Dificuldade financeira é uma realidade sistêmica nos times da USP

Atléticas não fornecem respaldo suficiente às equipes esportivas e os próprios alunos precisam bancar os times para conseguirem jogar

por Maria Carolina Milaré Albuquerque

Foto: Maud Hermans/JC

Os times esportivos da USP, divididos pelos institutos e faculdades da Universidade, passam por problemas financeiros durante o ano, tendo dificuldades de manter-se jogando e participando de competições. Os valores altos das inscrições, e outros gastos mensais, acabam fazendo com que os próprios alunos precisem desembolsar dinheiro para manter os times ativos.

As atléticas, entidades responsáveis por integrar os alunos de cada faculdade, e sobretudo organizar o funcionamento dos esportes, não conseguem repassar a ajuda financeira que os times precisam. Essa realidade pode ser mais ou menos grave dependendo do tamanho das atléticas, mas quase nenhuma passa ilesa pelo problema.

Para onde vai o dinheiro?

Os gastos que cada time tem ao longo dos meses são diversos. As equipes que possuem técnicos realizam o pagamento mensal desses profissionais, com valores que podem variar de 400 a 800 reais.

As taxas de inscrição para participar dos campeonatos também representam uma quantia significativa para os times. Um exemplo é o Novo Desporto Universitário (NDU), competição que reúne associações esportivas universitárias de todo o estado de São Paulo, sendo uma das maiores do Brasil e frequentada amplamente pelas atléticas da USP.

Para participar do NDU cada time paga uma taxa de inscrição que varia de 150 reais para esportes como tênis de mesa, natação e xadrez e 300 reais para basquete, futsal, handebol, vôlei, tênis e rugby.

Fora esse valor por modalidade, as atléticas ainda pagam uma taxa anual para poder participar do campeonato. Esse valor pode variar de 540 reais para entidades que participaram da fundação do NDU, até 1.200 reais para novas entidades. E cada atleta participante ainda paga uma taxa semestral de 42 a 48 reais.

Esses valores não cobrem ainda a taxa de arbitragem dos jogos, socorrista — em caso de acidentes com os atletas —, e a zeladoria das quadras. Esses serviços são pagos à parte pelos times a cada jogo. Para modalidades de quadra esse valor é 210 reais e futebol de campo, 385 reais.

Todos esses custos são referentes apenas a um campeonato e é normal que os times participem de mais de um por semestre. Outro exemplo é a Copa USP, campeonato organizado pela Liga Atlética Acadêmica da USP, que conta também com ampla participação dos times da Universidade.

Os valores de inscrição por time deste ano foram de 320 reais por naipe do tênis de campo — feminino ou masculino — , 520 reais para modalidades de quadra e 720 reais para o futebol de campo masculino.

Fora os valores de competições, os times precisam de materiais para prática de cada esporte, como bolas e raquetes, que não costumam ser valores baixos. E ainda, aqueles que resolvem treinar em quadras fora do Centro Esportivo da USP (CEPEUSP), seja por falta de disponibilidade ou pela necessidade de ter mais treinos ao longo da semana, precisam arcar com os valores das reservas desses espaços.

Arte: Lucas Torres Dias/JC

Como isso impacta os times?

Para cobrir todos esses gastos, os atletas e diretores de modalidade (DM) — pessoas responsáveis por organizar o funcionamento dos times — precisam encontrar formas de arrecadar esses valores. Para isso, os times costumam ter a chamada “caixinha”, um valor mensal pago por cada atleta para contribuir com os gastos dos times. O JC encontrou valores entre 20 e 50 reais, mas pode depender de cada instituto.

Além disso, é comum os times fazerem rifas ou produtos para vender, como uniformes de treino, jaquetas com a logo do time, acessórios e outros. As atléticas às vezes conseguem contribuir com algum valor para os times, mas que não passa perto de atingir o necessário para cada time.

Sophia Beneri, diretora de modalidade do voleibol feminino da ECA-USP, relata que a situação financeira do time não está boa e que as atletas buscam formas de compensar isso. “Estamos em um momento de transição, a antiga DM saiu e eu e novas pessoas assumimos o cargo. Também estamos passando por mudanças no sentido de que no primeiro semestre não estávamos competindo em campeonatos que agora estamos e isso traz mais custos para o time. Então por hora estamos negativos [financeiramente] e pensando em estratégias para arrecadar dinheiro”.

Ela comenta, também, que a principal fonte de renda do time são as próprias atletas. E apesar da contribuição individual fixa de cada jogadora mensalmente, determinados momentos necessitam de demandas que o time não consegue arcar e as atletas entram para ajudar.

Os times contam que existe o valor pré-estabelecido das caixinhas, mas aqueles que não conseguem pagar o valor integral podem contribuir com menos, ou não pagar, dependendo da condição de cada um.

