“Quanto mais a gente dialogar, maior é a chance de acertar nas decisões”

Em entrevista ao JC, o novo reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Júnior, fala a respeito de seus planos, metas e desafios à frente da Reitoria

por Bruno Kristoffer, Guilherme Caldas e Patrick Fuentes

Fotos: Bruno Kristoffe/JC

Na quarta-feira (13), o Professor Doutor Carlos Gilberto Carlotti Júnior, novo reitor da USP, recebeu a equipe do JC para uma conversa a respeito dos planos da nova gestão, e os rumos a serem tomados pela Universidade sob seu comando.

Em uma conversa na sede da Reitoria, o novo mandatário explicitou suas principais metas, e afirmou a necessidade do diálogo entre a Reitoria e os alunos para o andamento da Universidade.

Confira a entrevista, em que o reitor falou sobre a volta das aulas presenciais, o desafio de comandar os campi da capital e do interior, e os planos para resolver as filas, e diversos outros novos e velhos problemas da USP.

Para começarmos, queríamos saber quais as principais propostas da nova gestão em relação  à Universidade e quais já foram alcançadas nesses primeiros meses? Quais os avanços e medidas que já estão em prática?

Para ser indicado a  reitor, você precisa apresentar uma proposta para comunidade. Então nós fizemos uma proposta bastante detalhada, e agora nós vamos ficar fiéis a essa proposta.

Em linhas gerais, um pouco resumido, nós temos ações voltadas ao público interno, ações voltadas para excelência da Universidade e ações voltadas à maior comunicação com o público externo. Portanto, empresas, governos, ONGs e a população em geral. 

Em relação ao público interno, o que nós estamos imaginando? Primeiro, uma valorização dos professores e dos servidores. Nós já fizemos um reajuste de 20,67% nos salários, a partir de março, desses dois grupos. Recompondo a inflação desde maio de 2019. 

Em relação aos alunos, servidores e professores nós vamos propor no próximo Conselho Universitário a criação de uma Pró-reitoria de inclusão e pertencimento, unificando várias ações que nós já temos e também ampliando algumas ações, como melhorias de valor de bolsa, o aumento do número de bolsas, para permanência estudantil. Tudo isso está no nosso radar, pois estamos levantando esses dados para excelência. Nós estamos trabalhando com as Pró-reitorias de Graduação, Pós-graduação e de Pesquisa e alguns programas que já estavam definidos lá na nossa proposta de gestão, mas que eles vão ser implementados. Por exemplo, nós já fizemos um edital para contratação de tutores para a recuperação do que ficou atrasado durante a pandemia. Assim os professores vão poder escolher ou um aluno de graduação ou de pós-graduação e pós-doutor para que durante esse ano aqui façam atividades que ficaram incompletas durante esse período de pandemia. Nós tivemos quatrocentos professores inscritos, 1.200 alunos inscritos e, nos próximos dias, nós vamos ter os resultados deste edital.

Obviamente tem outras ações de excelência. Estamos trabalhando bastante com a inovação e vamos propor no Conselho Universitário uma Pró-reitoria adjunta de inovação. Com isso queremos melhorar a chegada do conhecimento produzido na Universidade tanto para empresas, com a inovação tecnológica, como a implementação de políticas públicas também. Estamos investindo bastante. Ainda, ontem, fizemos uma grande reunião com 26 pesquisadores para nós trabalharmos no desenvolvimento sustentável. Nós vamos trabalhar com energia, água, resíduo sólido. Queremos um campus mais sustentável.

Em relação ao público externo nós estamos fazendo várias reuniões com todos os agentes importantes na sociedade, para que nós possamos aumentar a relação. Então, Alesp, Governo do Estado, poder judiciário, Tribunal de Contas do Estado, Ministério Público, o Fies também, para que nós possamos desenvolver políticas conjuntas que essas entidades e elas possam aproveitar o conhecimento que existe na USP, mas também aprendermos com eles. Então isso está andando e, assim, em linhas gerais,  esses três grandes grupos: preocupação com qualidade de vida interna, com a excelência da Universidade e melhor contato com os agentes externos na sociedade.

