Submundo: o que você não sabe sobre a Linha 4-Amarela do metrô paulista

A linha amarela de São Paulo encanta pela tecnologia, mas levanta alertas quanto à privatização de serviços públicos

por Isabel Vernier

Fotos: Antônio Misquey/JC

Para quem vai ao trabalho, à escola ou à faculdade por meio da Linha 4 do metrô paulista, este pode ser apenas mais um trecho do trajeto até seu destino. Mas, ainda assim, não é possível negar que a linha amarela tem diferenças bastante marcantes quando comparada aos três primeiros metrôs construídos.

Desde a simples voz que anuncia a próxima estação até o tecido que forra os assentos, tudo na linha recém concluída parece elevar o nível do transporte público de São Paulo. Mas quais são os detalhes desta linha que escapam aos olhares dos passageiros desatentos que seguem seu caminho da forma automática criada pela rotina?

O JC foi até o Centro de Controle Operacional da ViaQuatro para descobrir o que a maioria dos usuários da linha nunca imaginaram. Conversamos também com Ana Lígia de Carvalho Magalhães, pesquisadora que estuda a rede metroviária de São Paulo e mestre em Arquitetura pela Universidade de São Paulo. 

Tecnologia e automatização 

Se você já viajou no primeiro ou no último vagão de um trem da Linha 4, pôde perceber que não existem cabines para maquinistas. Esse é o sistema CBTC driverless, que permite o funcionamento dos trens através da comunicação via ondas de rádio.

Sendo assim, todo o funcionamento dos trens e das estações é controlado através do CCO (Centro de Controle Operacional). No CCO da ViaQuatro, localizado na Estação Vila Sônia, cinco pessoas operam todas as estações da linha. Um colaborador é responsável por monitorar o fluxo de passageiros e fiscalizar a segurança nas plataformas através de câmeras e da comunicação com os funcionários que trabalham nas estações.

Outras duas pessoas são encarregadas pelo tráfego dos trens. “Os trens andam em modo automático, mas qualquer intervenção é feita diretamente por eles [operadores de tráfego], qualquer aumento ou queda de demanda, inserção ou recolhimento de trem, acompanhamento do nível de lotação, qualquer intercorrência que a gente tenha dentro do trem, eles é que vão fazer a interface”, explica Nathalia Martins, gerente executiva de atendimento da ViaQuatro.

CCO da Linha 4-Amarela

Há ainda o responsável pela parte elétrica da linha e o supervisor do CCO. Toda essa automatização evita falhas humanas. Além disso, a linha foi a primeira a mostrar o nível de ocupação nos vagões e o tempo de chegada do próximo trem, assim como foi pioneira na instalação de portas de vidro nas plataformas.

Ainda assim, caso falhas existam durante a circulação dos trens, os seguranças da linha amarela são treinados para pilotar os trens. No primeiro e no último vagão, existe um painel de controle que será operado por esses funcionários. O Jornal do Campus também conheceu o simulador usado durante o treinamento desses colaboradores.

Simulador de treinamento da ViaQuatro

A primeira parceria público-privada no transporte público brasileiro

Mas, por que a Linha 4 é do jeito que é? A grande diferença dessa linha em relação às outras é o fato de ser uma PPP (Parceria público-privada). O avanço da ideologia de estado neoliberal a partir da década de 90, que via o Estado como incapaz de administrar tal serviço, além de ser extremamente burocrático, culminou na Lei n.º 11.079/04 de 2004, também conhecida como Lei para PPPs, tornando possível tais contratos. 

Mesmo sendo idealizada nos anos 1991 e 1992, a quarta linha já tinha o propósito de ser uma parceira público-privada, ainda que esse modelo não estivesse consolidado, como explica Ana Lígia de Carvalho Magalhães. No entanto, com a crise de 1995 no estado de São Paulo, o andamento no projeto da linha se postergou por anos.

As obras foram feitas da maneira tradicional, com a contratação de empreiteiras para a construção da linha por parte da empresa estatal. No entanto, com a estrutura pronta, foi assinado o contrato de PPP que concedeu por 25 anos a operação da linha à ViaQuatro, em 29 de novembro de 2006.

A realidade sobre a privatização do metrô

De acordo com Magalhães, as infraestruturas do transporte brasileiro são deficitárias. Isso significa que apenas o pagamento da passagem não é suficiente para cobrir este serviço. No entanto, para uma empresa privada que busca o lucro, essa situação não é sustentável.

