Desabastecimento de água recorrente afeta moradores do Crusp

Episódio faz parte da política de precarização e abandono da moradia estudantil, segundo residentes

por Ana Júlia Maciel e Rebeca Fonseca

Foto: Valentina Moreira/JC

O Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo está sofrendo repetidamente com falta de água. Desde 15 de agosto, os blocos relataram oscilação frequente.

Em entrevista ao Jornal do Campus, Píi, aluno de Ciências Sociais e morador do Crusp desde 2018, afirmou que a falta de água é mais presente do que o movimento estudantil faz parecer: “Já aconteceu outras vezes, principalmente na pandemia”. O atual episódio, na verdade, é regular na história cruspiana e faz parte de um plano de fundo mais amplo de problemas estruturais e precarização do conjunto. Agora, só está menos escondido. 

O estudante também conta que, em situações de desabastecimento, ele e muitos outros moradores  precisam alterar sua rotina. Tomar banho no Centro de Práticas Esportivas da USP, acordar durante a noite com sede e subir vários andares de escada com galões de água são mudanças, que Pií relata, serem forçadas pela falta de água.   

Segundo o Diretório Central dos Estudantes da USP, a reitoria, responsável pelo Crusp, afirma que a falta de água acontece pela precariedade do sistema de abastecimento. Por se tratar de encanamentos antigos, alega-se ser preciso diminuir a pressão da água, o que impossibilita a chegada nas residências. 

Permanência estudantil

Estudante de história e morador do Crusp, que pediu para não ser identificado, conta que, durante a pandemia, uma redução no fornecimento de água ao bloco D coincidiu com pressões da reitoria para que moradores desocupassem o edifício, no qual seriam iniciadas reformas. Ele foi um dos cruspianos que teve que ser realocado, mas diz que o tempo para que a mudança ocorresse  foi extremamente curto e houve demoras para que ele pudesse ser transferido para  outro prédio, ainda que houvesse vagas em diferentes blocos.

Para ele, a atual falta de água é apenas um dentre os vários problemas do Crusp:  lavanderias sem máquinas de lavar, cozinhas com eletrodomésticos que não funcionam, dificuldades de acesso à internet e fechamento dos Restaurantes Universitários em domingos e feriados. Todos esses transtornos  se somam e compõem o panorama de abandono da moradia estudantil.

A maioria das cozinhas do Crusp não tem eletrodomésticos funcionais. Foto: Valentina Moreira/JC

O estudante acredita que a defesa do Crusp contra a precarização deve ser feita com a noção de que ele é  um espaço com relevância histórica. Durante a ditadura militar, muitos cruspianos estavam envolvidos em atividades de resistência ao regime e o Conjunto foi o centro do movimento estudantil paulista. Em 1968, moradores foram presos após a invasão e fechamento do Crusp pelo exército; os prédios só voltariam a ser ocupados no final da década de 1970.

Além da importância política, o Crusp é essencial para a permanência estudantil. Estudantes em situação de vulnerabilidade social dependem dessas políticas para poderem manter a vida acadêmica e concluírem a formação. 

Mestrando e morador do Crusp, que pediu para ser identificado como Belchior, conta que a permanência estudantil é muito mais do que providenciar um quarto e uma cama para os estudantes. É necessário que sejam proporcionadas condições para a manutenção da vida dentro da universidade. Acesso a lazer, alimentação, apoio psicológico e higiene também devem fazer parte das políticas de permanência.

Durante a Feira USP e as Profissões 2022, que ocorreu nos dias 1, 2 e 3 de setembro, na Cidade Universitária, houve um protesto que questionou o comprometimento da universidade com as políticas de permanência. Estudantes manifestaram indignação com o desabastecimento de água no Crusp e reivindicaram uma solução. Segundo os manifestantes,  o evento era um espaço de contradição, com a distribuição de galões de água e grandes investimentos na estrutura, o que, de acordo com eles, demonstra quais são as prioridades da USP e que a moradia estudantil não é uma delas.

Manifestantes questionam o uso da verba universitária durante a feira. Foto: Reprodução/Cecília de O. Freitas

A falta de água é sintoma de algo maior, ou seja, os problemas do Crusp são estruturais e sua resolução não é rápida. A demora causada pela burocracia e a lenta atuação da reitoria para resolver os problemas é incompatível com o ritmo natural da vida e as necessidades básicas dos moradores, conta Belchior. “O tempo da universidade é diferente do tempo da gente”, diz. 

Buscamos a Assessoria de Imprensa USP para entender quais eram os planos  para solucionar definitivamente o problema de abastecimento. Também questionamos a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) e a Superintendência de Assistência Social (SAS) sobre o cumprimento de suas atribuições em relação ao Crusp. Até o fechamento desta edição, não obtivemos respostas. Soubemos, através dos moradores do conjunto, que não foi disponibilizada nenhuma solução estrutural ou provisória, como caminhões pipas.