O senhor mencionou a questão do retorno da pandemia, e do prejuízo causado. Uma dúvida que nós trazemos aqui é justamente sobre o retorno presencial. Ele foi programado pra outubro passado, acabou sendo postergado, o que gerou bastante dúvida nos alunos, e acabou definido agora para março. Quais foram os fatores que motivaram esse retorno neste momento?

Esse retorno já tinha sido definido bem anteriormente para 14 de março. Eu acho que teve uma feliz coincidência, uma queda importante dos nossos dados epidemiológicos,  Se fosse uma outra situação, em que tivéssemos um aumento na pandemia ou a estabilização no nível alto, seria muito difícil mantermos essa data. Mas, felizmente, coincidiu com uma queda importante da pandemia, dados que estão se confirmando até agora. A mortalidade, número de casos, internações hospitalares estão bastante decrescentes e alguns pesquisadores já dizem que nós estamos chegando a um ponto onde isso vai se transformar numa endemia, e por isso, nós vamos ter que conviver com essa doença nos próximos meses, nos próximos anos,  Então, talvez, não chegue a zero, mas fique aí oscilando num pequeno número de casos. Então, primeiro foi isso: a curva epidemiológica que mostrava que a gente já tinha uma porcentagem alta da população vacinada, principalmente a população interna da USP.

Outro ponto são os fatores ligados aos próprios alunos e professores. Eu acho que existia – e ainda existe – um sentimento bastante favorável à volta das atividades presenciais. Nós fizemos o máximo que podíamos fazer no on-line, mas não é a mesma coisa do ensino presencial. Então acho que são as duas coisas: uma necessidade de nós voltarmos presencialmente e a outra a situação da epidemia. Então, somando esses dois fatores eu acho que 14 de março foi uma boa data para o retorno.

Os cuidados que nós tomamos, um foi exigir a vacinação e o outro foi uma política mais conservadora do que o próprio estado em relação ao uso de máscara. Nós estamos mantendo ainda para o ambiente fechado o uso da máscara, mais ou menos usando o exemplo que foi feito no transporte público. Você vê um local fechado, com baixa ventilação, com números elevados de pessoas com tempo prolongado. Então esse [critério] que nós estamos utilizando, e hoje a comissão que trata desse assunto deve estar se reunindo para ver quais são os próximos passos que nós devemos tomar. 

Nós ainda estamos trabalhando com metade da capacidade do Restaurante Universitário. Todas essas decisões são tomadas com suporte de comissões que são especialistas e analisaram os efeitos da pandemia. Utilizamos essa expertise para definições internas.

Aproveitando o assunto da própria fila do bandejão, que tem sido um motivo de reclamação dos alunos, tem alguma previsão para revisão desses planos de liberação ou aumento da capacidade? Porque tem sido uma questão de incômodo constante para os alunos, filas gigantescas, que chegaram até a 270 metros. Como essa questão está sendo tratada, e também a questão dos circulares?

Sem dúvida, esses dois problemas realmente aconteceram. Vamos tratá-los de forma separada. Em relação às filas, nós tomamos uma decisão: ou a pessoa fica na fila do bandejão ou recebe uma marmita. Mas isso não teve a velocidade que a gente gostaria. Então, realmente isso é um incômodo. 

Se fosse prolongar mais, nós pensaríamos em mudanças nos horários das unidades para não haver esse grande número de pessoas no horário de almoço, mas como a pandemia melhorou muito e nós estamos essa semana administrando atividades, eu acho que para a próxima semana nós já podemos pensar em um aumento no número de pessoas ao mesmo tempo no Restaurante Universitário. Nós estamos com 50%, mas  devemos passar rapidamente para 75%,  e mais algum período para 100%, voltando ao esquema anterior.

