Redes sociais impulsionam o interesse pela história do planeta e da biodiversidade em museus da USP

Durante pandemia, recursos digitais foram vitrines do conhecimento produzido e conservado em museus de Zoologia e Geociências, que agora retomam gradualmente suas atividades presenciais

por Luanne Caires e Luisa Costa

Foto: Patrick Fuentes/JC

Portas fechadas, galerias imersas em silêncio e vazio. Por quase dois anos, os museus da USP estiveram com atividades presenciais suspensas para visitantes devido à pandemia de covid-19. Materiais que guardam milhares, e até milhões, de anos de história sobre a Terra e a vida que nela habita estiveram longe dos olhares atentos e curiosos de um público que utiliza os espaços do museu para se divertir, aprender e ensinar. Mas, com a ajuda da tecnologia e das redes sociais, o Museu de Geociências e o Museu de Zoologia da USP puderam continuar a contar histórias, mostrar seu trabalho e aproximar as pessoas do conhecimento sobre minerais, rochas e seres vivos. E, com o retorno das atividades presenciais em 2022, também podem usar as plataformas para convidar o público a ocupar novamente seus espaços. 

Foi assim, distanciados pelas restrições sanitárias de combate ao coronavírus, que um grupo de pesquisadores dedicados a estudar características anatômicas, fisiológicas, ecológicas e evolutivas de peixes, criou o perfil Peixe ao Quadrado no Instagram. A maior parte da equipe desenvolve suas pesquisas no Museu de Zoologia da USP, mas também há colaboradores do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Museu de História Natural do Instituto Smithsonian, dos Estados Unidos. A iniciativa, que tem uma proposta bem humorada e hoje conta com mais de 4 mil seguidores, foi uma maneira de complementar e continuar a desenvolver, no meio digital, atividades de extensão que antes eram realizadas por meio de exposições presenciais nos museus.

João Pedro Trevisan, doutorando no Instituto de Biociências da USP, desenvolve sua pesquisa no acervo do Museu de Zoologia e faz parte da equipe do Peixe ao Quadrado. Ele relata que, no formato presencial, é comum que pesquisadores apresentem os temas de seus trabalhos durante atividades com o público e, nessas ocasiões, o contato é feito “corpo a corpo” com a comunidade, com a apresentação física de materiais. Com as restrições da pandemia e a migração para o digital, João considera que as trocas entre museu e público tendem a ficar mais amplas e inclusivas. “Não é só quem parou para visitar o museu, é quem às vezes viu a postagem aleatoriamente, entrou em contato com isso sem querer. E isso é bom. Para usar uma metáfora, é como se a gente tivesse acesso à turma do fundão. […] Uma experiência muito interessante para a gente perceber o que está funcionando e o que não está”, diz. 

Reprodução: Peixe ao Quadrado/Instagram

Mesmas redes, novos formatos

Além do surgimento de iniciativas com temas específicos, como é o caso do Peixe ao Quadrado, o Museu de Zoologia decidiu reestruturar suas redes oficiais em 2020 para dar continuidade às atividades culturais e educativas e mostrar que um museu vai muito além das exposições nas galerias. 

Segundo a professora Maria Isabel Landim, que coordena a Divisão de Difusão Cultural do MZUSP, esse processo incluiu pensar novas seções nas redes que pudessem contar sobre a história e o funcionamento interno do museu (Bastidores), apresentar as rotinas de pesquisa (A ciência que eu faço), destacar a importância do MZUSP para a conservação da história da biodiversidade (Destaques do acervo) e a produção de novos conhecimentos (Novinhos em folha), além de oferecer material educativo para crianças (Zoologia em casa). 

Reprodução: Museu de Zoologia da USP/Instagram

A equipe passou a se dedicar cada vez mais à produção para redes sociais, inclusive para o canal do museu no YouTube, que antes da pandemia não concentrava conteúdos exclusivos. Mas não parou por aí. Segundo Maria Isabel, a vontade de criar um tour virtual pelo Museu de Zoologia — que já era um desejo antes da pandemia — começou a crescer à medida que apareciam também os questionamentos sobre como ficaria a educação básica no ensino remoto, uma vez que escolas representam uma parcela importante do público do museu. “O próprio Conselho Deliberativo do Museu falou que, custe o que custar, a produção de um tour virtual seria prioridade. A gente tinha que mostrar que o museu não estava parado, apesar das portas fechadas”, afirma.

Então, no início do segundo semestre de 2020, o tour virtual pelo MZUSP foi lançado, o que permitiu que crianças de todo o Brasil visitassem o espaço via internet e realizassem atividades educativas com seus professores. Segundo informações fornecidas pelo museu, o tour recebeu mais de trinta mil visitantes nos dois anos de pandemia — sendo que o lançamento do recurso, que teria atraído grande quantidade de público, não foi contabilizado por questões técnicas de hospedagem virtual do tour.

