O jornalismo que acompanha também se antecipa

por Clarissa Lévy

Foto: Arquivo Pessoal

Começo meus palpites dessa segunda rodada de comentários sobre o JC com uma sensação forte de que a turma já passou por um amadurecimento desde os primeiros textos publicados. Muito legal ver mais pautas originais e que conseguem estabelecer um vínculo com questões de fora da universidade, sem contudo, desconsiderar as singularidades do território que cobrem: a USP. Na editoria de esportes, a matéria sobre as modalidades esportivas elitistas traça bem o paralelo entre a realidade universitária e o contexto que envolve as práticas de remo e tênis em um país como o nosso. Um exemplo de uma pauta simples mas que vira relevante justamente por sua angulação. Massa, gente.

Outra reportagem da edição que marca o sucesso dessa edição é a sobre a questão do aborto nos EUA. Publicada antes da decisão (catastrófica) da Suprema Corte estadunidense, a escolha da pauta foi muito feliz pois já preparou es leitores do JC para entender o julgamento que estava por vir e que já dava sinais de ser preocupante. Nesse sentido, seria interessante que na edição que vem por aí, o assunto do aborto fosse retomado. O tópico esquentou demais e uma abordagem a partir do foco universitário pode virar uma contribuição valiosa do JC à cobertura da questão.

Como funcionam os serviços de saúde da universidade para os abortamentos permitidos por lei? Como estão os grupos de estudo da USP que pesquisam abortamento? Ou ainda, como é a formação des médicos, enfermeiros e obstetrizes da universidade para realizar o cuidado e acolhimento de mulheres que têm direito ao aborto? Como a interrupção da gravidez entra nos currículos dos cursos da saúde? Como os cursos e especializações da universidade estão formando profissionais do campo da saúde da mulher? São perguntas que es alunes do JC podem responder e que podem ser muito úteis a todes nós.

A ideia de voltar ao tema do aborto em uma próxima edição se soma a uma sugestão mais profunda que me ocorreu lendo o JC: acompanhem, fiquem mais tempo nas historias. Imagino que o fluxo de estudos, trabalho e ainda um jornal laboratório deve colocar vocês em uma correria doida. Ainda mais sob a inflação e tendo que lidar com os desafios de começo de vida adulta, como bem escreveram no editorial.

Justamente também por essa vida de corres amontoados, sugiro que a turma considere permanecer mais tempo acompanhando uma mesma história ou assunto. Testemunhar o fluxo de acontecimentos de uma pauta pode ser uma oportunidade para treinar o olhar para novos ângulos de reportagem e aumentar a profundidade da apuração. Talvez não seja uma sugestão que ainda caiba para um fim de semestre conturbado, mas espero que seja uma sugestão que faça sentido para momentos futuros da trajetória de vocês.

O jornalismo, enquanto produtor de conhecimento – segundo Adelmo Genro Filho (lançando aqui pois amarei conversar sobre esse teórico em um bar com a turma, juro) a produção de conhecimento cristalizada no singular que o jornalismo proporciona à sociedade é única. E parte disso, vem justamente do aprofundamento que podemos ter em determinados assuntos, conectando-os com as estruturas de poder que o envolvem. Na esteira disso, o jornalismo que acompanha pode se antecipar, em parte, aos acontecimentos. Mas para além disso, produz sínteses sobre a realidade que, segundo argumenta o Adelmo, não são produzidas por áreas de conhecimento como a história ou as ciências sociais.

Com esse papinho semi teórico que enfiei aqui no intuito de sugerir reflexões e curiosidades por aí, me despeço agradecendo a turma mais uma vez por esse canal de conversa. A universidade é bem uma correria mas enquanto estão nela vocês com certeza tem mais tempo e liberdade para refletir sobre o jornalismo para além do tecnicismo e imediatismo de uma pauta e outra. Desejo, de coração, um fechamento de semestre com tempo para questionar e refletir sobre os afazeres simples da reportagem. Que vocês possam curtir esse período de mais dúvidas do que respostas. Inté.