Superlotação na FFLCH transfere aulas da graduação para outras faculdades da USP

Devido à falta de espaço nas salas de aula, os alunos são enviados a unidades distantes como o ICB; plano diretor para expansão da faculdade não sai do papel desde 2005

por Gustavo Zanfer

Foto: Gustavo Zanfer/JC

Mais de 12.700 alunos ativos de graduação e pós-graduação estão matriculados na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, segundo o portal de dados da faculdade. Dentre os quase 10 mil alunos de graduação, 4.877 são do curso de Letras, fazendo deste o maior curso da USP e o maior de Letras da América Latina.

Historicamente, a FFLCH enfrenta problemas de aglomeração, com alunos assistindo às aulas de pé ou sentados no chão em salas com capacidade de lotação extrapolada. Para aliviar o problema, os cursos matutinos utilizam salas ociosas dos que só ocorrem em outros períodos. Contudo, todos os cursos na FFLCH existem também no período noturno e há falta de espaço para acomodar todos, em especial para o curso de Letras. A pandemia do novo coronavírus levou a situação a patamares ainda mais graves e tornou mais urgente a resolução da pauta do plano diretor para expansão da faculdade.

Foto: Gustavo Zanfer/JC

Adrián Pablo Fanjul, professor membro da Comissão Interdepartamental de Letras (Cile) e chefe do Departamento de Letras Modernas, explica que a faculdade recebeu a visita do Serviço Especializado de Segurança e Medicina do Trabalho em outubro de 2021, a pedido dos chefes de departamentos. Foi decidido, entre outras determinações, que houvesse um espaçamento de cerca de um metro entre cabeças para o retorno dos alunos às aulas presenciais. A determinação, que não se deu apenas por questões pandêmicas, retirou algumas cadeiras de salas para que se cumprisse a lotação máxima. “Em outubro do ano passado, a Reitoria ainda não tinha feito determinações muito claras, mas nós sabíamos que era impossível voltar naquelas condições”, afirma Fanjul. 

A diáspora da Letras pelo campus 

O primeiro plano de retorno presencial proposto pela Cile apostou na manutenção das aulas on-line para os ingressantes, enquanto que 25% das aulas seriam ministradas presencialmente para o restante dos alunos, alternando a quantidade de acordo com o tamanho das turmas e disponibilidade de salas. Porém, representantes do Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários “Oswald de Andrade” (Caell) reuniram mais de 200 alunos em assembleia para exigir a garantia de salas para o retorno 100% presencial das aulas.

Segundo Francisco Napolitano, da gestão Balalaica do Caell, os cursos de humanas passariam a ser remotos com o tempo caso a situação não fosse resolvida de alguma forma. “Se a Universidade não apresenta solução para os problemas que enfrentamos, a gente não pode ter isso no horizonte de permanecer on-line”, afirma.

A decisão tomada em assembleia foi acolhida pela Cile que, com a administração da FFLCH – então sob direção do professor Paulo Martins –, enviou pedidos de uso de salas de aula para outras unidades da USP. Entretanto, foi necessário recorrer à Reitoria para que os pedidos fossem aceitos, uma vez que as outras unidades também contam com limitações de espaçamento e problemas próprios.

Após manifestações promovidas pelo Caell em frente ao prédio da Reitoria da USP, a pressão dos estudantes conquistou uma reunião com a vice-reitora da Universidade, Maria Arminda, ex-diretora da FFLCH. Os frutos dessa reunião se deram com a conquista de salas de aula na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP), mais próximas da FFLCH.

Locais de aula para os alunos do curso de Letras. Arte: Prefeitura do Campus USP da Capital (PUSP-C) 

Atualmente, os alunos de Letras têm aulas, além de salas da própria faculdade, também no Instituto de Geociências (IGC), Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), Colméias do Crusp, prédio de Administração da FFLCH e Casa de Cultura Japonesa. “Foi uma luta coletiva, mas que partiu de uma pressão dos estudantes para que se conseguissem essas salas e para que o plano de só 25% das aulas presenciais não se mantivesse por semestre”, afirma Francisco Napolitano. “Estamos em vários lugares! Está acontecendo uma diáspora da Letras pelo campus.”

