Hora de interligar pensamentos a movimentos

 

por Matheus Nascimento

 

Foto: Reprodução/Facebook Labcidade Fauusp

 

O ano de 2020 foi marcado por muitos fatores impactantes. Um dos sentimentos mais espalhados pela sociedade foi a desesperança e a invisibilidade cada vez mais cruel de classes sociais baixas. Porém, uma mulher jovem, que havia sido estudante de mestrado da FAU-USP, chamada Marina Harkot, exalava a esperança de uma São Paulo ainda mais conectada, prevenida dos impactos da desigualdade e que fosse acessível. Mesmo após sua morte em 2020, seus ideais nunca apagaram durante esses meses e é chegada a hora de fazermos um esclarecimento amplo dos temas tratados por ela nas suas pesquisas.

Pedale como Marina

Foram 28 anos de muitas pedaladas, aventuras e risadas. Até que um acontecimento brutal interrompe mais uma vida sonhadora. Em oito de novembro deste ano, a morte dessa menina — que tinha a força que é própria de mulher — completa um ano, e ela nos lembra mais uma vez da importância da valorização da vida e combate às inconsequências. Pois foi assim que o movimento que reuniu as homenagens a ela e algumas outras reivindicações surgiram: a enfatização do nome de Marina e a lembrança da sua eterna presença.

Mas, e a Universidade? Quantas relações e pontes Marina construiu na USP? Com certeza foram inúmeras. Sua morte, por atropelamento no ano passado, foi muito sentida. Dentre as inúmeras homenagens espalhadas por todo país, a FEA-USP se destacou por criar uma banca especialmente para enfatizar a trajetória de Marina. Recentemente, alguns amigos criaram uma conta no Instagram @pedalecomomarina.

Marina fazia parte de um recorte bem específico de mulheres ciclistas, pois a partir da perspectiva feminina soube utilizar ferramentas adequadas para os estudos em campo na cidade. Foto: Reprodução/Facebook Labcidade Fauusp

 

E aqui estamos, após esse tempo acelerado não se cansar de passar, para relembrar as contribuições dela e também comunicar que a Universidade traz um esperado benefício à comunidade que permanentemente é usuária da Cuaso (Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira): teremos uma mudança radical na infraestrutura de mobilidade nas vias públicas.

Carol La Terza, atualmente assessora de projetos na ONG Rede Nossa São Paulo , foi uma das participantes mais engajadas para colocar esse plano no papel quando ainda se graduava em Arquitetura e Urbanismo na USP. Um fator colaborador foi que na época ela era funcionária da consultoria contratada para analisar a viabilidade de alterações de rotas e principalmente a ampliação da malha cicloviária no Campus.

“Nós fomos muito amigas. Nos conhecemos em 2015, pouco depois que eu me formei na USP. Quando ela terminou a graduação, provavelmente em 2016, me lembro que ela entrou quase que sequencialmente na pesquisa de mestrado. Ela mesmo brincava que queria ser o próprio objeto de estudo nessa pesquisa porque queria se aprofundar na questão de gênero e o uso de bicicleta na própria cidade de São Paulo“, comenta em entrevista ao JC sobre Marina, uma de suas maiores amizades dentro da Universidade desde o término da graduação.

Preparem-se para mudanças na nova rede cicloviária

O principal benefício do plano cicloviário é que sairá das mãos de pessoas especialistas para proporcionar essa maior integração do espaço do Campus. Irá trazer mais segurança, não só para quem está de bicicleta, mas também para quem é pedestre e principalmente para os motoristas. Segundo Carol, ele foi pensado para todo esse conjunto, trazendo a relevância da questão da segurança na circulação de pessoas e ciclistas. Para isso, medidas como redução dos limites de velocidade de vias no Campus, melhorias de pontos de passagem de pedestres deverão ser reforçadas até o início de 2022.