Nesse caso, o contrato de PPP do estado e da ViaQuatro teve de apresentar garantias e condições para a linha se sustentar. Por isso, o estado paga uma contraprestação mensal para a concessionária. A empresa também possui uma receita vinda da publicidade e da locação dos espaços por lojas, por exemplo. Além, claro, da tarifa.

Como a variação tarifária é bastante sensível para a população, a passagem paga pelos usuários não é a recebida pela ViaQuatro, de acordo com Ana Lígia Magalhães. A empresa recebe uma tarifa contratual fixa. Sendo assim, a concessionária não seria impactada por reajustes.

Ainda sobre a tarifa contratual, caso o passageiro utilize apenas a linha amarela em seu trajeto, 100% dessa tarifa é destinada à empresa privada. Caso o usuário seja compartilhado com outras linhas, a concessionária recebe 50%. Essa contagem é feita através de sensores instalados nas baldeações nas estações da Linha 4. Portanto, a captação ocorre mesmo com passageiros que possuem gratuidade ou pagam metade da passagem.

Para aumentar a segurança da concessionária, o Bilhete Único foi outro fator relevante, já que ele centraliza as arrecadações de todo o transporte da capital. No sistema de trilhos, a Linha 4 e as demais linhas privatizadas possuem prioridade na arrecadação tarifária, fator que extingue os riscos de déficit para a ViaQuatro e outras operadoras privadas.

Isso faz com que o montante que resta para o Metrô e para a CPTM seja ainda menor. Sendo assim, a empresa estatal começou a pedir ajuda do Estado para tornar a operação das linhas públicas sustentável. Ajuda, essa, que provém dos impostos pagos pela população. Com a balança completamente desequilibrada, começam também a surgir pressões para reajustar as tarifas e diminuir a concessão de gratuidades.

Dessa forma, além da população obter um serviço de pior qualidade por conta da situação financeira frágil do metrô, as pressões e os riscos de reajustes prejudiciais aos passageiros aumentam. Riscos que não impactam a operação da ViaQuatro, já que o contrato de PPP assinado garante total segurança operacional da linha amarela.

Quanto vale o trabalho de um funcionário da linha amarela?

O corpo técnico de funcionários da empresa estatal do Metropolitano é extremamente bem qualificado, sendo o pioneiro na implantação do metrô no Brasil e prestando consultoria, até hoje, para outros países. No entanto, o desmonte e a falta de investimento na capacitação de novos funcionários acompanhou a precarização da operação das linhas públicas, reforçando o discurso ideológico da privatização.

Ainda assim, a situação dos funcionários da Linha 4 é bastante complicada. Diferentemente dos metroviários, os trabalhadores da linha amarela não são concursados, trabalhando sob o regime de uma empresa privada como todas as outras. “Isso se refletia, desde o início, em salários muito abaixo, em benefícios e garantias trabalhistas, muito menores em relação aos concursados”, conta Ana Lígia.

Esses funcionários também faziam parte do Sindecrep (Sindicato os Empregados nas Empresas Concessionárias no Ramo de Rodovias e Estradas em Geral do Estado de São Paulo), um sindicato coordenado pela própria CCR (concessionária da ViaQuatro e das outras linhas privadas) e que não possui muita força.

Nesse panorama, a condição trabalhista desses funcionários é bastante inferior comparada a dos funcionários públicos do metrô, mesmo os dois grupos desempenhando o mesmo trabalho. Por isso, em 2013, o Sindicato dos Metroviários passou a pressionar judicialmente a inclusão dos funcionários da linha amarela. 

Em 2018, o sindicato venceu o processo na justiça e os trabalhadores da Linha 4 puderam fazer parte de uma organização forte e decisiva no ramo. Ainda assim, existem temas extremamente sensíveis, como o direito à greve, que impediria a arrecadação da ViaQuatro.

Outro problema vivido por esses trabalhadores é o acúmulo de função. Os funcionários da linha, além de seguranças, devem operar os trens em caso de falha no sistema driverless. No entanto, o salário (que já é menor do que o recebido pelos metroviários do estado) não se aplica a todas as atividades desempenhadas pelo trabalhador.

“O teto salarial deles [funcionários da ViaQuatro] é abaixo do piso salarial dos metroviários concursados”, explica Magalhães. Ela ainda adiciona: “A conta da concessionária só fecha com a precarização do trabalho”.