Capoeira no Cepeusp completa 50 anos

Eventos comemorativos estão planejados para setembro e novembro

por Renato Brocchi

Fotos: João Pedro Barreto/JC

A capoeira no Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo (Cepeusp) faz 50 anos. O homem que trouxe a modalidade para a USP — Gladson de Oliveira Silva, o mestre Gladson — também faz anos: 80, mais exatamente. Por isso, o grupo de capoeira do Cepe, sob a tutela do professor Vinicius Heine, organiza uma série de eventos em comemoração aos dois aniversários, reeditando, inclusive, as Clínicas de Capoeira (cuja edição de 2016 foi coberta por este JC) neste período de retomada das aulas presenciais. 

Mestre Gladson foi motivado a instaurar a capoeira no Cepe em 1972 pelo professor de educação física da USP Antonio Boaventura da Silva. “Houve todo um processo de aceitação social, de valorização, de reconhecimento do valor educacional e cultural da capoeira”, conta Vinicius Heine, professor que hoje coordena a modalidade no Cepe. Mestre Gladson comenta que, desde o início, a ideia era promover essa mistura de pessoas e saberes, levando o popular à universidade. “A capoeira estar presente aqui tem um significado simbólico muito importante de também a universidade estar aberta para receber essa manifestação da cultura afro-brasileira”, complementa Vinicius.

E essa é uma mistura que sempre esteve presente na capoeira do Cepe: os cursos são abertos para funcionários e professores, mantendo algumas de suas vagas reservadas para a comunidade externa; também são oferecidas turmas mistas desde o início, mesmo numa época (os anos 1970 da inauguração da modalidade no Cepe) em que as aulas de Educação Física dividiam meninos e meninas. Mestre Gladson lembra que isso tudo acaba servindo para “mostrar esse valor de educar e reeducar pelos movimentos, por todos esses fundamentos da nossa arte”, independente de quaisquer diferenças.

Hoje, mestre Gladson está aposentado. Depois de uma caminhada a fim de aproximar os saberes populares e acadêmicos — caminhada que incluiu a publicação de dois livros (Capoeira: do engenho à universidade [1993] e Capoeira: um instrumento psicomotor para a cidadania [2008], o segundo em coautoria com Vinicius) e viagens com seus alunos a países como o Japão, a Rússia e a Alemanha —, mestre Gladson acompanha a capoeira no Cepe com um pouco mais de distância. 

Os eventos dos 50 anos, agora, servem para rememorar toda essa estrada, além de coroar a volta às aulas presenciais. “Este ano foi toda uma retomada, porque esses dois anos parado foram terríveis”, lembra Vinícius. Mas, devido à rotatividade que a universidade oferece, novos alunos sempre chegam. “A capoeira contribui muito para essa formação mais humana, mais cultural, que vai ser importante tanto para esse período acadêmico quanto para o profissional”, resume o atual professor.

Mestre Gladson (esq.) e Vinicius Heine.

Os eventos

De 19 a 24 de setembro, o Festival 50 anos da capoeira no Cepe promete ser uma oportunidade para misturar ainda mais as turmas e os praticantes da modalidade. Nessa semana, as aulas normais vão estar abertas ao público geral, que vai poder acompanhar bate-papos e oficinas.

Vinicius lembra que o festival é também uma forma de lembrar e fortalecer os vínculos com outras modalidades Brasil afora, como o maculelê, o samba de roda, a puxada de rede, o jongo, e o frevo: são todas, afinal, manifestações dessa matriz afro-brasileira que deu origem à capoeira.

Além de vários mestres capoeiristas, o evento traz ao Cepe praticantes do xondaro, uma mistura de luta e dança dos povos Mbya-Guarani. O objetivo é promover esse intercâmbio com a capoeira, mostrar como todas essas práticas estão de alguma forma conectadas, e construir, nas palavras de Vinicius, “uma rede de fortalecimento dos indivíduos e dessas culturas que, muitas vezes, são marginalizados e menosprezados”.

Tudo vai culminar na tarde do sábado, 24, quando vai haver uma mostra de fotografia sobre os 50 anos da capoeira no Cepe, e a comemoração dos 80 anos do mestre Gladson. 

A 17ª Clínica de Capoeira vai ocupar três dias de novembro, do 25 ao 27. As clínicas foram idealizadas por mestre Gladson ainda nos anos 1980 como uma espécie de congresso que reúne vários mestres capoeiristas importantes. Elas têm acontecido bianualmente desde a primeira, em 1987, e servem como palco para que se discutam os saberes corporais, musicais e filosóficos de mestres e praticantes capoeiristas de todo o Brasil.

Em consonância com o espírito geral da capoeira no Cepe de união de saberes populares e acadêmicos, as clínicas também contam com palestras de pesquisadores da modalidade — alguns deles são alunos de mestrado e doutorado da própria USP, que apresentam suas dissertações e teses.A Clínica vai acontecer junto do Congresso Internacional de Capoeira, evento que o Cepe organiza em parceria com a International Capoeira Association (ICA). As palestras e vivências de ambos os eventos, em conjunto, vão servir para salientar essa mistura de saberes que a capoeira proporciona; ou, como resume Vinicius, “no final, é isso: todo o mundo aprende com todo o mundo. Esse é o sentido da roda”.