Priscila de Oliveira, atleta de basquete e integrante da Geoatlética — atlética do Instituto de Geociências — conta que em 2019, por exemplo, no time havia meninas que não conseguiam pagar o valor mensal por questões financeiras. Por isso, outras atletas, que faziam doutorado, ou que já estagiavam, ajudavam com um valor a mais para ajudar a cobrir as outras.

As consequências dessas dificuldades podem impactar de diversas formas os times. “Se tivéssemos mais tranquilidade e flexibilidade financeira poderíamos fazer as coisas com mais calma e se preocupar menos com relação a certos campeonatos. Também tem a questão da estrutura, a compra de materiais e o pagamento de técnico”, exemplifica Sophia.

“A situação financeira do time está controlada, mas sempre no limite. Se, em qualquer mês, surge um gasto fora do comum, já temos problemas. Isso acaba limitando o time de se desenvolver, já que não temos condições de fazer mais treinos físicos ou alugar mais quadras”, relata o aluno João Pedro Mucciolo, diretor de modalidade do Futebol de Campo do time da Escola Politécnica da USP.

Atléticas: falta de organização e impactos da pandemia

As atléticas não conseguem respaldar financeiramente os times de forma suficiente e, em alguns casos, apenas ajudar de forma simbólica. Isso ocorre tanto pela desorganização das entidades, pela falta de pessoas interessadas em ajudar o esporte, como por desafios impostos pela pandemia, que também afetou o esporte da Universidade.

É comum que quando ocorre a troca de gestão, os antigos membros ajudem e repassem os conhecimentos para os novos membros que formarão as atléticas. Com a pandemia essas transições foram afetadas, e muitas comissões atuais de atléticas não tiveram esse contato com os veteranos. E isso interfere nos dias de hoje. Muitos estão perdidos em qual a melhor forma de arrecadar dinheiro, ajudar os times ou como organizar jogos universitários, por exemplo.

Ludmilla, ex-presidente da atlética da Poli em 2017, concorda com a falta de organização atual das atléticas em geral, mas ressalta esses obstáculos impostos pela pandemia. “Ficou muito mais difícil passar as coisas pros mais novos, rolou um distanciamento natural dada a situação. Muitos da gestão nunca foram a um ‘inter’ [jogos entre universidades], às vezes nem a uma festa universitária, então é injusto cobrar que sejam perfeitos”.

Com um olhar de quem já fez parte de uma atlética, ela também ressalta: “Eles poderiam fazer coisas diferentes para se aproximar dos mais velhos e conseguir mais experiência, mas sei que isso é uma questão de maturidade e de ver como isso faz diferença”.

Sophia, fala pela perspectiva de estar atualmente frente a um time: “É muito comum a gente ouvir das mais velhas do time ‘na minha época tal valor era a Atlética que pagava, tal taxa deveria ser da atlética’ e tudo isso acaba caindo sobre nós, porque enfim, a atlética também está em um momento difícil financeiramente”.

Além disso, as atléticas de faculdades pequenas sofrem ainda mais com esses problemas, principalmente pela falta de pessoas interessadas e disponíveis para fazer parte dessas gestões. Um exemplo é o Instituto de Geociências da USP, que conta com apenas dois cursos e, por isso, são poucas pessoas para fazer parte tanto dos times quanto da atlética.

Os times da Geoatlética precisam se juntar frequentemente com equipes de outras faculdades para conseguir treinar e pagar os campeonatos. Essa pouca quantidade de alunos se reflete também no funcionamento da atlética.

“Acho que falta organização, mas o que falta desde sempre, é muita mão de obra, falta gestão. Somos uma atlética muito pequena, 10 pessoas no máximo e essas pessoas estão geralmente em cargos de CO [função responsável por organizar campeonatos], então fica poucas pessoas para fazer o ‘trampo’ de arrecadar dinheiro”, explica Priscila de Oliveira. A atleta do basquete feminino afirma que por isso a ajuda que eles costumam dar aos times é sempre muito simbólica, não cobrindo nem de perto todas as necessidades financeiras dos times.

Ela conta que ela e mais quatro amigos, por exemplo, estão na gestão há algum tempo e queriam sair, mas não o fazem porque sabem que isso iria quebrar a atlética ainda mais, já que outras pessoas não pegarão seus cargos. Priscila fala, ainda, que os alunos também se sentem cansados, e isso dificulta organizar eventos como festas, por exemplo, que são uma fonte de renda importante para os times.

“O esporte universitário é uma pauta extremamente importante para permanência e construção do senso de comunidade dentro da faculdade. E que para além da Atlética, que é uma organização construída por alunos, a própria instituição deveria dar mais valor e deveria dar mais suporte deveria e estrutura para que isso acontecesse”, reflete Sophia Beneri.