O plano diretor de expansão da FFLCH


Na reunião com a vice-reitora, também estava presente Miguel Antonio Buzzar, superintendente do Espaço Físico da USP. O professor Fanjul conta que foi decidido que haveria um processo de retomada de obras necessárias na universidade para satisfazer exigências do corpo de bombeiros, como saídas de incêndio, assim como também pela retomada do plano diretor (proposto em 2005 e parcialmente iniciado entre 2008 e 2009).

Plano diretor da FFLCH. Ilustrações: Coordenadoria do Espaço Físico da USP

O representante do Caell incentiva os estudantes a continuar mobilizados para que os avanços saiam da gaveta, mas teme que “tentem vencer os estudantes pelo cansaço e que simplesmente coloquem a gente de volta em salas superlotadas, porque isso não vai resolver o problema”. Há um consenso entre docentes e alunos de que o retorno total aos prédios da FFLCH não é viável e a pandemia aguça a rejeição por essa possibilidade. “Infelizmente, não tem como resolver isso já para semana que vem, uma obra de proporções grandes, mas, se a gente não dar essa batalha agora, nenhuma geração futura vai ter esse espaço físico adequado”, diz Francisco Napolitano.

Novos locais de aula, novos problemas

Alunos mais velhos ou com problemas de mobilidade se queixam das distâncias percorridas para chegar até a sala de aula em outros institutos. Levando em consideração que as duas aulas diárias da grade de graduação não acontecem no mesmo lugar, “ou eu saio mais cedo da aula no ICB, ou chego atrasada na segunda aula na FFLCH”, relatou uma aluna. “É necessário retornar à FFLCH para conseguir assistir à outra aula e alguns docentes não toleram atraso.” O problema, segundo os docentes, deve ser resolvido com uma reorganização dos horários das aulas, para que sejam dadas na mesma unidade no dia.

As queixas dos alunos também apontam para um problema de manejamento que faz com que alunos se desloquem até unidades distantes da FFLCH para ter aula, enquanto salas no prédio de Letras ficam ociosas no mesmo horário.

Sala de aula não utilizada no período noturno. Foto: Gustavo Zanfer/JC

O Caell faz um mapeamento de salas que ficam vazias para tentar garantir que sejam ocupadas pelos alunos, evitando deslocamentos desnecessários pelo campus.

São poucas as salas que comportam mais de 60 alunos no prédio de Letras, que conta com turmas de até cem alunos no ciclo básico. Essa quantidade se dá também pela falta de contratação de professores, dificultada desde a aprovação do fim do Gatilho Automático de Claros, que garantia a contratação de novos docentes após desligamentos de outros professores. Há disciplinas que contam com apenas 1 docente. 

As salas disponíveis também sofrem com problemas de infraestrutura como falta de equipamentos, infiltrações, goteiras e deterioração da estrutura dos tetos.

Teto danificado em sala de aula do prédio de Letras. Foto: Arquivo Pessoal

O campus a noite

Alguns prédios que estão recebendo os alunos não têm aulas no período noturno em seu funcionamento tradicional, então não há funcionários de vigilância para garantir a segurança dos ambientes. Esse fato se relaciona com a hostilidade da universidade para com os alunos do período noturno de todo o campus. 

Vista noturna da Praça do Relógio. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Fanjul aponta que a recente criação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento deve também levar em consideração a inclusão que se deteriora com a mudança de perfil de alunos de outros períodos. “É notório que no período noturno é onde mais recebemos a população trabalhadora e, em consequência, tem que ser providas todas as condições para eles”, aponta o professor. De acordo com as normas da Universidade, é dever da administração central da universidade fazer cumprir as resoluções dos conselhos centrais e do conselho universitário, dentre os quais está o funcionamento dos cursos de graduação. “Tem que ser um assunto não apenas dos cursos noturnos da FFLCH, mas de todos os cursos noturnos dos campi, em especial o campus do Butantã, porque ele está numa cidade com especiais problemas de vida noturna.”

Os cursos da universidade, como os da FFLCH, têm crescido consideravelmente, mas os prédios não acompanham o crescimento ou levam anos para serem adaptados. A Superintendência do Espaço Físico da USP contabiliza 40 planos diretores solicitados nos campi.