Nazistas e USP na mesma frase – de novo

Pichações nazistas reaparecem no Campus depois de 4 anos sem incidentes

por Sofia Kercher e Guilherme Caldas

Foto: Reprodução Instagram/ Núcleo Ayé

No dia 23 de março de 2022, os muros da Faculdade de Saúde Pública da USP (FMUSP) e do Metrô Clínicas amanheceram com suásticas pintadas.

O Núcleo Ayé, coletivo negro da FMUSP, compartilhou imagens do ocorrido em suas redes sociais, o que levou a um alto nível de compartilhamento entre estudantes, professores e outros movimentos estudantis dentro da universidade.

Em publicação do Instagram, o coletivo afirmou que “o aumento de grupos Skinheads tem sido relatado em vários lugares de São Paulo, sobretudo no centro.”

“Pedimos aos estudantes, funcionários, servidores e etc. de toda comunidade USP que fiquem em estado de alerta e evitem, se possível, andarem sozinhos, principalmente a noite, sobretudo aqueles que fazem parte de minorias, como pessoas negras, indígenas, asiáticas, população LGBTQIA+ e mulheres”, escreveu.

Desde o ocorrido, nenhum outro caso aconteceu na Universidade. Em contrapartida, ainda não há sinal das autoridades ou da própria USP terem encontrado um responsável – nem se houve, de fato, um esforço para que isso acontecesse. 

Questionada pelo Jornal do Campus sobre a existência de uma investigação por parte da Universidade, ou a possível abertura de um boletim de ocorrência com as autoridades, a FMUSP se recusou a comentar sobre o assunto.

Problema de longa data

Essa não foi a primeira vez que um crime do tipo acontece no campus. Em 17 de outubro de 2018, cinco apartamentos do Bloco A do Conjunto Residencial da USP (Crusp) tiveram o símbolo pichado em suas portas. Em uma delas, havia uma inscrição que dizia: “Volta p/ Bolívia.” 

Na época, a assessoria de imprensa da USP informou, ao portal de notícias G1, que “estava apurando os fatos”. Contudo, até a publicação desta matéria, não houve nenhuma movimentação no caso. 

Porta de moradia estudantil da USP em 2022. Foto: Sofia Kercher/ JC

Este caso é similar, mas não idêntico ao ocorrido em março deste ano. As pichações da FMUSP foram feitas do lado de fora da faculdade, não dentro dos alojamentos como no caso de 2018. 

Isso porque, como colocado pelo Núcleo Ayé, a presença de skinheads – grupos de extrema direita ligados à ideologia neonazista – cresce na cidade como um todo, respingando sua intolerância, ocasionalmente, nos muros da universidade. Cinco dias antes do acidente de março, um grupo apontado como skinhead foi gravado xingando mulheres na estação Anhangabaú.

No começo deste ano, a antropóloga Adriana Dias, que se dedica a estudar o neonazismo no Brasil desde 2002, elaborou um mapa que mostra que existem pelo menos 530 núcleos extremistas, um universo que pode chegar a 10 mil pessoas. Isso representa um crescimento de 270,6% de janeiro de 2019 a maio de 2021. Entre esses grupos, neonazistas são a maioria.

Para o professor Osvaldo Coggiola, do departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, o problema das correntes neonazistas não é um fenômeno recente.

“O neonazismo no Brasil é um problema bastante antigo, havendo pessoas que chegaram a publicar livros negando o holocausto judeu. Dizendo que foi uma invenção judia para obter vantagens e criminalizar os alemães”, explica.

Um exemplo de publicação do tipo é “Holocausto: Judeu ou alemão? Nos bastidores da mentira do século”, livro escrito pelo brasileiro de origem alemã Siegfried Ellwanger, que nega o massacre cometido pelos nazistas na primeira metade do século XX. 

“Opiniões neonazistas são bastante antigas no Brasil e estão, em parte, vinculadas ao importante número de criminosos partidários do nazismo que se deslocaram para terras brasileiras”, complementa.

Porta de moradia estudantil da USP em 2022. Foto: Sofia Kercher/ JC

Sobre a relação de movimentos neonazistas com a ascensão de vertentes autoritárias da direita no mundo, o professor considera que, pelo menos no Brasil, há diferenças significativas entre os fenômenos. 

“O Bolsonarismo, por exemplo, é um caso diferente do neonazismo, já que glorifica um passado histórico da ditadura militar brasileira, que foi encabeçada por pessoas que combateram o nazismo na Segunda Guerra Mundial. É um movimento que não tem nenhum respeito pela história, já que reivindica esse passado militar brasileiro e, ao mesmo tempo, tem opiniões de cunho semelhante ao nazismo”, afirma Coggiola.

Para o professor, “é difícil que essas pessoas tenham uma ideologia política muito clara. Pelo contrário, são pessoas que fazem da absoluta ignorância uma espécie de bandeira política”, observa e continua: “Movimentos de caráter neonazista, como os skinheads, e outros, se infiltram em outros grupos para serem nazistas, estão à margem. O que mais se assemelha ao nazismo na nossa sociedade é o racismo nosso de cada dia”, conclui.

O que pode ser feito

Segundo Helena Lobo da Costa, professora de direito penal na USP, essa conduta configura crimes contra o patrimônio, contra o meio ambiente e de discriminação. No âmbito patrimonial, pichar uma propriedade da universidade consiste em crime de dano. Na legislação ambiental, há crime de pichação também. E, no âmbito da discriminação, há crime de veicular suástica para fins de divulgação do nazismo. “Todas essas hipóteses podem ser investigadas pela polícia”, explica e continua: “Qualquer pessoa (seja a universidade, seja um aluno ou um grupo de alunos) pode pedir a investigação dos fatos pela polícia. Basta lavrar um boletim de ocorrência ou apresentar um requerimento por escrito, narrando os fatos”.

Veicular suástica com fim de divulgar o nazismo tem pena de dois a cinco anos de reclusão e multa. O crime de pichação, previsto na lei ambiental, tem pena de três meses a um ano de detenção e multa. O crime de dano patrimonial tem pena de um a seis meses de detenção ou multa.

Para o professor Coggiola, o combate ao nazismo envolve toda a sociedade. Ele afirma que  é preciso “uma forte campanha, de elementos da sociedade civil, para evitar que o nazismo se reviva em qualquer uma de suas variantes, mostrando claramente a sua natureza genocida, esclarecendo as suas raízes, e como se chegou a esse tipo de política, mostrar que o nazismo ainda é um perigo e explicar de maneira clara para a sociedade brasileira o nocivo de se declarar a superioridade ou inferioridade de determinados grupos étnicos ou sociais”. 

Segundo Coggiola,  “defender explicitamente essa ideia equivale a incentivar o assassinato das minorias pelo simples fato de existirem”.

Sobre o papel do Estado na luta contra correntes neonazistas, o professor aponta que “o Estado tem que aperfeiçoar os instrumentos que põem à margem da sociedade essa opinião política que é mais uma incitação ao assassinato, além de garantir a segurança e o direito à vida das minorias e não aceitar que opiniões de caráter genocidiário sejam disseminadas livremente”.