O que significa sustentabilidade alimentar para um país que está passando fome? 

Núcleo de Extensão da USP trata de alimentação sustentável em um contexto de insegurança alimentar nacional

por João Francisco Motta

Oficina culinária no CEPEUSP sobre o uso da horta comunitária. Foto: Acervo Projeto Sustentarea

O modelo agropecuário historicamente instilado no Brasil, hoje voltado para mercado global, torna o país um dos que mais sofre com as consequências ambientais causadas pelo setor. Aqui se gasta mais água na produção de carne que a média mundial, chegando a 20 mil metros cúbicos por tonelada de produto. A carne bovina, especialmente, utiliza mais que o triplo de água que opções menos danosas, como o frango. Daí surge a necessidade de pensar a alimentação com saúde e sustentabilidade em mente, e o Projeto Sustentarea é a resposta da Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP) para essa demanda.

Nascido em 2012 como Segunda Sem Carne, um projeto no restaurante universitário da FSP, que promovia um cardápio inteiro vegetariano uma vez no mês, este Núcleo de Extensão atualmente disponibiliza informações sobre alimentação sustentável e saudável por diversos canais, como receitas, revistas, e um podcast disponibilizados gratuitamente, exibindo escolhas alimentares alternativas e acessíveis com menos carne e mais opções vegetais. O projeto também conta com oficinas culinárias e grupos de trabalho que estudam a alimentação brasileira, pesquisa importante para a adaptação dos estudos da área para a realidade nacional.  O EAT-Lancet, um artigo referência em alimentação e sustentabilidade publicado na Lancet em 2019, apresenta uma recomendação quantitativa do que é uma alimentação sustentável, envolvendo baixo consumo de carne, alto consumo de frutas, verduras e legumes, e inclui também uma restrição de tubérculos, como batata e mandioca. “Só que essas pesquisas vêm dos Estados Unidos, Europa, onde se come mais batata, por exemplo, não se come as mesmas coisas. Por isso nós temos um grupo de alimentação brasileira, especialmente da mandioca, pensando que no contexto nacional ela é muito interessante, cresce muito facilmente no país inteiro, é hábito do brasileiro”, explica Aline Carvalho, professora do Departamento de Nutrição da FSP e coordenadora do projeto em entrevista ao Jornal do Campus.

“Sustentável” para quem?

É com essa preocupação de incluir ideias de sustentabilidade e boa alimentação na realidade brasileira que o Sustentarea tem atuado nos últimos anos, optando por ingredientes baratos e modos de preparo simples em suas receitas e promovendo eventos culinários em hortas comunitárias como a do CEPEUSP. “Falar sobre isso pra população é um ponto importante, mas garantir segurança alimentar e nutricional, que a pessoa tenha acesso a alimentos de qualidade em quantidade é nossa função básica”, afirma Carvalho. Essa nocão é importante para um grupo na área, que pode vir a carecer de uma visão mais inclusiva (dietas recomendadas pelo EAT-Lancet, artigo citado acima como referência, pode chegar a custar cerca de 90% da renda per capita média de alguns países na Africa Subsaariana).

Tratar de segurança alimentar torna-se cada vez mais importante em um país com  60 milhões de seus habitantes sem garantia regular de comida e com preços de alimentos comuns, como queijo e leite, profundamente afetados pela inflação. Essa redução no poder de compra do consumidor significou um consumo menor de carne, pauta sempre defendida pelo Sustentarea. Porém, essa diminuição pode ser mais danosa que aparenta. “Falar que comer menos carne é mais sustentável, com certeza é, mas só quando as pessoas têm esse poder de escolha. Se ela for obrigada a reduzir o consumo dela por não ter dinheiro, isso sinaliza um problema muito maior”, explica a coordenadora do projeto.

Além disso, esse menor consumo de carne não tem tido qualquer tipo de consequência positiva para o meio ambiente. “Houve um aumento considerável da exportação de carne, o que sugere que a sua produção também foi aumentada, apesar de a população consumir menos desse alimento atualmente”, relata Alisson Machado, nutricionista mentor do Sustentarea, no blog do projeto. 

No campo da nutrição, não são raros os casos de dietas com alimentos caros e incomuns, ou informações mal repassadas ao público. O Projeto Sustentarea é um movimento contrário a essas tendências da área, e revela o potencial e a importância de uma nutrição acessível e ambiental. Seu papel é ainda mais enfatizado no contexto atual do país, em que a demanda por alternativas baratas para alimentos de origem animal cada vez mais encarecidos pode só aumentar.