O dia em que a USP parou

Estudantes organizam protesto em defesa da permanência estudantil e fecham acesso à cidade universitária

por Victória Pacheco

Foto: Ana Júlia Maciel/JC

Diversas entidades estudantis e alunos organizaram uma paralisação no dia 20 de setembro para protestar contra o desabastecimento de água no Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo, o Crusp. Outras pautas relacionadas à permanência estudantil também motivaram a manifestação. Erguendo faixas e bradando palavras de ordem como “se a água não voltar, a USP vai parar”, os manifestantes promoveram um “trancaço”, fechando a entrada principal da cidade universitária durante parte da manhã.  

O grupo se reuniu às 6 horas na Praça Professor Reynaldo Porchat, em frente ao portão 1 da universidade. O acesso de carros e ônibus ao campus só foi liberado por volta das 9 horas, quando os manifestantes caminharam rumo ao prédio da reitoria, onde fizeram a leitura de uma carta de reivindicações. 

Trânsito ficou intenso na Rua Alvarenga. Foto: Ana Júlia Maciel/JC

A paralisação foi aprovada em plenária que reuniu estudantes, funcionários e docentes da USP. Segundo os organizadores do trancaço, várias tentativas de diálogo com a reitoria já haviam sido realizadas desde agosto (mês em que tiveram início os relatos sobre a falta de água prolongada).

“A gente tentou várias táticas de mobilização. Já fizemos abaixo-assinado, reunião com a reitoria, enviamos ofício, organizamos manifestações sobre o tema, tanto na assistência social quanto na Feira de Profissões, mas, até agora [dia do trancaço], nada resolveu”, conta Vilu, diretor do DCE Livre da USP. “Como  essas manifestações prévias não foram suficientes, decidimos paralisar a universidade para provocar um maior impacto.”

“Hoje a aula é na rua!”, exclamavam os estudantes. Foto: Ana Júlia Maciel/JC

Posicionamento da USP

Um dia antes da paralisação, a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) enviou um comunicado aos estudantes por e-mail informando que não havia registro de falta de água no Crusp desde o dia 4 de setembro. Também foi afirmado que “os problemas decorriam principalmente do fluxo de água oferecido pela SABESP”, sendo que, em agosto, a concessionária realizou “dois dias de manutenção devido a um problema com a tubulação”. Por isso, “foi necessário o fechamento dos registros para a realização dos reparos”.

Os manifestantes contestam essa versão e alegam que o fornecimento de água não foi regularizado em todos os blocos do Crusp. “A gente tem falta de água intermitentemente, a água vai e volta. Nunca temos 100% de água, principalmente no bloco F”, relata Débora, estudante de Letras e moradora do conjunto.

Manifestantes demandam medidas emergenciais para situações de desabastecimento de água no Crusp. Foto: Ana Júlia Maciel/JC

Para Machado, diretor do DCE Livre da USP, o problema não se resume ao episódio de desabastecimento, e é necessário lembrar da precariedade da infraestrutura da moradia estudantil como um todo: “Os problemas no fornecimento de água são estruturais, tanto pelo fornecimento da SABESP – já que muitas vezes a água chega com baixa pressão – como pela falta de medidas que garantam um armazenamento de água suficiente para os moradores, independentemente desses fatores externos”.  

Ele completa, dizendo que “não existe garantia de que, se houver qualquer problema na encanação ou outro defeito pequeno na estrutura, o Crusp não fique mais 30 ou 40 dias sem água para os moradores”. Por esse motivo, as entidades estudantis defendem a construção de uma estrutura capaz de garantir um fornecimento de água constante, a partir da instalação de um sistema de reservatórios.

“Enquanto morador do Crusp, tenho visto que precisamos de uma reforma ampla.  Faz anos que está havendo problema de água, isso não é algo novo. Foram feitos reservatórios emergenciais, ao lado do bloco F, mas eles não têm sido suficientes”, constata Pedro, estudante de ciências sociais.

Para além da água

O Jornal do Campus entrevistou vários moradores que relataram os desafios que enfrentam no Crusp. Instalações elétricas antigas, problemas de infiltração e mofo nas paredes, cozinhas mal equipadas e elevadores sem funcionar foram alguns dos problemas citados.

Tendo em vista as condições de vida precárias de grande parte dos moradores, o Comitê de Reforma Democrática do Crusp – formado pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE), a Associação de Moradores do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Amorcrusp) e a Associação dos Pós-Graduandos (APG) – redigiu uma carta de reivindicações à reitoria.

Após o “trancaço” do P1, os manifestantes se dirigiram ao prédio da reitoria. Moradores do Crusp, lideranças do movimento estudantil e membros do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) discursaram. Foto: Ana Júlia Maciel /JC

Primeiramente, o comitê exigiu a construção de um sistema de reservatórios e uma rede de distribuição hidráulica capaz de manter um fornecimento adequado. Também foi ressaltada, na carta, a necessidade da criação de planos emergenciais prévios, como a contratação de caminhões pipas.

A outra demanda do comitê é pela participação democrática dos moradores na reforma do Crusp, de modo que iniciativas por parte da reitoria sejam previamente comunicadas e decididas em conjunto com os moradores.

Durante o trancaço, foram levantadas, ainda, pautas como o auxílio-moradia de R$ 500 (ajuda de custo a estudantes de baixa renda que residem fora dos campi). Sobre o assunto, Pedro, estudante de geografia, que recebe o benefício, comenta: “O auxílio não contempla o aluguel, tampouco a comida. Ele está bem abaixo da inflação. É muito difícil conseguir sobreviver só com o auxílio. Eu tenho a oportunidade de ser ajudado pelos meus pais, mas tem muitas pessoas que não.”

Manifestantes erguem bandeiras em frente ao Crusp. Foto: Ana Júlia Maciel/JC

Resultados da mobilização

Em resposta ao trancaço, a PRIP se pronunciou, anunciando soluções para o desabastecimento de água. Conforme divulgou o DCE Livre da USP em suas redes sociais, as medidas adotadas serão: a extensão do horário de fornecimento de água com pressão total até a meia-noite, diminuindo o impacto do racionamento de água feito pela SABESP; o aumento em dobro da capacidade dos reservatórios da moradia estudantil; a contratação de mais trabalhadores para garantir assistência total ao conjunto residencial todos os dias, inclusive aos finais de semana.