Por que precisamos de uma terceira dose contra o coronavírus?

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Imunologista e pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da USP explica porque mais doses das  vacinas contra COVID-19 serão necessárias. 

por Mariana Marques 

Em agosto o Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou a aplicação da, até então não confirmada, terceira dose de imunizantes contra a COVID-19 para idosos acima de 70 anos e pessoas imunossuprimidas. Apesar da necessidade de uma dose de reforço para os grupos mais vulneráveis à doença ter sido amplamente discutida entre a comunidade científica, a notícia pegou muitas pessoas de surpresa, principalmente quem acreditava que a vacinação da população adulta com a 2ª dose significava o fim completo da crise sanitária causada pelo coronavírus.

  Por que a terceira dose é necessária? 

[Foto: Reprodução / Unsplash]

A mudança nos calendários de vacinação não chegou a ser algo inusitado para os pesquisadores, explica o imunologista e pesquisador convidado do Instituto de Medicina Tropical da USP, Celso Granato: “É a primeira vez que estamos tendo uma pandemia por coronavírus. Já enfrentamos várias pandemias, dentro dos vírus respiratórios, principalmente pela gripe, mas coronavírus é a primeira vez. Então ainda não se conhece muito bem o comportamento desse vírus em uma situação pandêmica.”

Por isso, os pesquisadores já esperavam que as estratégias de combate ao vírus pudessem ser alteradas conforme o conhecimento adquirido sobre a doença aumentasse. “Aqui no Brasil nós usamos principalmente a vacina CoronaVac, de origem chinesa, mas que está sendo mais recentemente produzida pelo Instituto Butantã. É uma vacina nos mesmos moldes que a gente faz há muitos anos a vacina da gripe. Baseado nesse princípio eu diria que era previsível que usaríamos a terceira dose”, afirma Celso Granato.

A aplicação da dose de reforço está relacionada ao tempo da cobertura imunológica que a vacina proporciona. Assim como a vacina contra a influenza, a CoronaVac é feita a partir do vírus inativado. Granato esclarece: “Quando você usa uma vacina de vírus morto, ela não tem a capacidade de gerar uma proteção tão longa, que dure mais do que um ano.” Já as vacinas feitas a partir do RNA, conferem uma proteção imunológica mais longa, e segundo as orientações do Ministério da Saúde, são as mais recomendadas para os grupos que serão vacinados pela terceira vez.

Quem são as pessoas do grupo prioritário?

Infográfico sobre a vacinação no Estado de São Paulo até o dia 11/09/21 [Arte: Ana Paula Alves]

O grupo que receberá as doses de reforço é composto por pessoas com o sistema imunológico menos preparado para combater doenças infecciosas como a COVID-19. A falha no sistema de defesa do corpo não apenas as deixa mais suscetíveis à doenças, como também diminui a resposta imune do corpo à vacinação.

“A pessoa com imunossupressão não tem o sistema imunológico forte o suficiente para combater adequadamente a infecção”, esclarece Granato. Por isso, a dose de reforço é extremamente importante para evitar a contaminação e o desenvolvimento de estágios mais agravados da COVID-19. O grupo que será vacinado é composto majoritariamente por pessoas com mais de 70 anos, soropositivas, transplantadas, com câncer ou com alguma debilidade no sistema imunológico.

Fake news e vacinação

Após a divulgação da aplicação da dose de reforço, mais uma onda de notícias falsas e distorcidas sobre as vacinas contra COVID-19 foram disseminadas nas redes sociais. A  vacina CoronaVac, que já teve mais de 62,8 milhões de doses fabricadas pelo Instituto Butantã, foi uma das mais atacadas. Especialmente após uma versão manipulada da entrevista concedida pelo diretor médico de pesquisa do instituto, Ricardo Palacios, à CNN Brasil viralizar na internet.

“É lamentável que os negacionistas tenham um acesso tão grande às redes sociais. É claro que as redes sociais são uma conquista fantástica da nossa sociedade, mas elas nem sempre são usadas para o bem comum”, comenta Celso Granato sobre as diversas fake news a respeito da vacinação. 

O pesquisador também enfatiza que muito do conhecimento empregado no desenvolvimento das vacinas contra COVID-19 é resultado de quase duas décadas de estudo do vírus SARS-CoV-1. “De 2002, quando foi descoberto o primeiro SARS, até 2019 quando ainda não conhecíamos o SARS-CoV-2, tivemos centenas de trabalhos publicados sobre vacina contra SARS-CoV-1. Nós tivemos mais ou menos 17 anos de pesquisa com um vírus que é primo do novo coronavírus.”

Vacinas como um ato de solidariedade

Profissionais da saúde aplicam dose de reforço dos imunizantes contra COVID-19 em Salvador-BA [Foto: Jefferson Peixoto / Secom]

O debate sobre a terceira dose das vacinas contra COVID-19 é global e não diz a respeito apenas às vacinas fabricadas a partir do vírus inativo. O governo dos Estados Unidos, que utilizam imunizantes da Pfizer, Janssen e Moderna, já se declararam favoráveis ao uso da dose de reforço para toda a população. 

A Organização Mundial da Saúde é crítica a esse tipo de decisão. O diretor-geral da instituição, Tedros Adhanom Ghebreyesus, se declarou contra o uso generalizado das doses de reforço para pessoas saudáveis que já estejam completamente vacinadas. No último dia 8, ele afirmou que “não ficarei calado enquanto as empresas e os países que controlam o fornecimento mundial de vacinas pensam que os pobres do mundo devem se contentar com os restos”.

Para Celso, o posicionamento da OMS é plenamente justificável. O pesquisador afirma que a situação envolve duas dimensões importantes, sendo a primeira delas a ética. “Não podemos permitir que nenhum ser humano tenha menos chance de ter acesso a vacina do que nenhum outro. Isso não é eticamente aceitável.”

Além disso, existem questões práticas envolvendo o déficit de pessoas vacinadas nos países menos desenvolvidos: “Existe um risco muito concreto. Porque na medida em que você não vacina as pessoas, você pode ter o desenvolvimento de outras variantes, que futuramente irão afetar todo o mundo.”