Nem em todos os lugares você consegue fazer a distribuição de marmitas, então é um incômodo que durou algum tempo, mas acho que  rapidamente a gente consegue resolver. 

Em relação ao transporte público, eu acho que a primeira preocupação foi saber se o número de usuários havia aumentado em relação ao (período) pré-pandemia. Mas não houve esse aumento, foi discretíssimo o aumento, que seria uma das possibilidades. Então, você tem um pico de manhã, você tem um pico à tarde e nós estamos tomando algumas providências para, primeiro, uma reunião com o SPTrans. Eu tive uma reunião com o presidente da SPTrans, não sei se foi segunda-feira. (Neste momento, a assessora do reitor informa que a reunião havia sido na sexta-feira anterior).

Na sexta passada, nós já tivemos uma reunião com a SPTrans e algumas decisões já foram tomadas e eu acho que vem a melhorar: Primeiro, quatro ônibus vão ficar sem catraca. Só com você apresentando no leitor, um leitor óptico, você não precisa ficar esperando na catraca. Então quatro ônibus eles vão trabalhar [sem catraca].

Nós temos contratados dezoito ônibus para fazer esse serviço. Quatro biarticulados. Então, em quatro deles já vamos fazer. Se der certo nesses veículos, rapidamente a gente passa pros dezoito.

Nós fizemos um acordo com a SPTrans, de uma maior fiscalização nos horários dos ônibus. Então nós percebemos que principalmente no período noturno, nós ficamos até cinquenta e cinco minutos sem veículo passando em algumas linhas. Então isso já vai ser regularizado, eles entenderam e, depois você tinha, no minuto seguinte, três ônibus. Ou seja, até dez você não tinha nenhum, aí depois você tinha três, então não era falta de ônibus, é falta uma logística de você ter os horários, aí já foi conversado também, a SPTrans foi bastante receptiva eu sei que a DCE também teve uma reunião no SPTrans porque o presidente da SPTrans me disse, então nós estamos mais ou menos na mesma página para fazer. 

O terminal ali do Butantan com a inauguração de uma estação, a Vila Sônia, os ônibus que faziam a saída do do Butantan, vão fazer a partir da Vila Sônia. Então nós vamos poder duplicar o número de paradas ali no Butantã. Ao invés de sair três ônibus, nós vamos duplicar o número de ônibus naquele determinado período. O problema é das 6 às 8, e das 9 às 11 (da noite), porque são os dois picos que nós temos de pessoas. Então realmente o problema existiu, mas acho que o que dava para fazer nós fizemos e eu acho que resolvi. 

Duas possibilidades,se não resolver, nós estamos falando: Uma é a mudança da do trajeto aqui interno do campus. Porque alguns ônibus fazem um trajeto muito longo, entra e sai dum lugar, então se, talvez tivesse um trajeto mais rápido, acho que aumentaria o número de viagens que esse ônibus faz. E a outra que seria mudar os horários. Então uma escola começa às 08:00, outra às 08:30, outra às 08:45. Isso é uma possibilidade, mas ainda não faz tudo. Tanto o horário quanto o trajeto, não vamos deixar para que realmente essas outras medidas vão resolver.

Saindo do campus Butantã, em relação aos campus do interior, quais são as dificuldades que o senhor sente agora que tinha o cargo para dar atenção para eles, principalmente os campus como o de Lorena, no interior?

Bom, vocês sabem que eu venho do campus do interior, de Ribeirão Preto e a minha vista que tinha na minha sala, no Hospital das Clínicas (HCFMRP-USP) é até mais bonita que essa que temos no nosso. (O prédio da Reitoria localiza-se em frente à praça do relógio, e oferece uma vista muito bonita de grande parte da Universidade)

O que que a Reitoria vai fazer? Nós vamos fazer em todos os campi, todos eles, a Reitoria vai uma vez por semestre levar a equipe, isso é: reitor, vice-reitora, quatro pró-reitores, todo mundo da Reitoria;, nós vamos ficar um dia em cada campus. Eu já tenho uma programação deste ano, como é o meu primeiro ano, que começamos bem atrasado, nós vamos realizar uma visita esse ano e, a partir do ano que vem, semestralmente, nós vamos para todos os cantos. 

