Animais no Pinheiros: despoluição e transparência ainda são desafios para recuperação do rio

Gestão estadual promete limpeza total do rio Pinheiros, que ladeia a USP, até 2022; especialistas e ativistas elogiam ação, mas cobram compromisso e transparência

 

 

por Suzana Correa-Petropouleas

Vida no Pinheiros: garças, peixes e até tartaruga foram avistadas nas águas, mas presença de animais ali ainda é limitada. Foto: Amanda Perobelli

 

Imagens do poluído Rio Pinheiros com peixes vivos, aves e até tartaruga encantaram frequentadores do entorno da USP e viralizaram nas redes sociais no primeiro semestre deste ano. O governo estadual paulista atribui as boas novas ao Projeto Novo Rio Pinheiros e promete completar a limpeza do rio até 2022. Embora elogiem a iniciativa, especialistas e ativistas alertam que a vida nas águas do rio ainda estão limitadas à uma pequena área despoluída, cuja limpeza é fruto de três décadas de tentativas estaduais de revitalizá-lo, e cobram mais transparência do governo no projeto.

O rio,  que também margeia áreas como o Morumbi e a Faria Lima, era próprio para atividades como banho e nado até o início do século XX. Nas décadas seguintes, especialmente a partir dos anos 50, passou a ter suas águas contaminadas por redes clandestinas de esgoto, dejetos irregulares e descarte inadequado de lixo na cidade. 

O projeto Novo Rio Pinheiros, lançado pelo governo Doria em outubro de 2019, deve mobilizar mais de R$3 bilhões entre investimentos públicos e privados na despoluição das águas e revitalização do entorno do afluente do Tietê. 

O projeto inclui a reforma de ciclovias e construção de um parque em suas margens, além de praça de alimentação, passarela flutuante sob as águas e píer à semelhança da região nobre de Puerto Madero, em Buenos Aires. Neste trecho, concedido à iniciativa privada, deve ser construído um centro comercial com o maior cinema ao ar livre da América Latina. 

Rio Pinheiros visto de cima: o contraste entre a cor das águas da Raia Olímpica e a do rio evidencia a poluição do Pinheiros. Foto: Reprodução/Google Earth

 

Em junho de 2021, a revitalização de um trecho de 8,2 quilômetros das margens (entre a Ponte Cidade Jardim e o Pomar Urbano) foi iniciada com o começo das obras do parque Bruno Covas, batizado em homenagem ao ex-prefeito da cidade, morto em 16 de maio. 

O contrato para a construção de um segundo trecho de cerca de 9 quilômetros, entre a área de retiro da CPTM e a ponte Cidade Jardim,  já foi assinado. Segundo o site do projeto, a região deve abrigar também equipamentos de uso público e gratuito como pistas de caminhada, banheiros e novos acessos para o transporte público. 

Trecho de ciclovia entregue em dezembro de 2020. Foto: Divulgação/Governo do Estado de SP

Possível vitrine da gestão

A expectativa do governo é que o projeto seja concluído ao final de 2022 e se torne uma das vitrines da gestão de João Doria (PSDB) à frente do Estado durante a corrida presidencial. Segundo interlocutores, a recuperação da região é uma das prioridades de Doria e é um projeto pelo qual tem apreço íntimo e se empenha em divulgar pessoalmente. 

Vida no Pinheiros:  peixes foram avistados nas águas em abril, vindos de córrego que vêm do Parque Ibirapuera. Foto: Amanda Perobelli

 

“Emocionante! Vale ressaltar que o resultado é fruto de um trabalho que vai muito além das margens do rio”, Doria escreveu em rede social em reação a imagens dos peixes avistados no rio em 11 de abril.

Com 5% das intenções de voto na última pesquisa Datafolha, o tucano busca novos capitais políticos para a disputa presidencial para além da Coronavac, vacina cuja distribuição no Brasil, pelo Instituto Butantan, foi em parte viabilizada pelos esforços de sua gestão e a responsável pela maioria (74%) das doses aplicadas no país até maio, segundo o Ministério da Saúde. 

