Alunos do CRUSP respiram e ganham tempo para se mobilizar em meio à reforma

Após ação civil, moradores receberam prazo de 60 dias para desocupar Bloco D

 

por Beatriz Sardinha

Fotos: Beatriz Sardinha/JC

 

O CRUSP (Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo) simboliza uma das maiores formas de resistência dos alunos de ocupação da universidade pública. 

No dia 26 de Julho de 2021 os moradores regulares do conjunto da USP foram avisados que teriam até o dia 15 de Agosto para desocupar o prédio do bloco D — unidade que abriga cerca de 130 dos 1600 estudantes do conjunto residencial. O planejamento da reforma engloba obras em praticamente todos os blocos do CRUSP, com exceção do bloco A1 — o mais recente.

Mudança de prazo

Inicialmente, os alunos teriam pouco mais de 15 dias para desocuparem o Bloco D para a efetuação das reformas. O Departamento XI de Agosto da Faculdade de Direito da USP protocolou uma ação civil pública que paralisava as obras no bloco e postergou a desocupação dos alunos em 60 dias a partir da publicação da decisão, no dia 31 de agosto.

Documento da ação civil protocolada pelo Departamento Jurídico da Faculdade de Direito nas paredes do Bloco D

 

As moradoras do Bloco D relataram que o prazo estipulado pela USP era irreal. Além da questão logística, a data estipulada aos residentes regulares e irregulares ignorava o momento pandêmico e acadêmico do semestre. Em condições políticas e sanitárias normais, o prazo de 15 dias já seria considerado apertado. As moradoras comentam que muitos cruspianos voltaram para a casa dos pais durante a pandemia, por conta do acesso ruim à internet. Logo,esse deslocamento adicional dificultaria ainda mais a mudança dos alunos do Bloco D.

Marina*, estudante de Pedagogia da USP que preferiu não se identificar para a reportagem, cotista de escola pública no Enem, ingressou na universidade em 2017 e mora desde 2018 no CRUSP de forma irregular. Ela conta que o e-mail da reforma chegou na mesma época de entrega de trabalhos finais e encerramento de semestre. “Foi um prazo absurdo. Não existem condições materiais de dois elevadores precários fazerem a mudança, em duas semanas, de todas as pessoas que estavam no prédio”, comenta Auden*, que também preferiu não se identificar para a reportagem.

Falta de transparência 

Até pouco tempo, não era possível que os alunos visualizassem a planta da reforma. Recentemente foi liberado o acesso à planta e a demais informações institucionais em um site próprio da reforma.

O estudante do terceiro ano da Faculdade de Direito da USP e Diretor de Relações Públicas do Departamento Jurídico XI de Agosto, Pedro Teixeira, afirma que a falta de transparência é o principal motivador por trás das ações dos alunos. Ele relata que chegaram diversos pedidos na entidade acerca da situação do CRUSP.

Mesmo com a obra do Bloco D paralisada, a marquise do CRUSP continua em obras

 

Outro fator que chama a atenção de Pedro está na aprovação das licitações para o projeto há cerca de um ano antes do aviso aos estudantes, via e-mail. Além disso, como parte do envolvimento do Departamento Jurídico na questão, foi feito um levantamento recente procurando saber a quantidade de alunos remanescentes no bloco. O resultado difere negativamente daquele divulgado pela Superintendência de Assistência Social.

Auden* nora no CRUSP há 4 anos e, desde que se mudou para a cidade universitária, soube apenas de reformas rotineiras: “Desde sempre ouvi um pouco sobre reformas como pintura das fachadas dos prédios, mas nada perto da dimensão da atual proposta.”

O Jornal do Campus também conversou com Vitor Blotta, da Comissão de Direitos Humanos da USP. O professor da Escola de Comunicações e Artes fala que, em uma reunião de apresentação de relatório ao Reitor, a comissão foi avisada que a licitação de uma reforma no CRUSP estava aprovada: “Ao que parece, pelo relato do Reitor, não havia um plano de reforma discutido abertamente com os interessados. Depois, soubemos pelos alunos da notificação da reforma e do prazo para saída.”

