Como é o frio fora de época para quem vive nas ruas?

Efeitos da frente fria duram muito além dos dias de frio para pessoas em situação de rua

por Thomas Toscano

Como é o frio fora de época para quem vive nas ruas?
Imagem: Ivan Conterno/JC

A massa de ar polar trouxe chuvas e temperaturas muito baixas para o mês de maio. Na madrugada do dia 18, o termômetro registrou 6,3°C, com sensação térmica de 2°C. As temperaturas já subiram para médias de 15°C e a massa de ar já se dissipou. Para a maioria das pessoas, o frio inconveniente pode trazer desconforto ou até uma gripe. Mas, para as 31.884 pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo, esse mesmo frio pode ser fatal. 

Para além do período de inverno, as frentes frias pegam muitas dessas pessoas desprevenidas e dificultam as ações da prefeitura e de Organizações Não Governamentais (ONG’s) que trabalham na causa.

Campanhas como a “Inverno Solidário”, focadas no período de inverno, não tem tempo hábil para começar e terminar em dias frios ‘excepcionais’. As que conseguem operar são as que têm programação anual, como a Sefras – organização franciscana que atua no combate à fome, a violações de direitos e inserção econômica e social, ações coordenadas pelo frei Marx Rodrigues. 

Atendendo idosos, crianças e refugiados, a organização tem grande foco na população em situação de rua. Entre os serviços, a Sefras oferece banhos, refeições, atendimento social, médico e psicológico, cortes de cabelo e ajudas com a defensoria pública.

O frei comenta que houve uma melhora no combate do frio fora de época, mas que ainda sofre com a superlotação dos abrigos e da fila para o famoso “Chá do Padre”, que recebe mais de 1000 pessoas diariamente. “Durante a pandemia, teve dias em que atendemos mais de 2000 pessoas, quando nosso limite ainda era de 700 pessoas.”, completa. 

Apesar da pandemia ser um fator agravante das condições ruins das pessoas que dormem na rua, a origem do aumento de desabrigados é outra. Marx destaca  que existem  problemas endêmicos que causam o aumento, que foram agravados desde a precarização do trabalho, vinda com a reforma trabalhista de 2017.

“As pessoas que trabalham não têm seus direitos assegurados e vivem na insegurança alimentar.  A pandemia serviu só para escancarar essas fontes de desigualdade. ”

Ações voluntárias e do poder público

Segundo o frei, a prefeitura agiu muito mais rápido neste ano (em comparação aos últimos 6 anos) e  incluiu, logo nos primeiros dias de frio intenso, 10 tendas para atendimento médico e entrega de cobertores para quase duas mil pessoas. Entretanto, a ajuda circunstancial não faz com que o problema estrutural se resolva. Os cobertores entregues ajudam a diminuir o frio, mas são descritos como “muito finos” e não evitam casos de hipotermia e doenças relacionadas ao frio prolongado. 

A ação costuma funcionar entre metade de maio e o final de setembro. Os dias de frio fora dessa época não costumam ser cobertos por essas iniciativas, o que pode ser muito danoso para a população em situação de rua. Marx ressalta que “é muito importante tratar do frio não como sujeito isolado, mas um prego dentro de uma construção que ceifa a vida da população.”

Nesses dias de frio intenso, a alimentação e a higiene também são fundamentais. Além do cobertor, o banho quente, as roupas novas e a sopa também são oferecidos no pacote da Sefras para 100 pessoas nesse período de frente fria. 

Outra questão, são as pessoas em situação de rua  que não buscam  ajuda e não aceitam dormir em abrigos para não lidar com a grande burocracia e com filas de até 3 horas do atendimento pelo telefone. Os que ficam pelas ruas precisam ser encontrados pela equipe da associação, para o  atendimento no local. 

Frei Marx aponta a alteração na rotina durante esse período: “A gente sai de noite oferecendo agasalhos e cobertores. Existe um esforço homérico, começamos a trabalhar às 9h da manhã e vamos até às 9h da noite.” 

Todo ano esse esforço se repete. A junção de forças precisa cada vez mais se ampliar para dar conta de tantas pessoas na rua, mas não há como dar conta de tudo. Na madrugada do dia 18 de maio, Isaías de Faria dormiu na rua, ao lado de um abrigo da prefeitura. Pela manhã, entrou para tomar café e sofreu uma convulsão fatal. Tinha claros sinais de hipotermia e vestia somente uma blusa fina. Morreu logo após entrar no recinto. O caso de Isaías não é isolado.

Em 2021, outras 17 pessoas morreram pelo frio na cidade de São Paulo

Os tipos de esportes oferecidos são muito diversos e possibilitam que alunos de todos os institutos conheçam modalidades não tão convencionais e presentes no dia a dia. É possível também praticar atividades que, fora da universidade, são extremamente inacessíveis financeiramente e é aí que entra uma missão importante para o esporte universitário.

Como é o frio fora de época para quem vive nas ruas?

Imagem: Ivan Conterno/JC

Depois do Frio

Os abrigos temporários ajudam muita gente, mas não solucionam o problema. As políticas de habitação, mesmo quando buscam resolver, podem acabar agravando essa questão complexa. O frei aponta o exemplo do Jardim Imperial, onde há uma habitação irregular: “quem mora irregularmente tem uma condição tão precária que não tem como sustentar as contas da casa popular que será feita no lugar.”   O quadro não é exceção, mas parte da regra. “Apenas 5% das pessoas da localidade estão previstas, os restantes vão parar na rua ou em favelas”, completa o frei.   Com moradia, os problemas do frio fora ou dentro de sua época se tornam mais possíveis de se contornar. Com o oferecimento de alimentação e o acesso a cuidados de saúde mental, os tratamentos urgentes nas tendas e em ONG’s, como a Sefras, não ficam tão sobrecarregados. “Nós temos que pensar uma nova economia, que tem como finalidade a igualdade e a vida plena, não o enriquecimento de poucos. O papa Francisco também diz isso”, brinca o frei Marx.