feliz. O Japão não tem mais uma história para contar, a Olimpíada deixou de ser sobre eles”, disse Demétrio Vecchioli, jornalista esportivo e autor do blog Olhar Olímpico, no portal UOL. “Não é uma história relevante nesse momento, perto do que acontece na história mundial”.

Abrir mão dessa narrativa pode ser uma das razões que impedem os organizadores de mudar novamente o calendário. Deixar para trás uma oportunidade de mostrar o “país do futuro”, como o mostrado no encerramento das Olimpíadas do Rio em 2016, é um forte golpe.

O motivo mais preponderante, entretanto, é o dinheiro. O adiamento da Olimpíada custou mais de US$ 3,5 bilhões ao Japão e ao Comitê Olímpico Internacional (COI). O cancelamento dos Jogos deixaria sem propósito mais de US$ 15,84 bilhões investidos, e um novo adiamento traria gastos além do que os cofres japoneses podem aguentar no momento.

Esta Olimpíada poderá se tornar a mais cara da história, pois a estimativa de gastos já ultrapassa o recorde anterior de US$ 14,95 bilhões investidos por Londres em 2012. Os dados concretos sobre o balanço final das finanças serão divulgados em setembro pelo COI.

Em sessão do congresso realizada em 9 de junho, o primeiro-ministro japonês Yoshihide Suga lamentou a pressão de ter de realizar uma Olimpíada durante a pandemia.

Foto: Konoura Mitsutaka

Tóquio vs. a covid-19

As preocupações com a pandemia no Japão e a aproximação dos jogos se intensificou em abril, quando o número de casos da covid-19 disparou em Tóquio e em outras regiões do país. Como forma de conter o espalhamento da doença, foram instaurados estados de emergência. Em Tóquio, as restrições começaram em 23 de abril.

Nesta nova onda do vírus, o pico de casos ocorreu em 14 de maio, época em que o país tinha, em média, 6.460 casos e 112 mortes por dia. A vacinação também demorou a tomar ritmo, tendo naquele momento apenas 1,43% da população totalmente imunizada.

Entre as medidas de isolamento estavam o fechamento de lojas, bares e restaurantes e a exigência de que empresas mantivessem ao menos 70% de seus trabalhadores em regime de trabalho remoto.

Surtiu efeito: em 29 de junho, a média de casos diários somava  1.502 e a de mortes 35,8 – uma queda de cerca 76,7% na média de casos e de 68% na de mortes. A vacinação também acelerou, chegando aos 10,9% da população totalmente imunizada.

O resultado positivo é animador para os organizadores, participantes e habitantes de Tóquio, mas as preocupações continuam a crescer. O estado de emergência sairá de vigor em 12 de julho, deixando a cidade aberta para a chegada das delegações, e um novo aumento pode prejudicar os planos da capital.

“Ao diminuir medidas de emergência, sempre há o risco de o contágio aumentar, porque há mais contato entre pessoas, mais vírus circulando”, explicou o médico infectologista Marcos Cyrillo, diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

Apesar da queda, a pandemia continua pressionando a população de Tóquio: diante das métricas da prefeitura, a região está sob alto risco de aumento do contágio pelo vírus e o sistema de saúde da cidade está sob pressão.

Outro acontecimento gerou alerta nos últimos dias: dois membros da delegação de Uganda, que já chegou ao Japão, testaram positivo para a covid-19. Pelo menos um deles carregava a variante Delta, originária da Índia. Toda a delegação havia testado negativo antes de embarcar.

“Ter o teste negativo e estar com a covid-19 ou ter o teste positivo e não ter sintomas da doença. Você não vai ter cem por cento de segurança ou tranquilidade com os exames negativos, principalmente com pessoas chegando do mundo inteiro”, esclareceu o médico. Ele também enfatizou que a variante Delta possui uma transmissão inter-humana mais elevada, o que pode ser um agravante.

Comitê Olímpico Internacional vs. a covid-19

O Comitê Olímpico Internacional e os organizadores da Tóquio 2020 estabeleceram uma série de protocolos de segurança sanitária para minimizar os riscos da pandemia durante o evento.

As competições aceitarão público de até 10 mil pessoas ou 50% da ocupação da arena, desde que todos sejam habitantes do Japão. Os torcedores deverão usar máscara e são instruídos a evitar comemorações com gritos, usando, ao invés disso, as palmas. A decisão foi uma das mais controversas até então.

