Apagão das redes: a queda do WhatsApp, Facebook e Instagram

Queda dos aplicativos expõem vulnerabilidade da imagem pública de Zuckerberg e suas plataformas. Entenda mais sobre a queda do dia 4 de outubro e seus impactos.

 

 

por Filipe Albessu Narciso Isabella Marin

Foto: Isabella Marin / Edição: Filipe Albessu Narciso

Um relatório publicado em outubro de 2021, feito pela agência We Are Social em conjunto com o sistema Hootsuite, apresentou que 4,55 bilhões de pessoas são usuárias de alguma rede social. Outro relatório, publicado em julho pela Facebook Inc, mostrou que mais de 2,7 bilhões de pessoas utilizavam alguma das redes sociais da empresa diariamente. Esse valor equivale a, em média, 60% do total dos usuários de redes sociais e 30% da humanidade. Por isso, no dia 4 de outubro de 2021, a queda das plataformas Whatsapp, Facebook e Instagram por algumas horas impressionou o mundo.

Em um comunicado oficial, o Facebook se desculpou aos seus usuários pela instabilidade e esclareceu que a situação ocorreu devido a problemas técnicos. Eles aconteceram em decorrência de mudanças de configurações que fizeram com que os centros de dados da empresa ficassem sem comunicação. O comunicado também assegura que o evento não foi ocasionado por atividades criminosas ou maliciosas e que não existem evidências de que dados de usuários foram comprometidos durante o período de instabilidade.

Entretanto, mesmo que a queda das plataformas seja uma anomalia rara no contexto de dominação das redes sociais da Facebook Inc, o ocorrido foi apenas mais um ataque à imagem pública da empresa no mês de outubro. Há semanas que a empresa enfrenta denúncias levantadas pela ex-funcionária Frances Haugen que expõem questões antiéticas e gananciosas cometidas pelo Facebook. 

Dentre as evidências expostas por Haugen através de papéis oficiais, estão especialmente as de que a empresa está ciente dos malefícios causados à sociedade por seus algoritmos que são capazes de promover dependência, discórdia ao custo de vidas e incentivar aproximadamente 13% dos adolescentes a condições psicológicas tão degradantes que promovem o suicídio e a anorexia.   

Recentemente, Mark Zuckerberg anunciou uma completa transformação na criação que revolucionou as redes sociais: o Facebook irá se tornar um novo projeto, denominado Meta. A transformação, que deve apostar em combinar a rede social com realidade aumentada e virtual, vem em um dos momentos mais críticos da imagem de Zuckerberg e do Facebook. Cria-se, portanto, uma dúvida quanto a ambição do projeto em contraponto ao momento presente da opinião pública contra a empresa.

Em seu novo objetivo de levar a concepção de rede social a um outro nível, é necessário pensar criticamente a abrangência da dominação de Zuckerberg no mercado da comunicação hoje. Após a instabilidade de horas em suas plataformas, a relevância política e socioeconômica das três redes esteve novamente à tona no debate público.

O que aconteceu no dia quatro de outubro?

As redes sociais Whatsapp, Facebook e Instagram pararam de funcionar por volta das 12h45 no horário de Brasília, impactando 2,8 bilhões de pessoas. Habituados ao cotidiano com o pleno funcionamento de ao menos uma ou duas das redes sociais mencionadas, a queda dessas plataformas causou sentimentos de ansiedade e frustração em alguns indivíduos, enquanto teorias da conspiração e outras suposições equivocadas eram compartilhadas em outras redes, como o Twitter.

Foto: Gustavo Molina/FreeImages

Após quase seis horas sem funcionar, as redes finalmente voltaram à ativa ao fim da tarde. Entretanto, os estragos já haviam sido feitos, sendo difícil mensurar o tamanho do impacto econômico do evento. Microempreendedores, empresas que baseiam algumas de suas comunicações pelas redes e serviços generalizados tiveram sua comunicação com o público cortada durante o dia. 

A razão por trás desse apagão, de maneira simplificada, está no fato de os sistemas do Facebook ficarem sem comunicação com a internet como um todo. A explicação técnica do “efeito cascata” apresentada pelo Facebook em seu comunicado oficial pode ser explicada a partir da ideia de que, por alguma mudança em uma configuração específica, todos os centros de dados da empresa de repente não tinham mais conexão à internet. O Facebook também é, muitas vezes, utilizado como meio de acesso a outros aplicativos e websites, fazendo com que seu não funcionamento impactasse outras atividades da internet.