Por que o D?

Em um de seus diagnósticos, a Comissão de Direitos Humanos recebeu diversas reclamações sobre a precariedade da estrutura dos blocos do CRUSP. No entanto, Vitor informa que não houve reclamações específicas acerca do Bloco D.

Placa de execução da reforma no Bloco D do CRUSP


Pedro Teixeira defende que a forma como a universidade alegou a urgência da reforma reflete, também, falta de diálogo com os alunos. “Não foi o Bloco D que pegou fogo há alguns anos. As pessoas sabem que há blocos em pior estado no CRUSP”, diz.

Para Auden*, a ordem da reforma dos Blocos não segue o melhor interesse dos moradores: “Poderia ser muito mais dialogado. O ideal era começar a reforma pelo K e pelo L, reabilitar o prédio para moradia, transferir os alunos do próximo bloco reformado para os blocos K e L, e reformar os blocos um a um, tendo um bloco para mandar as pessoas. Mas a Reitoria vai abrir mão do K e do L?”

Permanência

As moradoras veem parte da ação repentina da USP no bloco como uma atitude que desmobiliza a ação e os vínculos dos estudantes com a universidade. Elas mencionam tentativas recentes de acionar a Sabesp para resolver problemas no sistema de esgoto do prédio, respondida por resistência dos funcionários da USP em permitir ações externas.

A pauta da permanência estudantil é muito presente no conjunto. Com os 60 dias adicionais, os moradores do CRUSP resistem até que todos tenham moradia garantida

 

Uma das alternativas dadas pela SAS diante da reforma é a oferta de um auxílio mensal de 500 reais. As moradoras afirmam que esse valor não é equivalente a morar no conjunto:  “Aqui no CRUSP você tem acesso a luz, água — ainda que falte em alguns momentos e que em alguns blocos a internet funcione melhor que em outros. E isso tudo você não consegue por 500 reais em lugar nenhum”, diz Auden*.

Marina* relata que ainda não conseguiu se mudar para outro bloco, mas alguns alunos mantém a ocupação — mesmo aqueles que já garantiram vaga — como forma de resistência, até que todos os moradores do Bloco D garantam moradia.

“Quando você tira as pessoas do Bloco, você não apenas move a pessoa, mas você tira dela a relação de vizinho, de família. E desassociando os vínculos fortes, eles estão intervindo nos nossos vínculos. Eu e uma amiga muito próxima minha optamos por nos mudarmos para um apartamento em que dividimos um quarto. Pensamos que estamos perdendo muito com o que está acontecendo e não queríamos perder esse vínculo também”, explica Auden*.

Ações e atos

Ainda que a USP e a SAS tenham passado a disponibilizar mais informações sobre a reforma, o amparo aos ocupantes do conjunto é insuficiente. “Os irregulares ficam desamparados. O meu amigo, que a SAS afirmou não ter enviado os documentos, está em situação irregular. Tiveram pessoas que foram jubiladas na quarentena, tentando processo de reingresso, e estão irregulares. Pessoas que não conseguiram vaga, mas que não tem para onde ir”, comenta Auden*.

Auden* complementa que o atrito entre alunos e SAS não é incomum: “Historicamente há uma relação muito tensa entre a SAS e os estudantes. E constantemente a SAS faz movimentos que boicotam a atuação estudantil. Não houve uma resolução ou um contato individual comigo sobre a vaga. Tive que arrumar a vaga sozinha, mas isso também porque estou irregular.”

Diversas mobilizações têm ocorrido em torno da repercussão da reforma. Além da ação civil e da repercussão midiática, um ato convocado pelo Comitê de Mobilização do CRUSP no dia 14 de agosto levou protestantes à cidade universitária.

No dia 04 de setembro, moradores do CRUSP e apoiadores da causa se juntaram a um Ato Cultural, próximo aos blocos D e F. Na tarde da ocasião, foram performadas músicas autorais e sucessos do samba. Além disso, moradores puderam vender alimentos.

Confira a fotorreportagem do Jornal do Campus.

*Auden e Marina representam nomes fantasia