Foto:  Reprodução/Freepik

 

Marina Harkot fazia parte do LabCidade (Laboratório de Espaço Público e Direito à Cidade) na FAU, e do GT Gênero, o grupo de trabalho criado através de iniciativas dela na Ciclocidade, a Associação de Ciclistas Urbanos da cidade de São Paulo. De acordo com Carol, esse jeito específico com que ela levava a vida, nunca deixando de lado essa apaixonante relação com a bicicleta, revela conclusões interessantes se houvesse uma comparação com muitos dos dados trazidos em suas pesquisas.

A Pusp-C (Prefeitura do Campus da Capital) ao divulgar as informações centrais para os inícios das atividades de implantação do novo sistema cicloviário revelou que além de abranger mais vias o plano também irá reforçar medidas que contribuam para a acessibilidade universal dos usuários.

Avanço de mentalidade para o bem da mobilidade

O projeto que é atualmente divulgado nas mídias oficiais da USP teve em grande parte a colaboração de Carol La Terza. “Na época do projeto fui eu que participei e coordenei a elaboração desses desenhos. Hoje, trabalho na Rede Nossa São Paulo, uma organização que trabalha com outros temas além de mobilidade”, lembrou.

Não existe dúvida alguma que grande maioria dos usuários de bicicletas e motocicletas são as pessoas mais expostas no trânsito, assim como os pedestres, sendo elas as mais presentes nos números de óbitos. Yuri Vasquez, coordenador de projetos na Ciclocidade, historiador, cicloativista e graças a Marina um amante do ciclismo urbano e da cidade de São Paulo, observou de perto as principais atuações na associação e suas principais ligações relacionadas à pesquisa na universidade.

“Em 2015, ficamos hospedados numa casa em Antiqua, um bairro de Medellín, na Colômbia. Lá nós nos conhecemos e passamos pela maioria das atividades desse Quarto Fórum Mundial da Bicicleta. Para todos nós também foi um marco, onde as coisas relacionadas à paixão pela mobilidade sobre duas rodas começaram a acontecer”, comentou sobre uma de tantas viagens a trabalho de Marina e que na verdade se tornaram grandes diversões.

O caso Marina Harkot teve grande visibilidade na mídia, e isso normalmente ocorre quando os acidentes de trânsito envolvendo ciclistas ganham repercussão por questões identitárias. Foto: Reprodução/Pixabay

 

A consciência no trânsito

O Campus de São Paulo exige atuações de fiscalização de trânsito assim como na cidade de São Paulo. São milhares de pedestres usuários, circulação de muitas linhas municipais de transporte público e principalmente de motoristas com seus automóveis particulares.

Os alunos, servidores e professores que estão cotidianamente no Campus há bastante tempo percebem as medidas adotadas no trânsito. Porém, nos primeiros meses de 2021, alguns dados da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego) confirmaram que só o número de acidentes graves envolvendo ciclistas no Brasil subiram cerca de 30% em comparação ao mesmo período de 2020. Outros dados publicados por essa mesma associação revelam que o Estado de São Paulo teve uma variação de 23% no número de acidentes com vítimas ciclistas traumatizadas no trânsito.

Arte: Iasmin Cardoso/JC

 

Na Cidade Universitária, poderiam ser registrados casos somente a partir de 2015, quando finalmente foi implantada a primeira faixa exclusiva de ônibus e a primeira ciclofaixa na Avenida da Universidade e Lineu Prestes, com início na Portaria 1. Também no mesmo ano, a repórter Júlia Moura escreve para o JC sobre a imprudência de motoristas no Campus e os impasses entre Pusp-C e CET (Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo). Clique aqui para acessá-la.

Isso enfatiza a urgência de atenção que o novo modelo de ciclista exige, e, que esse novo plano será uma abertura importante ao diálogo com praticantes ou não de ciclismo urbano em São Paulo. “A entrada da Marina na Ciclocidade ocorre de uma forma super pró ativa, propositiva e ao mesmo tempo impactante no cicloativismo do Brasil inteiro”, disse Yuri.