Coletivo Autista auxilia na permanência de estudantes neurodivergentes dentro da USP

Fundado em 2021, o CAUSP promove acolhimento e formação para alunos diagnosticados com TEA

 

 

por Pedro Ferreira

Arte: Pedro Ferreira/Imagem: CAUSP

 

Ao se pensar em políticas de permanência estudantil dentro da Universidade de São Paulo, o quanto se fala sobre estudantes neurodivergentes? Em meio à maior conscientização sobre o capacitismo, houve uma crescente formação de coletivos de acolhimento e ativismo pela garantia dos direitos dessas pessoas dentro do espaço universitário. Essas iniciativas acompanham o movimento dos últimos anos que coloca em pauta as questões de pessoas com deficiência no Brasil e a necessidade de seu protagonismo nas discussões que envolvem o tema. No caso de pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), a ruptura com estereótipos consolidados socialmente e a luta por inclusão e permanência de autistas no meio acadêmico são algumas das reivindicações. 

Segundo o último Censo de Educação Superior, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em 2019, as universidades brasileiras contavam com 48.520 estudantes com algum tipo de deficiência. Entre eles, cerca de 2.000 estavam dentro do espectro autista, número que representa 0,02% do total de matriculados. Porém o número pode não representar totalmente o cenário real devido às dificuldades que envolvem o diagnóstico de TEA no Brasil.

Diante da falta de políticas de apoio aos alunos autistas, os coletivos estudantis tornam-se importantes grupos de formação política, apoio à permanência e conscientização da comunidade universitária. 

Diversidade no espectro

O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dois núcleos de sintomas: déficits na comunicação e na interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades. Com relação à socialização, as características mais comuns de serem observadas são a dificuldade em iniciar ou manter conversas e relacionamentos e déficits no entendimento e uso de comunicação não-verbal. Quanto aos padrões restritos e repetitivos, nota-se o engajamento em estereotipias (movimentos repetitivos), ecolalia (repetição de sons, palavras ou frases), adesão inflexível a rotinas e rituais pessoais, dificuldade em lidar com mudanças, hiperfoco em assuntos ou atividades de interesse e hipo ou hipersensibilidade de um ou mais sentidos.

Com a nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID 11), que se tornou vigente no Brasil em 1º de janeiro de 2022, o TEA passou a ter especificações mais completas, como se há ou não presença de deficiência intelectual e se há ausência ou prejuízo moderado, leve ou ausente de linguagem funcional. O autismo é considerado um transtorno espectro pois, apesar de terem o mesmo diagnóstico, cada indivíduo é único e pode apresentar diferentes características em diferentes níveis.

Gian Jardim Martinovic, estudante de Letras e fundador do Coletivo Autista da USP, conta que enfrenta dificuldades durante as aulas, como realizar trabalhos em grupo, apresentar seminários na frente da sala e fazer provas com um limite de tempo, além da interação social. “Eu sou muito tímido e tenho fobia social, então tinha dificuldade para fazer amigos. Conheci somente três pessoas autistas durante o ensino presencial, fiz mais amizades durante o ensino remoto. Eu acho mais fácil começar conversas online e somente depois conhecer pessoalmente.”

Permanência dentro da USP

Criado em 12 de maio de 2021, o CAUSP foi o primeiro coletivo autista universitário do Brasil e tornou-se um espaço de acolhimento e apoio para estudantes da universidade que estão dentro do espectro. Além da organização de eventos do coletivo e de postagens informativas nas mídias sociais, a organização oferece tutorias de diversas disciplinas e mentorias de carreira para o mercado de trabalho e o meio acadêmico, assim como planos de estudo. Atualmente essas atividades são oferecidas virtualmente.

Gian conta que o coletivo é um espaço receptivo não só para autistas já diagnosticados, como também pessoas que estão em processo de investigação dessa hipótese. “Muitas pessoas entram no CAUSP somente com o autodiagnóstico ou em processo de diagnóstico. Nós trocamos dicas sobre como conseguir o diagnóstico tardio, por exemplo”, afirma. Para ele, a rede de apoio formada pelos membros do grupo é uma grande facilitadora para o autoconhecimento e a integração de autistas na comunidade universitária. “Percebi que as pessoas se sentem menos sozinhas quando fazem parte de um grupo com mais de setenta pessoas, como é o caso do nosso. Muitas amizades foram formadas, e alguns relacionamentos românticos também.”

Esse contato com outros estudantes neurodivergentes também possibilita o treinamento das habilidades sociais e auxilia os alunos a se sentirem cada vez mais pertencentes à universidade. “Eu me sinto menos solitário. Se em 2019 você me dissesse que eu conheceria tantos estudantes autistas na USP e faria amigos, eu não acreditaria. Foi uma surpresa.”

A relevância do CAUSP foi reconhecida durante o 2º Prêmio Diversidade da Universidade de São Paulo, que ocorreu no dia 30 de junho de 2021, em que os membros conquistaram o primeiro lugar e ganharam um incentivo financeiro e mentorias. Depois do pioneirismo do grupo, outros institutos formaram coletivos autistas, como na Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Universidade Federal de Alagoas. Atualmente existem mais de 20 coletivos autistas no Brasil e um em Brisbane, Austrália, na Universidade Griffith.