O Museu de Zoologia tem um dos maiores acervos zoológicos da América Latina, com mais de 11 milhões de exemplares preservados, inclusive de espécies já extintas. A instituição também conta com uma biblioteca com mais de 270 volumes, disponíveis para consulta e pesquisa. 

Para a renovação das redes sociais, Maria Isabel destaca a importância dos estagiários de graduação da USP, que colaboram com a equipe de Difusão Cultural, hoje com seis membros: “Eles [os estagiários] deram uma arejada, uma renovada no visual e na linguagem. É maravilhoso todo mundo colaborando com uma ideia, uma geração muito mais versada nas redes sociais”. 

Interação e inspiração

O papel dos estagiários na renovação das redes e do contato com o público foi fundamental também para o Museu de Geociências da USP. Localizado dentro da Cidade Universitária, o museu tem as redes sociais como principal impulsionador de suas visitas, como conta Miriam Della Posta de Azevedo, técnica da instituição: “O instagram do museu foi ideia de uma estagiária, por volta de 2017, quando começou a exposição dos fósseis do Araripe. E deu muito certo. Aumentou em uns 50% as visitas”. 

O sucesso, segundo Miriam, está na interação e no uso das imagens. Em datas comemorativas, por exemplo, a equipe do museu cria espaços convidativos à fotografia ou prepara dinâmicas de busca de materiais no acervo, seja no formato físico ou digital. Em abril deste ano, várias postagens foram dedicadas à apresentação de minerais em formatos de ovos (referência aos ovos de Páscoa), explicando o que é cada mineral, sua distribuição no planeta, propriedades e aplicações. 

No acervo do museu, há mais de 2100 minerais, além de diferentes tipos de rochas e areias. Desde 2017, o museu conta também com uma exposição permanente de fósseis do Araripe, umas das regiões fossilíferas mais importantes do mundo e localizada no nordeste brasileiro. 

A coleção de fósseis do Araripe inclui diversos materiais cedidos em 2013 a partir de uma apreensão da Polícia Federal realizada no porto de Santos. No Museu de Geociências, os visitantes podem tocar parte dos fósseis para analisar de perto suas características. Foto: Patrick Fuentes/JC

A história dos minerais, rochas, sedimentos e da origem da vida também se mistura às histórias de vida dos humanos, contadas no projeto Núcleo do Museu da Pessoa, disponível no YouTube. Nele, qualquer pessoa pode compartilhar uma história relacionada às Geociências, as chamadas geo-histórias. 

Para Ideval Souza Costa, geólogo do Museu de Geociências, a beleza do museu não é só sua abordagem multidisciplinar, que reúne origem do universo, do planeta, da vida, e assuntos de química, física, matemática ou geografia. É a oportunidade de apresentar conhecimento e a própria universidade a um público que muitas vezes está distante dela: “Aqui é uma sala de visita. A gente faz as pessoas ficarem à vontade, faz isso ser acessível. E já tive a felicidade de aluno chegar aqui, depois de formado, e dizer ‘Estou aqui por sua causa, quando fiz aquela visita ao museu com você'”. 

Financiamento dos museus e pandemia

Com a pandemia de covid-19, diversos espaços que dependiam da visitação do público para arrecadação de verba passaram por dificuldades. Com alguns museus, a situação não foi diferente.

Os museus mantidos pela USP são divididos entre diferentes categorias. Existem, por exemplo, aqueles que são considerados unidades autônomas, como o Museu de Arte Contemporânea (MAC), o Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), o Museu Paulista (MP) e o Museu de Zoologia (MZUSP). Do outro lado, existem museus mantidos por unidades da USP, como o Museu de Geociências, do Instituto de Geociências (IGc).

Uma diferença fundamental entre eles está em como se dá seu orçamento. Museus que são também unidades recebem determinado montante dos recursos liberados pelo Tesouro do Estado de São Paulo e repassado à USP. Existe, portanto, uma quantia de dinheiro destinada exclusivamente a eles — e entregue diretamente às suas administrações.

Já museus que integram uma unidade da USP, como o Museu de Geociências, dependem do repasse de verba feito primeiro a seu respectivo instituto, depois a eles próprios. Miriam e Idevaldo explicam que a falta de autonomia pode ser uma questão limitante. “A gente não tem despesas com água e luz, por exemplo [porque o instituto arca com esses custos]. Mas, para organizar e manter as exposições, tudo o que conseguimos de verba vêm das visitas”, explica a técnica da instituição.

Eles explicam que manutenções prediais ficam a cargo do instituto, enquanto manutenções menores, materiais de oficinas e organização de novas exposições, por exemplo, são responsabilidade do museu em si. Por isso, a redução de visitas (e consequentemente das doações feitas por visitantes) causada pela pandemia trouxe impactos financeiros.