Com essa desconexão, o sistema autônomo dos domínios do Facebook se tornou inacessível por não prover mais informações para o sistema que permitia essas plataformas funcionarem. Os impactos não chegaram apenas para os usuários: os próprios funcionários do Facebook passaram por turbulência durante o apagão, tendo ferramentas, calendários e sistemas internos inativos durante o dia e, em uma situação mais drástica, sendo incapazes de fisicamente acessarem uma unidade do Facebook a fim de resolverem o problema. A situação ocorreu em decorrência dos crachás digitais dos funcionários também pararem de funcionar, o que atrasou a solução da queda das plataformas.

Em entrevista, Anna Bentes, pesquisadora e doutoranda em Comunicação e Cultura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), comentou que um dos riscos desse monopólio recai sobre os negócios e trabalhos de pequenos e micro empreendedores. De acordo com a pesquisadora, as pessoas não vêem outras alternativas para lidar com seu negócio e isso afeta diretamente as nossas vidas quando esses serviços saem do ar. 

Basta analisar a pesquisa realizada pelo Sebrae, no ano de 2018, para entender seu impacto: o levantamento apontou que 70% de pequenos e micro empreendedores utilizavam o WhatsApp como ferramenta de gestão de seu negócio

Bentes também comentou que uma das dificuldades desse monopólio das plataformas digitais é que não há, muitas vezes, uma restrição na cobrança do serviço. Utilizamos esses aplicativos e os integramos em nossas vidas e negócios de modo que, quando pensamos em sair ou mudar esses serviços, cria-se uma enorme dificuldade. Ainda que as condições de uso se alterem, como preços ou regulações, continuamos a fazer uso porque é a forma que já está inteiramente dentro de nosso sistema e nossa realidade.

Essa dependência não acontece apenas no campo dos pequenos negócios. A mestre em Comunicação e Consumo pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e doutoranda em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC (UFABC), Eliana Loureiro, sentiu na pele como a queda das plataformas atrapalhou seu trabalho. Ela tinha que ministrar uma oficina em um congresso e a comunicação estava sendo feita totalmente por WhatsApp até que ficou fora do ar. “Eu realmente experienciei problemas técnicos nesse dia durante minha apresentação e me senti perdida sem ter o WhatsApp para entrar em contato e pedir ajuda”, explica. 

Para contornar o problema, muitas pessoas recorreram ao aplicativo Telegram na tarde de 4 de outubro. Enquanto isso, outras tentaram fazer contatos por outros meios, como trocar e-mails com equipes e ligação. Há ainda alguns grupos que celebraram a queda das plataformas e se sentiram aliviados. 

Durante esse tempo, o Twitter foi o foco de uma grande parcela de pessoas. Os memes, figuras cômicas que rondam e viralizam na internet, tomaram a plataforma e até a própria companhia do Twitter ironizou a situação.

Imagem: Reprodução/Twitter

O Twitter também foi a plataforma que o Facebook procurou para informar a situação. Em um primeiro tweet, a conta oficial da rede social relatou que já estava ciente do problema e pediu desculpas aos seus usuários. Em um segundo comentário, horas depois, a conta aparece celebrando a volta de seus sistemas e agradece as pessoas “por aguentar”.

 

 

Imagem: Reprodução/Twitter

Dependência emocional 

Após essa ocorrência, fica cada vez mais nítida a dependência existente entre usuários e plataformas. Além do evidente impacto nos negócios, há também muitas pessoas que ficaram desesperadas sem o acesso às redes sociais da Facebook Inc, em contraste com aqueles que se sentiram aliviados. 

A pesquisadora Anna Bentes comenta que esse comportamento é ocasionado pelo tempo e enganchamento que essas tecnologias demandam dos usuários diariamente. “Hoje eles requisitam a nossa atividade, não é algo passivo de só ligar e consumir. Precisamos estar ativos, comentando, interagindo. Isso demanda nossa atenção e comportamento e acaba desviando nossa atenção de outras coisas, como trabalho, família, amigos, entre outros”, explica Bentes. 

Esse “enganchamento”, como é chamado, são formas que as tecnologias utilizam em suas interfaces para manter as pessoas conectadas. Loureiro expõe que esses mecanismos interagem com a psicologia e utilizam de estímulos emocionais para capturar a atenção e fazer com que os usuários queiram estar cada vez mais presentes em suas redes sociais. 

Um dos exemplos que a doutoranda elenca é o botão de ‘refresh’ das redes sociais, que é similar às máquinas de caça-níqueis, em que você puxa a alavanca e é recompensado. Ao atualizar o feed, o usuário tem acesso imediato a mais conteúdos que são de seu interesse e isso causa uma sensação de recompensa instantânea.

