Onde estão os professores PPI da FAU?

Em meio à greve contra o sucateamento do curso de Design da USP, estudantes e coletivos negros demandam cotas raciais para a contratação de novos docentes

por Victória Pacheco

Arte: Larissa Leal / Fotos: Kalea Morgan, Oladimeji Odunsi, Mike Von, Marcos Santos, Luenne Neri

Durante a última greve da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU), a Congregação da unidade de ensino aprovou e submeteu à Procuradoria Geral (PG-USP) o pedido de estudantes para que sejam realizadas alterações em editais e bancas de concursos públicos para docentes. Dentre as medidas de inclusão racial exigidas está a reserva de 10 das 13 vagas disponíveis para pretos, pardos e indígenas (PPI).

A demanda se dá em um cenário de escassez de professores no curso de Design da FAU. De acordo com a Associação de Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp), os alunos conclamaram a greve, em 21 de setembro, para protestar contra a decisão da Reitoria de excluir o curso do projeto de contratação de 876 docentes efetivos para a Universidade até o ano de 2023.

A pauta racial foi integrada ao protesto por meio da atuação do Coletivo Malungo, que conseguiu reunir, até o dia 30 (último dia da greve), mais de mil assinaturas em um abaixo-assinado a favor da criação das cotas PPI para professores. 

Após a aprovação da proposta pela Congregação da FAU, o próximo passo será a análise da viabilidade da implementação das cotas PPI. Esse processo será realizado pela Procuradoria Acadêmica, setor da PG-USP responsável por prestar consultoria e assessorar as unidades de ensino em questões de estatuto e regimento, em parceria com a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP). 

Desigualdade racial dentro e fora da universidade

Conforme os dados mais recentes do Portal da Transparência da USP, de setembro de 2022, não há nenhum professor preto, pardo ou indígena no quadro de docentes da FAU, que é composto por 112 membros, dentre os quais 98 são brancos, dois se identificam como amarelos e 12 não informaram a cor. “A USP reproduz uma lógica de favorecimento de uma classe dominante e de uma elite intelectual que tem muita dificuldade de dar abertura ao novo, ao diferente”, analisa Horrana Porfírio, designer formada pela FAU. “Foi assim com os estudantes. Ficamos décadas falando sobre a inserção de cotas raciais para os alunos na USP, até finalmente atingirmos esse objetivo”, complementa.

Autora do projeto “Cadê os pretos no design?”, pesquisa voltada à análise do papel dos profissionais negros do design no Brasil, partindo de uma perspectiva histórica, a especialista explica que a desigualdade racial na USP impede a instituição de cumprir sua função social: “A atual estrutura precisa mudar, tanto a estrutura da classe docente como a discente. É preciso pensar em alternativas de gerar alternância de poder real, para que a sociedade esteja de fato representada, em sua totalidade, dentro da universidade”.

Ao falhar nesse quesito, a universidade impede que professores de diferentes perfis raciais compartilhem não apenas seus conhecimentos, mas também suas experiências e visões de mundo singulares, segundo Horrana. “Estamos falando das bagagens que esses docentes podem trazer de experiências de vidas que agreguem à formação dos alunos enquanto arquitetos, designers ou qualquer outra profissão. Falta a noção de que, quando se remove da universidade um quadro significativo que representa mais da metade da população [no caso da população negra] se impede que as pessoas que se formam nessas instituições de ensino tenham acesso à sociedade real”, diz.

Além disso, a designer falou sobre a predominância de profissionais brancos no ramo do design, além da falta de referências afro-brasileiras: “O trabalho intelectual sempre foi muito negado às pessoas negras, e isso vai se refletir no design. Existem muitos designers negros, é claro, mas existem poucos deles sendo referenciados como produtores de conhecimento. A visão que permeia o design e a arquitetura ainda é bastante eurocêntrica. Daí a importância de se ter professores negros dentro das universidades”.