As imagens do COI mostram um Japão contente com o evento, o que soa artificial frente à crise. Foto: Divulgação/COI

 

O médico Marcos Cyrillo observa que permitir a aglomeração de milhares de pessoas nunca é muito seguro, mas a falta de torcida também pode impactar a performance dos atletas, que não terão o apoio de seus fãs nas partidas como estão acostumados.

Entre algumas das medidas estabelecidas estão:

  • Minimizar o contato físico: sem apertos de mão e abraços em comemorações ou cumprimentos nas partidas (nem mesmo entre atletas); manter-se a dois metros de distância de outras pessoas.
  • A máscara deve ser usada a todo momento por todos os envolvidos, permitindo somente que os atletas estejam sem durante a prática de sua modalidade.
  • Atletas e equipes devem traçar um plano de locomoção diariamente e encaminhar à organização dos Jogos. Movimentações fora do previsto ou fora das dependências permitidas podem resultar em punições e em último caso na desclassificação.
  • Todos os atletas, equipes e imprensa podem embarcar no Japão apenas com teste negativo, e devem se testar novamente ao chegar. Testes serão realizados diariamente durante toda a estadia.
  • Em caso de sintoma, a pessoa deve ser testada e isolada imediatamente, assim como seus contatos próximos.

O infectologista não considera as medidas suficientes para a contenção total da covid-19: “Elas minimizam o risco de contágio, mas aplicá-las em uma população muito grande, de milhares de pessoas, certamente você não vai conseguir reduzir de uma forma muito significativa o risco de contágio”.

“Os habitantes de Tóquio seguramente não estarão tão protegidos, devido ao contato que eles terão com pessoas com diferentes variantes, de diferentes partes do mundo”, conclui Cyrillo.

O evento esportivo

O adiamento teve seus efeitos não somente nos cofres públicos, mas também na parte mais importante da Olimpíada: os esportistas.

O jornalista Demétrio Vecchioli afirma que alguns atletas sentiram impactos positivos e outros negativos em prolongar a espera pela competição.

“Alguns atletas estavam machucados e se recuperaram, outros estavam em má fase e entraram em boa fase, tem atleta que estava suspenso por doping, e vice-versa”, afirmou.

Quanto à performance brasileira, Vecchioli afirma que a delegação pode ainda colher os frutos de 2016, quando houve algum investimento no Esporte em vista da Olimpíada do Rio. “Não deve ser uma Olimpíada de resultados ruins, eles devem estar no mesmo nível dos Jogos passados”, explicou.

A dinâmica das competições para os espectadores, tanto presentes quanto remotos de todas as partes do mundo, não deve ser tão diferente das edições anteriores. “Existem duas Olimpíadas: uma do público, a outra da cozinha. Geralmente, os espectadores não veem nada dos bastidores, e quem está nos bastidores vê muito pouco o que acontece do outro lado (…) Essa vai ser uma edição diferente tanto pela pandemia tanto pelo país, que não tem uma tradição de torcida fervorosa”, afirmou o jornalista.

Ele acredita que esta segunda olimpíada (a dos bastidores) terá a dinâmica bastante alterada em comparação aos outros Jogos Olímpicos. “Os jornalistas, por exemplo, não poderão chegar perto para entrevistas. Isso torna a entrevista mais fria, você não pega a emoção do atleta”, afirmou após recordar um momento da Rio 2016, quando Felipe Wu – campeão olímpico brasileiro do Tiro – deixou que os entrevistadores segurassem sua medalha de prata recém-conquistada.

Apesar das dificuldades, a realização da Olimpíada de Tóquio 2020 pode representar os primeiros passos e esperanças de um mundo em recuperação, que vê alguma fresta de saída da pandemia com o avanço da vacinação.

“O mundo inteiro vai acompanhar mais os Jogos Olímpicos dessa vez. Ainda que o Brasil esteja em uma situação extremamente difícil, outros países já estão enfrentando menos dificuldades com a covid-19. Para eles é uma vitória conseguir ir para a Olimpíada”, finaliza Vecchioli, lamentando a situação dos brasileiros na pandemia. O jornalista complementa lamentando a situação do Brasil na pandemia, já que o país ainda não teve o mesmo resultado positivo na gestão da crise sanitária.