Então a ideia é se reunir com os diretores, com os representantes de graduação e pós-graduação e, no período da tarde, com alunos, servidores e professores, principalmente professores jovens que não participam de congregação, não são representados.

Isso já tem uma agenda, já tá marcada. Assim você consegue se aproximar mais desses campus e entender a realidade, os problemas locais.

Não adianta fazer determinação que vão servir para todos os campi;  alguns problemas são comuns, mas certamente vamos encontrar alguma diferença [entre os campi]. Então a solução é essa, nos aproximarmos desses campi para poder entender e fazer propostas individualizadas.

Um problema que existe há várias gerações e sempre tem muitas queixas é em relação à moradia estudantil. A gente queria compreender quais são os projetos e propostas além das já citadas da nova gestão?

A Impressão que eu tenho do Crusp é que, através dos anos, a Universidade olhou muito pouco para ele e como às vezes é um problema difícil de resolver, ele foi mantido e deixado de lado e isso se considerou como autonomia, uma gestão autônoma, só que os resultados disso não foram bons. Então, tanto a parte física como a ocupação do Crusp de pessoas que não são uspianas, que nós estimamos chegue até 20% a 30%, acho que isso levou ao esgotamento desse modelo. 

O que nós estamos propondo é fazer uma gestão compartilhada, que a Universidade assuma as responsabilidades, mas que seja feito de acordo com a representação estudantil também. Nós estamos fazendo reuniões com todos os grupos, com todas as unidades do Crusp. A professora Analana já está fazendo isso e deve ser indicada como pró-reitora de inclusão e pertencimento — para estabelecermos um projeto e depois uma lógica. Quer dizer, quais são os acordos que nós precisamos fazer. 

A manutenção do Crusp precisa ser mais efetiva pela Universidade. A entrada de pessoas no Crusp também precisa ser controlada, o controle desse fluxo de pessoas. Se você pegar o atual [controle de entrada], no qual uma pessoa que mora no Crusp, que possui arma, que você tira e essa pessoa consegue voltar, temos alguma coisa errada nesse sistema. Depois de uma semana a pessoa está lá de novo, porque não tem um controle de acesso. Então tem que ser uma combinação dos dois: os alunos tem que ter confiança na Universidade e esse controle de pessoas — que não é no sentido de que a Reitoria vai investigar a vida das pessoas — para deixar que morem em Crusp pessoas que são da Universidade e não pessoas externas com interesses que você não pode ter certeza das intenções dela estar morando dentro do complexo estudantil. A ideia da USP é investir no  Crusp, fazer um acordo com os estudantes sobre como será feito esse controle da ocupação, quais serão os moradores etc. 

O que posso dizer é que existe a intenção da USP de fazer um investimento para que ele seja uma moradia estudantil e as pessoas tenham confiança, tenham segurança, tenham qualidade de vida no campus, que tenham cozinhas sejam bem formadas, que a lavanderia funcione, que o Wi-Fi funcione. Isso é o objetivo do Crusp. 

Antes de nos despedirmos, o reitor ainda pontuou a importância do diálogo para o avanço na Universidade: “Se a gente dialogar, e se inteirar do que está acontecendo, a chance de acertar nas decisões é muito maior. Se a gente se isola, não entende muito bem e acha que sabe tudo, é muito maior a chance de errar.” Sobre o Crusp, completou “Se a gente conseguir o apoio dos alunos para dizer ‘aqui só moram pessoas da USP’, eu acho que isso vai ser um passo enorme.'”