Como é o processo de adoção no Brasil?

Relatos de casos de estupro no último mês e o debate sobre o aborto têm trazido o tema à tona 

por Beatriz Herminio

Foto: Júlia Rodrigues/JC

Foi noticiado, em junho de 2022, o caso de uma menina de 11 anos estuprada em Santa Catarina que descobriu a gravidez após 22 semanas de gestação. Ela conseguiu realizar o procedimento de aborto, mas não antes de ser impedida pela juíza, que decidiu colocar a criança em um abrigo e pediu que ela mantivesse a gestação por mais “uma ou duas semanas”. 

A juíza, em audiência com a mãe da menina, afirmou que hoje há “30 mil casais que querem o bebê”, e que a tristeza da família poderia ser “a felicidade de um casal”, segundo apuração do Intercept.

Por outro lado, no mesmo mês, uma atriz de 21 anos revelou que entregou o bebê para adoção após ser vítima de estupro. O depoimento foi feito depois do vazamento de informações pessoais por um jornalista. Pela atitude, a atriz foi acusada na internet de ter cometido o crime de abandono de incapaz, mesmo tendo afirmado que realizou a entrega voluntária da criança. 

“Eu procurei uma advogada e, conhecendo o processo, tomei a decisão de fazer uma entrega direta para a adoção. Passei por todos os trâmites: psicóloga, ministério público, juíza, audiência, todas as etapas obrigatórias”, escreveu no relato.

Figuras políticas e influenciadoras comentam os casos que repercutiram nas redes sociais. Imagem: Reprodução/Twitter

A lei brasileira declara que o aborto é permitido nos casos em que a gravidez decorre de estupro ou quando há risco de vida para a pessoa gestante. Já a entrega voluntária de bebês foi incluída no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 2017, e trouxe a “legalização de uma coisa que sempre aconteceu”, afirma a advogada Sandra Vilela, que atua na área de adoção, guarda compartilhada e demais temas do direito da família e direito das sucessões.

A lei diz que “a gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude”, além de ser garantido o direito ao sigilo sobre o nascimento. A manifestação pode ser feita em qualquer órgão da rede de proteção à infância, conselhos tutelares, postos de saúde e hospitais.

Afinal, como é o processo de adoção?

Além da entrega voluntária de bebês, uma criança pode ser encaminhada para adoção de duas outras formas: nos casos em que a mãe ou pai morre e não há nenhum familiar para assumi-la, e quando a criança sofre maus tratos na família, levando os pais a perder os direitos e deveres em relação ao filho, explica Vilela.

Em todos os casos, a família extensa (formada por parentes de convivência próxima, como tios e avós) é buscada pelo juiz como primeira opção para adotar a criança. O interesse da criança é sempre ser mantida no seio de sua família, conforme diz a lei. 

No Código Civil, há um artigo que lista as hipóteses de perda do poder familiar, explica a advogada. Quando isso ocorre, a criança é colocada em uma família substituta até ser transferida para a família próxima, seja por adoção, seja na figura de guardiões. Se isso não for possível, a criança é encaminhada para adoção.

“É muito comum encontrar a situação em que a mulher está grávida, encontra um casal que quer adotar e decide entregar a criança. Isto é errado, não vai dar certo. O casal entra com o pedido de adoção da criança e perde a guarda da criança na hora”, aponta Vilela.

A pessoa que vai adotar a criança não pode ser escolhida pela genitora. Se a criança é entregue para adoção, os pretendentes são chamados conforme a fila. Apenas a família extensa tem preferência na adoção de uma criança. “No fundo, o que o poder judiciário quer evitar é a venda de crianças”, pontua a advogada.

Vilela lembra que nem todos os casos de família extensa necessitam que os membros sejam de família consanguínea. No caso da “família de consideração”, a adoção depende da avaliação do juiz sobre o tempo de relação que as pessoas mantêm enquanto família, os laços criados e, eventualmente, irmãos que a criança tenha.

Um caso de adoção irregular, ou “adoção à brasileira”, que repercutiu no país ocorreu na família Poncio. Um casal da família divulgou nas redes sociais, em 2020, que havia adotado o sobrinho da babá de seus filhos, porque ela teria comentado que a criança passava por necessidades. 

Na época, o casal alegou que o filho chegava após um processo de adoção definitivo, mas em 2022, Sarah Poncio afirmou que, quando tentava a guarda da criança na Justiça,  “foi surpreendida” pelo pedido da mãe biológica, que queria a guarda de volta e teve o pedido atendido. O processo de adoção por parte do casal se revelou irregular porque, no Brasil, uma vez que o juiz dá a sentença, a adoção de menores de idade é irreversível. 

No momento, cerca de 4.120 crianças aguardam para serem adotadas no país. Já o número de pretendentes ultrapassa 30 mil, segundo dados do dia 10 de julho do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), implantado nacionalmente em 2019. As exigências e o perfil pretendido pelos adotantes influenciam o tempo de espera na “fila de adoção”.

Arte: Beatriz Herminio/JC

Pessoas interessadas em adotar no Brasil precisam buscar a Vara da Infância e da Juventude do foro mais próximo de sua casa e fazer um cadastro de adoção. Então, serão submetidas a entrevistas e avaliações técnicas, psicológicas e sociais, além de um curso preparatório. O processo é em seguida encaminhado para o juiz, que dará uma sentença sobre o pedido. 

Com a sentença favorável, é feito um cruzamento dos perfis dos pretendentes e das crianças registradas no Cadastro Nacional de Adoção do SNA. Então, os pretendentes entram em contato com a criança e assumem a guarda provisória, entrando no estágio de convivência. Durante esse período, o setor técnico faz avaliação social e psicológica e encaminha relatório para o Ministério Público. Assim, é tomada a decisão final e o filho pode ser registrado.