Novos problemas, pautas antigas: um papo com a comunidade ciclista da USP

Críticas à nova malha cicloviária do campus foi ponto comum nas conversas com os speedeiros

por Tomás Novaes

A trupe do clube Force CC, que treina nas madrugadas das terças e quintas no campus. Fotos: Tomás Novaes/JC

“É histórico, não é novidade: a relação do ciclismo com a USP sempre foi muito conflitante, gerou muita discussão interna dentro da Prefeitura, da comunidade, dos alunos, dos funcionários e da reitoria”, é como o professor de educação física Ricardo Arap, da Race Consultoria Esportiva, sintetiza a pauta do ciclismo no campus da Universidade de São Paulo.

Hoje com 54 anos, Arap pratica esporte no campus há quase quatro décadas, desde seus 17 anos. De lá para cá, viu e participou de muitas discussões sobre o uso do espaço da Cidade Universitária pelos ciclistas. Idas e vindas, pautas históricas, problemas novos, problemas antigos – o tema sempre foi espinhento. “Fica aquela máxima do ovo e da galinha: quem errou primeiro?”, conta, levantando tanto casos de abusos dos ciclistas da comunidade quanto dos pedestres e motoristas.

A temperatura dos conflitos envolvendo as bicicletas na Cidade Universitária baixou nos últimos dois anos – tanto pela pandemia quanto pela decisão de 2019 da Prefeitura do Campus de limitar os treinos de ciclismo esportivo para as terças, quintas e sábados das 4h30 às 6h30. “Já aconteceu milhares de idas e vindas, fechamentos de campus, e ficou esse horário. Infelizmente a cidade é limitada, não tem jeito, é o mais seguro possível”, conta Jair Santiago, outro especialista no quesito ciclismo na Universidade: administrador formado em 2001 pela FEA, que frequenta o campus desde 1997.

À esquerda, as novas vagas de estacionamento, na Avenida Luciano Gualberto.

Com os treinos ocorrendo somente nas madrugadas, o ciclismo esportivo não sofreu grandes mudanças com a pandemia – nesse horário o fluxo no campus já se aproxima normalmente de um fluxo pandêmico. A maior diferença que eles encontram, no retorno aos treinos em 2022, são as novas ciclovias. “Ali tem umas coisas bem questionáveis. Tem umas tartarugas que ficam bem no meio da rua. Naquela rotatória do CEPE tem uma tartaruga no meio da rua que vira e mexe a galera cai. É meio bizarro”, conta Jair. 

“As tartarugas, do jeito que foram colocadas, vão criar vários acidentes mais cedo ou mais tarde”, completou Ricardo Arap, também chamou a atenção para as novas vagas de estacionamento, que ocupam as faixas ao lado das ciclovias. “A ciclovia passa no ponto de ônibus, os carros que eram estacionados na guia avançaram a avenida que já é apertada”.

A reclamação sobre as tartarugas foi o ponto comum nas conversas com os três ciclistas esportivos entrevistados. Fernando Costa, que frequenta o campus há mais de 20 anos, também criticou a decisão. “Desde 2000, sempre quiseram tirar a bicicleta do campus – e essa é mais uma forma de se restringir um pouco mais”.

Um pelotão na Avenida Luciano Gualberto. À esquerda, as novas tartarugas, que separam a ciclovia das demais faixas.

Uma bomba relógio

Além de sempre quente, a história do uso do campus por ciclistas esportivos é antiga. Fernando relembra o que aconteceu em 2005, quando a USP proibiu o ciclismo dentro do campus. “Em 2005 teve conflito com bicicleta, ônibus, carro, acabaram proibindo o ciclismo dentro da USP e todos os ciclistas foram pra estrada. É óbvio que deu errado: morreram dois ciclistas nessa época por conta disso”, conta.

“Há 20 anos aquilo era uma selva”, conta Jair Santiago, que também é um dos sócios do clube de ciclismo Force CC, que treina toda semana na USP. “Os motoristas de ônibus pagavam um garoto pra jogar tachinha na rua pra furar pneu. Se os motoristas de ônibus tivessem o mesmo comportamento de 20 anos atrás, seria um inferno. Melhorou muito”, conta.

“Durante muito tempo, e hoje não existe mais isso, os próprios ônibus da Cidade Universitária eram extremamente agressivos”, conta Ricardo. “Eu peguei o tempo em que motorista fazia curva na rotatória com o tanque sem tampa para jogar óleo para o ciclista derrapar”.

Entre as pautas históricas levantadas pelos ciclistas, também está o fato de não haver radares de trânsito dentro do campus – o que faz com que as rotas da USP se tornem rotas de fuga do congestionamento da cidade. A pavimentação da avenida da Raia, que deixou de ser usada pelos esportistas pelo asfalto irregular, também foi mencionada mais de uma vez.

“É uma bomba relógio. Quando você tem uma faculdade ímpar, o CET a sua disposição, gente inteligente, isso era pra ser um case de sucesso. E isso é uma discussão que a gente já falou mais de uma vez para mais de um prefeito”, sintetiza Ricardo.

Por trás de todas as reivindicações da comunidade de ciclistas esportivos, outra máxima importante é a de que o campus da Universidade de São Paulo ainda é, em 2022, o melhor lugar para se praticar treinos de ciclismo de alta velocidade – uma demanda que a crescente malha cicloviária do resto da cidade ainda não conseguiu suprir.

“Apesar de toda a turbulência de conflitos da comunidade, ainda assim os riscos são mais controlados para você praticar uma atividade física. Mesmo entendendo que o campus não foi feito para uma área de lazer”, conta Ricardo.