Melhorias exigem compromisso com política de estado

Desde janeiro, a gestão acelerou a retirada de lixo do rio, atingindo cerca de 3 mil toneladas mensais e maior número desde sua criação. No total, 38,2 mil toneladas de lixo já foram removidas do rio. 

A principal medida para recuperação das águas, além da retirada dos resíduos, é a expansão do serviço de saneamento básico para que o esgoto deixe de ser jogado ali. Cerca de 45% das 500 mil casas previstas no projeto foram conectadas à rede de esgoto. 

Remoção de lixo no rio, em abril de 2021. Foto: Amanda Perobelli

 

Segundo Marcos Penido, secretário de Infraestrutura e Meio Ambiente, ao final serão 2.300 litros por segundo de esgoto que iriam para o Pinheiros e serão devidamente tratados. O esgoto remanescente de áreas de moradias irregulares nas margens do rio serão tratados em estações próprias.

“É plenamente factível que cheguemos no final de 2022 com todas as ligações feitas. Teremos um rio recebendo só água limpa e, assim, despoluído. Pretendemos deixar um legado de dignidade para a população que vive próxima ao rio e um orgulho para a cidade, que se igualará a outras que despoluíram seus rios, como o Tâmisa em Londres”, afirma Penido.

Ambientalistas aplaudem a iniciativa e os investimentos na recuperação do rio, mas ressaltam que os animais agora presentes no rio e celebrados por Doria como indicativos de sucesso do projeto não são novidade ali. Além disso, estão por hora limitados à mancha de água clara e despoluída do rio onde estão.

Vida no Pinheiros: Garças também foram avistadas na região. Foto: Amanda Perobelli

 

Os peixes ali vêm dos lagos do Parque Ibirapuera pelo córrego do Sapateiro, parcialmente recuperado após anos de investimentos da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo). Com a melhoria da qualidade da água e aumento de usuários das ciclovias nas margens, passaram a atrair a atenção de ciclistas e curiosos.

Para Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da ong SOS Mata Atlântica e especialista em águas, a cidade colhe agora os resultados de três décadas de investimentos na recuperação do rio Tietê e afluentes como o Pinheiros. Há redução perceptível do lixo flutuante, do odor e da proliferação de insetos, indícios de que a recuperação do rio até 2022 é viável, segundo Ribeiro.

“Mas a recuperação não pode terminar nas eleições, porque o esgoto continuará sendo produzido diariamente. Não dá para ser um projeto com começo, meio e fim. Tem que ser política de estado. É esse o compromisso que precisamos”, diz. 

Eau de Pinherrô

Ativistas do movimento Volta Pinheiros, que cobra e fiscaliza a recuperação do rio, mobilizaram autoridades e celebridades nesta semana numa ação para cobrar mais transparência do governo no projeto. Segundo o grupo, o governo restringe informações importantes sobre o projeto, como a data de entrega de cada fase planejada e a evolução do índice de Demanda Biológica de Oxigênio (DBO) do rio, que poderia atestar a melhoria da qualidade da água. 

A iniciativa contou com a entrega de um “perfume” intitulado Eau de Pinheirrô, feito a partir de fluídos coletados no rio. Os frascos foram enviados para famosos que participam da ação de conscientização, como Helô Pinheiro, e autoridades do Governo do estado, da Prefeitura, Assembleia Legislativa e Câmara Municipal da capital paulista.

“Será que as águas do Rio Pinheiros estão melhorando mesmo? O cheirinho não está bom”, diz o movimento na peça publicitária satírica de divulgação da ação. “Eau de Pinheirrô: a única essência criada para você não se perfumar. Feito com fluidos do Rio Pinheiros e uma aprazível fragrância de cocô”, completam no vídeo.  

Confira o vídeo da ação:  

 

Para os especialistas, a transparência cobrada pelo movimento é importante para que as iniciativas de despoluição sejam monitoradas e aperfeiçoadas. Ainda que o projeto não termine em 2022, o prognóstico dos ambientalistas é que, se bem executada, a limpeza do rio poderá ser finalizada nos próximos anos. 

Se bem sucedida, a revitalização do curso de água poderá trazer para os moradores e frequentadores da região saneamento digno e eficaz, um rio de águas limpas com fauna nativa e um campus banhado por aroma diferente do já familiar Eau de Pinheirrô.