“Nós fechamos o ano de 2019 com cerca de 20 mil visitantes, entre público espontâneo e visitas de escolas. Foi um ano bom e começamos 2020 querendo ‘fazer tudo’ no museu. Mas aí… veio a pandemia”, lamenta Miriam. Funcionários que realizavam atividades educativas passaram a trabalhar nas redes sociais do museu e, depois de dois anos sem atendimento, o público aparece de forma mais lenta: até 12 de abril, o Museu de Geociências havia recebido apenas 1.645 visitantes em 2022.

Mesmo museus que têm relativa independência financeira (e eventualmente uma quantia maior de dinheiro em mãos) podem enfrentar dificuldades para funcionar da maneira ideal, com ou sem pandemia. Maria Isabel afirma que a verba que o Museu de Zoologia recebe a partir do orçamento da universidade ainda é  “modesta” e não permitiria grandes projetos culturais. 

A solução encontrada, tanto pelo MZUSP quanto pelo Museu de Geociências, é concorrer a editais na área da cultura e pesquisa – abertos, por exemplo, pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP ou até por entidades privadas, como o banco Santander. “Foi com dinheiro de editais que nós reabrimos a exposição Biodiversidade: conhecer para preservar, por exemplo”, afirma Maria Isabel. 

Exposição “Biodiversidade: conhecer para preservar” pode ser visitada no Museu de Zoologia da USP, que retoma gradualmente suas atividades educativas. Foto: Museu de Zoologia da USP/ Reprodução

O retorno das atividades

Durante os dois anos de isolamento social, os museus investiram em conteúdos e recursos digitais para não suspenderem totalmente suas atividades educativas. As atividades de pesquisa foram igualmente impactadas: João conta que, no início, pesquisadores tiveram de se revezar no acesso a laboratórios e acervo do MZUSP, o que impôs dificuldades ao andamento de diversos projetos. “Imagina um projeto que depende da dissecção [separação de estruturas corporais] de espécies, que depende da presença física no laboratório, que depende da interação direta com o orientador que é especialista em anatomia. É muito mais precário eu tirar uma foto do material e mandar para meu orientador do que simplesmente mostrar uma peça ao vivo para ele”, diz o doutorando, que hoje pesquisa anatomia e evolução de nadadeiras de peixes.

Segundo Maria Isabel, a presença de pessoas no museu, que não estivessem exercendo atividades essenciais (como segurança e manutenção básica do prédio), foi “totalmente desestimulada” em prol da saúde dos funcionários e pesquisadores. 

O Museu de Geociências também teve a maior parte de suas atividades suspensas. “Uma vez por mês, a gente vinha [ao museu] para fazer uma vistoria”, afirma Miriam. Em uma dessas ocasiões, o museu recebeu uma demanda de pesquisadores da USP de São Carlos para envio e análise de uma amostra científica.

“No caso do Laboratório de Preservação de Acervo Litológico (LitoLab), as solicitações eram feitas, e o Conselho Gestor aprovava ou não as demandas de pesquisa. No caso de aprovação, eu separava a amostra específica, e o aluno vinha fazer a pesquisa sem ninguém aqui”, a técnica explica.

O Museu de Geociências é responsável por preservar coleções museológicas, destinadas tanto para fins de pesquisa quanto de educação e exposição. Foto: Patrick Fuentes/JC

Agora, as instituições passam por um retorno gradual de suas atividades presenciais. O Lito Lab, por exemplo, já funciona normalmente e as atividades educativas do Museu de Geociências também foram retomadas, mas com restrição de público. “A gente costumava atender até 90 crianças de uma vez só, mas hoje não tem como fazer isso. Nosso ritmo vai voltar aos poucos”, afirma Ideval. As visitas de escolas têm limite de 50 alunos, e o acesso ao museu tem alguns requisitos, como uso de máscara e apresentação de comprovante de vacinação.

O Museu de Zoologia também faz, desde dezembro, um retorno gradual e cuidadoso das atividades. “Nosso público [das atividades educativas] é muito infantil e não estava vacinado até pouco tempo. Uma concentração de crianças em um ambiente fechado, também com professores idosos e funcionários, seria um problema”, explica Maria Isabel. 

“Então, a gente tem feito um retorno bem cuidadoso, e acho que a gestão [do museu] tem sido muito bem sucedida até então. Estamos otimistas.” Agora, o Museu retomou agendamentos para grupos (como os de escolas) e mês que voltarão as visitas guiadas. 
Você pode conferir todas as orientações fornecidas pelo MZUSP e pelo Museu de Geociências para as visitas neste link e neste link, respectivamente.