Descobri amor em SP num jogo de 2 a 1

No coração da USP, qualquer coisa de familiar que é pouco exigente: qualquer hora e lugar são arquibancadas para torcer – e chorar

por Alessandra Barrozo

Foto: Visualhunt

A vivência estava vazia quando Julio abriu o notebook e deu play no jogo. Bastou. Em minutos, transbordou de 20 âncoras vermelhas penduradas em 20 peitos tomados de ansiedade. Do nada.

O silêncio magistral, tenso e apaixonado suspendeu todo o ar disponível no segundo em que a bola rolou. E até eu, que entrego uma torcida vacilante a outro clube, me senti invadida pelo Corinthians.

Aos 30 segundos – juro, eu conferi – pensei em trazer uma água, umas balinhas, um chá de camomila para o coração apertado que saltou tão forte ao meu lado que quase fez tremer minha cadeira. Flagrei um olhar faminto por antecipar cada lance, cada passe, cada chute invadindo o campo do Allianz Parque. E, como se fosse possível esconder, desabafa um “tô nervoso”.

Fiquei devendo o único alívio capaz de curar a aflição: um gol do Coringão, uma defesa melhor, um terremoto que abrisse um abismo no gramado e engolisse o time do Palmeiras. Uma máquina do tempo que impedisse o primeiro gol, concebido pelos pés de Veiga aos 29 do primeiro tempo. Desse parto, a dor ficou pros alvinegros do Parque São Jorge. Ferida aberta que nem o curto empate conquistado por Roger Guedes conseguiu curar.

Mesmo Jhonatas, que guarda um sorriso contido e palavras pouco pronunciadas, deixa escapar palavrões, gestos mais enfáticos, uma indignação que só poderia ser causada por um VAR injusto daqueles. Expressões que só encontram espaço ali, arrancadas à força por aqueles onze homens vestidos como os 20 e tantos do lado de cá. Os de lá e os daqui carregando a mesma respiração ofegante durante 90 minutos.

O encontro já vinha marcado há dias, com planejamento que passou por cima de qualquer calendário. Como poderia ser diferente? Os compromissos ficam de lado; estágio, dor de dente, o aquecimento global e a guerra na Ucrânia parecem tudo igual, desimportantes dentro daquelas quatro linhas.

A despeito da falta de uma televisão, dá-se um jeito; recorrem a telas, menores, de computador. Os poucos segundos de atraso entre uma transmissão e outra fazem todos migrarem para outra mesa, que traz mais cedo as notícias. Retém toda a atenção.

A quinta-feira que distancia o Timão e a liderança no campeonato paulista recheou a vivência de simpatias, alguns cantos, um suor gelado e um cordão umbilical unindo todo mundo que, denunciado pelas mãos trêmulas, carrega o indisfarçável DNA de ser “otário por esse time”. Mais que tudo isso, o futebol do Corinthians dá aos acometidos pela febre alvinegra um poder além, ouvi de um deles: para vê-lo jogar, dispensaria os olhos, porque esse time se assiste com o coração.