Outros meios utilizados são mecanismos que desencadeiam uma experiência satisfatória e formam vínculos emocionais. É possível notar essa tática sendo utilizada com aplicativos como Uber e Ifood. “Por exemplo, você vai utilizar o aplicativo de transporte. O que você quer? Encontrar um carro. O primeiro ganho emocional que você tem é aquele ‘estamos procurando um carro para você’ e mostra a ilustração de diversos carros”, explica Loureiro.  

As notificações também representam interações que exploram o emocional do usuário. O som e a notificação de cor vermelha característicos de uma nova atualização geram uma ansiedade para conferir o que existe de mais recente na rede. O usuário já criou o costume de verificar a todo momento suas notificações e sabe que quando irá verificar a mensagem, será recompensado com um novo conteúdo. 

Assim, a partir de um momento, o usuário fica constantemente à procura dessas recompensas e desses prazeres instantâneos que as redes sociais entregam. Porém, no dia quatro de outubro, esses mesmos usuários passaram horas sem essa atividade corriqueira. 

Bentes relata que uma amiga comentou que ficava entrando nos aplicativos que saíram do ar para ver se já tinham voltado, inconscientemente e repetidas vezes. Segundo a pesquisadora, “esse movimento repetitivo, automático, inconsciente com o próprio corpo, é uma ação motora e vem muito de como as redes sociais estimulam o nosso comportamento: a ideia de reforçar, recondicionar e recompensar comportamentos que vão formando hábitos. A fronteira entre vício e hábito são tênues, mas cria exatamente esse comportamento automático. Fica algo obsessivo”, expõe.

Esse condicionamento do comportamento e suas consequências ficam mais evidentes quando a tecnologia falha, e aparecem relatos semelhantes ao da colega de Bentes. Entretanto, ainda que seja importante reconhecer todos seus impactos sobre o usuário, Loureiro comenta que é necessário ter cuidado: “Frente a isso, não temos que ser tomados por um tecnodeterminismo, de que somos manipulados e não há o que fazer sobre isso, mas também não podemos fechar os nossos olhos para a influência que sofremos”, conclui.

Os impactos de um monopólio de comunicação

Arthur Igreja enfatiza a influência da Facebook Inc no mundo contemporâneo: “o impacto e a dominância [das redes da Facebook] são gigantescos e vão muito além da compreensão das pessoas”. Hoje, ele explica, a empresa é baseada em um modelo de negócio que se alimenta de dados dos usuários, fazendo com que as pessoas “trabalhem para os algoritmos” e criando um “monstro” que se calibra a cada momento de uso. “Isso torna quase impossível a existência de um concorrente”, explica o professor.

A comunicadora Anna Bentes apresentou uma das formas com que esse algoritmo é alimentado através de todas as redes da empresa. “Quando você adiciona alguém no WhatsApp, aparece a pessoa para ser adicionada no Facebook como as ‘sugestões’ de novos amigos”. Esse cruzamento de informações explicita o grande volume de dados pessoais que são compartilhados a uma única empresa. 

A partir do histórico de interação do usuário, o Facebook cria, conforme as denúncias de Frances Haugen, uma bolha virtual capaz de suscitar fortes emoções em seus usuários, desconsiderando seus impactos no bem estar da sociedade e do bem estar psicológico de seus indivíduos.

Outra denúncia que atinge o Facebook e suas plataformas a anos é sua suscetibilidade a disseminação de fake news. “É preciso lembrar que também se ganha dinheiro com fake news”, aponta Bentes. Polêmicas como a famosa Cambridge Analytica expõem como essas ferramentas podem ser importantes fatores para o jogo político mundial. “Muitas empresas acabam financiando sites que disseminam não só desinformação, mas discurso de ódio”, adverte a pesquisadora.

Portanto, a empresa Facebook Inc, que agora tenta transformar sua imagem superficialmente ao mudar seu nome para Meta, detém um poder de comunicação gigantesco, ainda que desconsidere o bem estar de seus usuários e seja vulnerável a problemas técnicos. 

Essa dependência da empresa é especialmente problemática em alguns países, como os que fazem parte do sudeste asiático, da África ou até mesmo na populosa Índia, em que o Facebook é visto como um sinônimo da palavra internet. Mas até mesmo na realidade brasileira, estimativas mostram que, em Janeiro de 2021, cerca de 150 milhões de brasileiros utilizavam o Facebook, enquanto as outras redes da empresa possuem, em média, 95 a 100 milhões de usuários.

Porém, de acordo com Loureiro, ainda que o Facebook caísse de vez, as pessoas buscariam outras formas de comunicação. Da mesma forma que aconteceu durante a queda das plataformas, os usuários encontrariam outras maneiras de estabelecer comunicação, seja pelo aplicativo Telegram ou por outros meios tão abrangentes quanto os aplicativos criados por Mark Zuckerberg.