A ‘química do clique’ na USP

A técnica premiada pelo Nobel em 2022 facilita reações em ambientes complexos, contribui para o desenvolvimento de fármacos e já foi estudada em pesquisas na Universidade

por Bianca Camatta

Arte: Larissa Leal/JC/ Foto: Armin Kübelbeck

A “química do clique” é a técnica que deu o Prêmio Nobel de Química de 2022 aos americanos Barry Sharpless e Carolyn Bertozzi e ao dinarmaquês Morten Mendal. A descoberta e o avanço nesse campo da química, segundo a Academia Real das Ciências da Suécia, é uma revolução na forma como os químicos pensam sobre a ligação de moléculas. Esse novo tipo de reação pode contribuir para o desenvolvimento de produtos farmacêuticos. 

Pesquisas que utilizam essa técnica já estiveram presentes na Universidade de São Paulo e podem se intensificar após a premiação.

Descoberta e avanço da ‘química do clique’

A ideia inicial dos estudos de Sharpless era parar de imitar moléculas complexas presentes na natureza, pois é um procedimento que possui muitas etapas e ainda gera subprodutos indesejados. Para facilitar o processo, Sharpless criou uma estratégia para juntar blocos químicos utilizando “espaçadores”, que contém átomos de nitrogênio ou oxigênio, os quais são mais fáceis de se conectar.

O segundo laureado, Morten Mendal, foi quem descobriu a reação ideal de clique — entre os grupos químicos azidas e alcinos, que seria catalisada com o uso de cobre. Esse catalisador, no entanto, é tóxico e impedia que a reação fosse aplicada, por exemplo, em medicamentos. Carolyn descobriu como o uso do cobre poderia se tornar dispensável — forçando o alcino a formar uma estrutura química em forma de anel. 

“A química do clique possibilita ligar moléculas dentro de um ambiente complexo de uma maneira bastante específica, o que evita subprodutos indesejados”, explica Sayuri Miyamoto, professora do Instituto de Química (IQ) da USP sobre a vantagem desse tipo de reação.  

Aplicação da técnica

No Departamento de Bioquímica do IQ, Sayuri coordenou uma pesquisa que utilizava a química do clique. “A gente usou a técnica para estudar o papel do colesterol oxidado”, aponta. O colesterol é um lipídio abundante no sangue e também no cérebro. Esse lipídio pode sofrer oxidação e, assim, reagir com proteínas.

O grupo alcino foi colocado nas moléculas de colesterol oxidado, que foram adicionadas a um meio biológico. Nesse ambiente, é usado um grupo azida ligado a um grupo que possui fluorescência. “Nós colocamos dentro dessa célula esse grupo azida que vai se ligar muito eficientemente com o grupo alcino que está na pontinha do colesterol”, complementa a professora. 

Com essa ligação, torna-se possível localizar o colesterol oxidado na célula e identificar as proteínas que reagem com esse lipídio. Um dos resultados encontrados nos trabalhos da professora é uma modificação na proteína chamada superóxido dismutase 1, que, quando modificada, pode estar relacionada com a doença neurodegenerativa esclerose lateral amiotrófica. 

Sayuri conta que o grupo não chegou a demonstrar a reação em organismos vivos, uma limitação que se deu devido à paralisação das pesquisas. 

Além da esclerose lateral amiotrófica, a “química do clique” pode ser utilizada com a mesma aplicação do grupo para outras doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson. “Mas a aplicabilidade dessa técnica é muito maior: ela se aplica a qualquer pergunta, em que você quer identificar alvos moleculares de uma forma específica”, diz. 

Perspectivas para próximas pesquisas 

Após a técnica ter ganhado o Nobel, Sayuri acredita que as pesquisas que utilizam a química do clique podem se intensificar. “Podem surgir alunos bastante interessados em fazer algum trabalho usando essa ferramenta”, comenta. 

Assim como a pesquisa que era realizada pelo grupo de Sayuri não avançou, outras pesquisas que utilizam a química do clique podem ter dificuldade para serem desenvolvidas no Brasil devido à falta de investimento em pesquisa no país. 

A falta de verba para a pesquisa, em específico para a química do clique, pode ser prejudicial, pois ela requer a utilização de equipamentos e reagentes caros.

“Muitos alunos brilhantes de doutorado, de mestrado estão optando por trabalhar em pesquisa fora do país”, conta Sayuri. “Se o investimento na educação e na pesquisa não for prioritário no próximo governo, eu vejo mais dificuldades”, complementa.