O retorno do Ministério da Cultura

Setor foi atingido por políticas de desmonte durante a gestão de Jair Bolsonaro

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por Rebeca Fonseca

Arte: Ana Júlia Maciel/Fotos: Pixabay e Wikimedia Commons

No dia 30 de outubro, durante o discurso feito na avenida Paulista, após a confirmação de sua vitória nas eleições, Luiz Inácio Lula da Silva disse que recriará o Ministério da Cultura (MinC). O presidente eleito reafirmou outras propostas de campanha e também prometeu a criação de comitês estaduais de cultura e a transformação do setor em “uma indústria de produzir empregos e gerar renda”.

A extinção do Ministério da Cultura, em 2019, foi uma das primeiras investidas de Jair Bolsonaro contra a produção artística e cultural no país. A pasta foi rebaixada à Secretaria Especial da Cultura e foi subordinada ao Ministério do Turismo. 

Rafael Moreira, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e um dos autores do livro O fim do Ministério da Cultura – Reflexões sobre as políticas culturais na era pós-MinC, diz que, após essa mudança, a Secretaria foi aparelhada. “Foram colocadas uma série de pessoas que não tinham qualquer capacidade para gerir as políticas culturais do nosso país ou então elas são muito competentes na tarefa de destruí-las”, critica.

O autor explica que a extinção do MinC sinaliza para a população que a cultura não tem tanta importância para o país como a saúde e o meio ambiente, que possuem seus próprios ministérios. Além disso, o rebaixamento para secretaria acarreta menor poder de negociação no momento de definir qual parcela do orçamento será destinado àquela área.

A destruição da pasta tem impactos que vão além da cultura brasileira, segundo Rafael. “A Fundação Palmares [órgão vinculado ao MinC] é responsável pela demarcação de territórios quilombolas. Se alguém cresce em um desses territórios e quer pleitear alguma política de cotas, ela precisa de uma determinada certificação, mas isso não foi feito nos últimos anos, então para além da destruição da cultura, há implicações no acesso ao ensino superior público e universalizado, por exemplo”.

Além da destruição da pasta, outras políticas foram desmontadas. A substituição de servidores do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) por indicados políticos sem qualificação, o enfraquecimento da Lei Rouanet e a danificação do acervo da Cinemateca por falta de investimentos em proteção de patrimônio exemplificam o que Rafael define como “cenário de terra arrasada das políticas culturais”.

Nesse cenário, o futuro de alguns órgãos está ameaçado, como o da Ancine, com o possível fim da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine). O tributo é a principal fonte de financiamento do cinema nacional. A proposta está no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) enviado ao Congresso Nacional em setembro e já motivou protestos do setor audiovisual.

Nos próximos quatro anos de governo Lula, há a expectativa de valorização da diversidade cultural no país e de retorno dos investimentos, como Lula manifestou em diversos momentos ao longo da campanha. Rafael acredita que a conjuntura é desafiadora e será necessário um processo de organização e reconstrução do zero das políticas. 

Para ele, a recriação do Ministério da Cultura, com aumento do orçamento destinado a ele, é apenas um primeiro passo. As verbas definitivas ainda não foram definidas, mas espera-se que sejam repassados os pagamentos referentes às leis Paulo Gustavo, ainda neste ano, e Aldir Blanc, em 2023, após decisão do STF.

A composição dos ministérios do futuro governo está sendo discutida, mas Lula ainda não detalhou quem são os cotados para assumir. Rafael defende também que é importante envolver artistas no processo de restauração do MinC para não esquecer quem será impactado diretamente por ele.