Universidade não são prédios, mas os pensadores que construíram seu acervo intelectual

 

por Luis Nassif

Foto: Acervo pessoal

 

Em 1971 ou 1972, fui um dos editores do Jornal da ECA, na cadeira de Cremilda Medina. Havia quatro páginas, cada qual de responsabilidade de um editor. No meu grupo estavam, entre outros, o William Waack, que na época cobria esportes para o Estadão. Em outro grupo, o editor era o Paulo Markun.

Diria que de lá para cá, o jornalismo da ECA evoluiu bastante. A edição deste mês mostrou que, se o jornalismo brasileiro atravessa a maior crise da história contemporânea, não é pela falta de bons jornalistas, mas pela escassez de boas pautas e de tempo para boas reportagens.

Vocês conseguiram uma bela mistura dos diversos temas e gêneros que devem constituir uma edição de jornal. Fizeram matérias sobre referências intelectuais da USP em dois artigos. Um deles, sobre Bernardo Kucinski. Através do The Guardian, Kucinski foi o primeiro jornalista a denunciar o envolvimento de empresários brasileiros – particularmente Jorge Wolney Atalla, da Copersucar – no financiamento da Operação Bandeirantes. Em toda sua carreira sempre cumpriu o papel do grilo falante – aquele que fica no ouvido das pessoas chamando-as para sua responsabilidade jornalística. O artigo sobre sua produção literária cumpre o foco, de jogar luz sobre intelectuais de referência da USP.

A tradição humanista da USP também está presente na matéria “Questão Israel-Palestina: 73 anos de limpeza étnica”, belíssimo levantamento sobre a questão palestina. Sugiro, em futuras edições, que sejam entrevistados sionistas para apresentar seus argumentos, confrontando-os com a realidade. Por exemplo, tentam caracterizar a guerra como o da civilização (Israel) contra a barbárie, com a “civilização” sendo responsável por dezenas de mortes de crianças e bombardeio de edifícios civis.

Muito boa também a matéria sobre os NFTS – obras digitais certificadas através do sistema blockchain. O repórter fez bem em descrever a tecnologia e em mostrar o jogo especulativo que se armou, fruto da enorme liquidez do sistema financeiro internacional. Incluiu nas críticas o consumo de energia para a geração de bitcoin. Não precisava. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A tecnologia, em si, nada tem a ver com o consumo de energia específico para a geração dos bitcoins.

O universo interno é bem contemplado com a reportagem sobre leituras na pandemia e a falta de prática de laboratórios, especialmente nas ciências biomédicas. Na matéria sobre o Butantã, faltou um ângulo: a relevância de institutos públicos de pesquisa. Pairava sobre o Instituto a escassez de verbas e a ameaça de privatização. Foi necessária a maior pandemia desde a gripe espanhola para mostrar a relevância de institutos públicos de pesquisa.

Muito bom também o questionamento sobre o Estatuto da Conformidade. Boas questões apresentadas ao autor do documento inicial, permitindo-lhe o amplo direito de defesa. A pauta sobre o luto, e a carta para o futuro, mostram que a cobertura não deve ficar apenas sobre o factual, mas sobre sentimentos e emoções.

Falta, ainda, um enfoque mais constante sobre as referências intelectuais da USP. Universidade não são prédios, mas os pensadores que construíram seu acervo intelectual. E, aqueles que saíram da USP, ajudaram a construir a cultura, a ciência e a tecnologia brasileiras.