Por que ainda usamos luvas descartáveis nos bandejões?

Medida é ineficiente para combater o covid-19 e de quebra gera acúmulo de resíduos e contribui para o aquecimento global

por Maria Carolina Milaré Albuquerque

Foto: Antônio Misquey/JC

Os estudantes da USP que fazem suas refeições nos quatro restaurantes universitários (RU) do Butantã já estão acostumados com a rotina de colocar as luvas descartáveis antes de servirem suas refeições. A medida foi instaurada nos bandejões após a volta presencial da Universidade como uma medida para conter a transmissão de covid-19. Com o mesmo objetivo, até pouco tempo, os estudantes também utilizavam as máscaras de proteção e era realizado o distanciamento social por meio da redução da capacidade desses espaços. 

O uso da máscara e o distanciamento já foram liberados pela Universidade e o uso das luvas, a medida menos eficaz entre todas, ainda perdura nos RU’s. Além da ineficiência da medida, o uso intensivo de luvas nos restaurantes universitários gera um lixo desnecessário todos os dias.

De acordo com o relatório realizado diariamente pelos funcionários do Restaurante Central — maior bandejão do Campus Butantã —  entre almoço e jantar são realizadas cerca de 5600 refeições por dia. Considerando a utilização de duas luvas por pessoa para retirada da comida, são descartadas todos os dias mais de 11 mil luvas. Isso apenas no bandejão Central e desconsiderando que há luvas sem uso que são desperdiçadas quando são retiradas a mais pelos estudantes ou caem no chão, por exemplo.

Com o avanço das pesquisas sobre o coronavírus durante a pandemia, pesquisas mostraram que o risco de se infectar com covid-19 ao tocar uma superfície ou objetivo com a presença do vírus é menos de 1%.

Segundo Lorena Carvalho de Souza Chaves, virologista da Emory University em Atlanta (EUA) e especialista em antígenos vacinais e tratamentos para doenças virais, o uso de luvas para manipular alimentos é ineficaz. “Já sabemos que a transmissão do vírus quando está depositado numa superfície é uma transmissão menos eficiente. Lavar as mãos é uma medida de higiene muito mais eficaz do que utilizar a luva”.

“A pessoa pode colocar luva, mas esquecer também que está usando esse acessório e pegar em outras coisas, então manter as mãos higienizadas e limpas é muito mais eficiente para manipular qualquer coisa, principalmente alimentos”, reitera a pesquisadora. 

Outro fator é o lixo gerado. O plástico é um dos materiais que mais demoraram para se decompor na natureza. As luvas descartáveis utilizadas para atividades leves e não clínicas costumam ser fabricadas por polietileno de baixa densidade (PEBD) — material caracterizado por ser transparente, fino e maleável. Esse tipo de plástico pode demorar até 150 anos para se decompor, em um cenário ideal, rico em microrganismos. Enquanto isso, seu volume gera acúmulo de lixo que ocupa algum lugar do planeta.

Os plásticos são produzidos por meio do processo de polimerização, uma reação química  em que moléculas pequenas (monômeros) se juntam formando moléculas maiores (polímeros). As ligações entre esses átomos são muito estáveis e por isso os decompositores naturais, como fungos e bactérias, não conseguem quebrá-las tão facilmente.

Além disso, por ser um produto originado do petróleo, sua composição é principalmente de carbonos e hidrogênio. Por isso, sua degradação libera CO2 para atmosfera, o principal gás responsável pelo efeito estufa.

O JC contatou a divisão de alimentos da Pró-Reitoria da USP para saber quais as justificativas ainda para o uso obrigatório de luvas nos bandejões, mas não obtivemos respostas até a publicação.