Uma universidade plural te apavora?

Fala de professor no Conselho Universitário da USP evidencia a mentalidade retrógrada que ainda paira sobre a Universidade

 

 

por Mara Matos

Arte: Maria Clara Abaurre


Uma das pautas da última reunião do Conselho Universitário da Universidade de São Paulo, que aconteceu no dia 24 de agosto, foi o retorno das aulas presenciais, a pedido dos representantes discentes.  Foi aberta a discussão, portanto, e professores e alunos expuseram seus posicionamentos, a maioria contrários ao retorno, neste momento e da forma como se daria. 

Após a fala de uma aluna da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, diretora geral do Centro Acadêmico XI de Agosto e representante discente no Conselho, Letícia Lé, um professor da Faculdade de Odontologia de Bauru, sem perceber que estava com o microfone aberto, disse que a pluralidade da USP às vezes é prejudicial.

A aluna falava sobre como o retorno presencial seria problemático para os trabalhadores da USP e alunos mais vulneráveis que teriam que gastar muito tempo no transporte público. “O tema sobre o qual eu estava falando era completamente desconectado da fala dele, o que nos leva a entender que o que ele disse não foi sobre o que estávamos falando, mas sobre quem estava falando”, afirma Letícia Lé. 

Letícia é uma das poucas alunas negras que compõem o Conselho Universitário e faz parte da primeira turma de cotistas da Faculdade de Direito. “A USP foi a última grande universidade pública do Brasil a aderir às cotas étnico-raciais, o que já mostra que não havia uma predisposição de acolhimento à diversidade”, avalia a estudante. 

Para a também estudante da Faculdade de Direito da USP e representante discente no Conselho, Letícia Chagas, “a despeito de hoje a reitoria e vários outros órgãos da Universidade celebrarem a política de cotas, na prática discutir sobre a diversidade é muito mais do que simplesmente instituir essa política” e, portanto, o acolhimento à diversidade por parte da USP seria questionável. 

“A gente precisa pensar sobre formas de produção de ciência, as linhas de pesquisa de que se utiliza, por exemplo; sobre quantos professores negros existem na Universidade. Acolher diversidade envolve uma série de nuances que a USP ainda está muito longe de discutir efetivamente, e o Conselho Universitário é uma prova disso”, propõe Chagas. 

Com o avanço das cotas, o perfil da USP tem se modificado, como afirma Letícia Lé. Mas, a conquista de espaço de acolhimento segue a passos lentos e graças à muita luta. Infelizmente, talvez a fala do professor reflita a mentalidade de muitos que fazem parte da Universidade e que não admitem essa nova realidade. 

Se o questionamento sobre acolhimento à diversidade na USP se amplia para iniciativas de acolhimento de outros grupos vulneráveis, vê-se o quão pouco ainda foi feito. Mesmo com a evolução dos últimos anos, não há, por exemplo, vestibular indígena, como já existe em outras grandes universidades, como Unicamp e a Universidade Federal de São Carlos. E o que se faz pelos integrantes de uma das maiores universidades da América Latina após o ingresso nessa? É suficiente? 

“A luta por novos espaços e por colocar as nossas perspectivas, que por tanto tempo foram negadas dentro da USP, faz com que essas pessoas se vejam ameaçadas. Mas, o nosso recado é que a gente não pretende parar”,  diz Letícia Chagas.