As chances e riscos da realização do Carnaval 2022

Será que, pelo segundo ano consecutivo, as festividades terão de ser canceladas para continuar evitando a disseminação do novo Coronavírus?

 

por Rebeca Alencar

Arte: Ana Paula Alves


Após dois anos em isolamento social para conter a disseminação do Covid-19, as campanhas de vacinação estão dando resultados cada vez mais positivos. As UTIs finalmente começaram a serem esvaziadas, e o brasileiro está sentindo o gostinho da sua vida voltando ao normal. Hoje, idas ao cinema, pequenas reuniões com os amigos e shows não são considerados tão prejudiciais quanto antes da chegada da vacina… mas e o Carnaval?

As festividades típicas da época foram canceladas em todo o país no ano de 2021. Não houveram desfiles de escolas de samba, bloquinhos de rua, trios elétricos, e a ausência dessas aglomerações fez falta tanto para a diversão dos cidadãos, quanto para a economia do país, visto que esse feriado atrai um grande fluxo de turismo. Essa decisão foi necessária pelo bem da saúde coletiva, mas daqui alguns meses, ao fim de fevereiro de 2022, será que ela ainda será vigente?

E se o Carnaval de 2020 não tivesse acontecido?

O novo Coronavírus começou a dar seus primeiros sinais de alerta em dezembro de 2019, quando foi responsável por uma epidemia em Wuhan, na China. Esse quadro, no entanto, não ficou restrito apenas ao país asiático, pois foi se expandindo ao território europeu, norte-americano, até chegar na América do Sul.

Embora toda a atenção dos noticiários estivesse voltada para o avanço do vírus, o Brasil seguia sua vida normal. Contudo, ninguém imaginava que fevereiro de 2020 seria o último mês de tranquilidade por um bom tempo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a evolução do cenário para uma pandemia mundial no dia 11 de março, e no dia seguinte, mesmo após Luis Henrique Mandetta, o então ministro da saúde, declarar que nada mudaria para os brasileiros, o Ministério regulamentou as medidas de isolamento social válidas para o país.

Por outro lado, é importante ressaltar que o primeiro caso de Covid-19 confirmado no Brasil foi registrado em 26 de fevereiro de 2020, um dia após o fim do Carnaval daquele ano. Devido a isso, muito se discute sobre a necessidade de ter cancelado aquela temporada de festas para que a situação trágica da saúde pública não evoluísse para o que está hoje, com mais de 600 mil mortes.

Carnaval de 2020 em Olinda, Pernambuco. Foto: Arquimedes Santos


A respeito disso, a Professora Dra. Marta Heloísa Lopes, do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP, afirma que essa não era uma decisão tão simples. “No início de 2020 ainda não era muito clara a situação e dimensão da infecção pelo novo Coronavírus. As autoridades não tinham ainda, no período que antecedeu o Carnaval, muitos elementos para cancelarem os festejos”, explica.

Mas ele pode acontecer em 2022?

Não somente os amantes dos desfiles e bloquinhos sentem falta das grandes festas. Os comerciantes e outros profissionais que dependem desses eventos para garantir o próprio sustento e o da família são os que mais estão apreensivos com a suspensão por mais um ano. No entanto, a professora é clara: “Atualmente o mundo todo ainda não tem certeza de estar em condições para ter eventos com aglomeração de pessoas, com segurança. Isto inclui o Brasil”.

O cancelamento do Carnaval 2022 já foi decretado em mais de 70 cidades paulistas, todas elas do interior. Contudo, em Belo Horizonte as autoridades apenas retiraram os patrocínios, permitindo que os grupos e blocos que quisessem realizar eventos fizessem isso de forma independente. Seja com verba própria ou de maneira clandestina, é fato que, infelizmente, não há como impedir de forma integral que essas festas aconteçam. Mas quais são as consequências da negligência e falta de controle?

Dra. Marta afirma que é difícil prever resultados concretos desse cenário, mas a decisão mais prudente é continuar evitando aglomerações e manter o uso de máscaras, uma vez que a transmissão mais efetiva do Sars-COV-2 é por vias respiratórias. “Pessoas aglomeradas, cantando, sem máscara, como acontece nos festejos de Carnaval, caracteriza uma situação de alto risco para a disseminação do vírus”, completa.

Ainda sobre a realização desses eventos em meio à situação atual da pandemia no Brasil, a professora aponta qualquer atividade de aglomeração possui riscos de disseminação do vírus, mas viagens de turismo apresentam-no em menor escala quando comparadas às festas tradicionais, enquanto festas particulares têm esse dado ainda menor, tendo em vista o envolvimento de menor quantidade de pessoas. Porém, independente do cenário, qualquer uma das alternativas não está isenta dos perigoss de contaminação.

“As viagens têm que ser planejadas e realizadas respeitando com muito rigor as medidas sanitárias de contenção do vírus: com vacinação em dia, com testes para detecção do vírus negativos, mostrando que aquele viajante não está infectado, com o uso de máscaras, higienização frequente das mãos e mantendo o distanciamento social”, completa.

Vale ressaltar, ainda, que os cuidados devem ser tomados não somente com o vírus comum, mas principalmente, com as suas variantes. A ômicron, nova variação do Covid-19, se mostrou motivo de grande preocupação para o mundo, uma vez que se propaga com mais facilidade e dados a respeito da eficácia das vacinas disponíveis em cima de sua contaminação ainda são escassos. A nova cepa, também conhecida como B.1.1.529 foi identificada no dia 23 de novembro na África do Sul, e hoje já soma mais de dez casos confirmados no Brasil.


Imagem microscópica da nova variante. Foto: Faculdade de Medicina da Universidade de Hong Kong


Em vista disso, para Dra. Marta, é fundamental manter as medidas de segurança já conhecidas enquanto não se tem mais informações a respeito da atuação e riscos dessa variante. Segundo ela, a ciência ainda não possui dados para embasar condutas mais restritivas, mas é necessário se atentar às novas informações para que, se for preciso, os cuidados sejam intensificados.

Como aproveitar grandes festas sem afetar a saúde coletiva?

Ainda faltam alguns meses para a próxima temporada de Carnaval, mas Natal e Ano Novo estão a poucos dias de acontecer. Os eventos de final de ano também atraem grandes aglomerações e demandam a organização de comemorações públicas pelas autoridades, que foram canceladas em boa parte do país. Frente a isso, como festejar o encerramento de 2021 priorizando a saúde de todos?

A professora, mais uma vez, retoma a importância dos cuidados básicos com o vírus. “Fica parecendo repetitivo, mas é o que tem sido recomendado desde o início da pandemia: uso de máscaras, higienização frequente das mãos, distanciamento social e vacinação”, responde, indicando a organização de festas com poucas pessoas, se possível, do mesmo núcleo de convivência.

Por fim, mesmo que a quantidade de pessoas totalmente vacinadas já ultrapasse os 60% da população brasileira, Dra. Marta ressalta um fato primordial para todo esse cenário: a vacina não protege contra a infecção, ou seja, é possível adquirir o vírus, não desenvolver doença grave, mas contaminar outra pessoa que, por sua vez, sem a imunização ou sem a sua resposta ideal, pode sofrer as consequências mais críticas do vírus e até vir a óbito. 

“Pessoas com câncer, que tomam remédios que comprometem a resposta imunológica, idosos, entre outros, podem não conseguir desenvolver adequada resposta imune à vacina. Portanto, mesmo as pessoas vacinadas precisam manter todos os cuidados recomendados, para não serem fonte de infecção para outras pessoas”, conclui.