Transferência externa: uma forma desconhecida de entrar na USP

Exame dá oportunidade para estudantes que queiram ir de uma faculdade à outra e não funciona como os vestibulares tradicionais

por Antônio Misquey

A Universidade de São Paulo é uma dentre as várias no Brasil que aceita transferências externas. Foto: Isabel Vernier/JC

Época de fim de ano é sinônimo de uma temporada cansativa de provas para milhões de estudantes brasileiros, que sonham com vagas em universidades públicas do país. Para ingressar na USP, considerada a segunda melhor da América Latina de acordo com o QS Latin America Ranking, a Fuvest e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) parecem ser as opções mais viáveis de realizar esse desejo. Contudo, uma opção alternativa e desconhecida também pode entrar nessa conversa: a transferência externa.

Esse processo seletivo, que consiste em transferir alunos de uma faculdade à outra – pública ou particular, nacional ou internacional, com matrícula ativa ou trancada –, é uma ótima opção para estudantes que sonham com a USP e iniciam a graduação em outras universidades. O objetivo do exame é ocupar vagas ociosas em inúmeros cursos que não conseguem preencher suas capacidades totais de alunos.

Para participar do processo, basta seguir os requisitos básicos: estar matriculado em outra faculdade e não estar cursando o primeiro ou o último período do curso. Na USP, as instituições têm liberdade para impor outras obrigatoriedades. Existem aquelas, por exemplo, que solicitam que o aluno venha de um curso idêntico ao desejado, enquanto outras não fazem disso uma exigência.

Para saber dessas informações específicas, a recomendação é que o estudante visite o site da instituição e fique atento às informações lá divulgadas. Entretanto, os processos não costumam ter clareza em seus detalhes e obrigatoriedades, como afirma Pedro Domingues,  estudante de Engenharia de Minas na USP que passou no exame e fundador da Eaduca, um curso preparatório para esse tipo de prova.

“As informações são super desencontradas e confusas. Cada edital sai num lugar diferente. Alguns cursos dizem o que vai cair, outros não. Alguns tem provas antigas, outros não. A primeira batalha já é sobre acesso de informações Até os próprios professores sabem pouco sobre”, afirma.

O exame é opção para aqueles que querem entrar na USP, mas seguem para outra faculdade por necessidade. Foto: Isabel Vernier/JC

Mas e o processo em si, como funciona? O exame é dividido em duas fases e a primeira delas sempre acontece no primeiro semestre do ano. As matérias cobradas são específicas do primeiro ano de graduação do curso desejado. O candidato precisa atingir, nessas questões, um número de acertos acima do valor mínimo estipulado para não ser desclassificado.

Parece simples, mas quase sempre nem metade das vagas oferecidas pelos cursos da USP, que gira em torno de setecentas, são preenchidas. Os exames de transferência externa contam com pouco mais de mil candidatos anuais, em média. Para Pedro, falta uma propagação mais intensa dos processos seletivos.

“Para você ter uma ideia, a “Poli” [departamento de Engenharia da USP] tem em média 85 vagas todos os anos para a transferência, porém apenas 25 em média são preenchidas. Infelizmente, nem os próprios alunos sabem dessa informação. Os poucos que fazem ideia, nunca viram um aprovado, então acaba sendo folclore”, diz. “Para mim, tem a necessidade de dar mais voz aos aprovados. Não só mostrar a possibilidade, mas o que fazer para aproveitá-la. As pessoas não passam pelo fato de ser pouquíssimo divulgado”.

Uma dúvida válida de quem presta o exame é acerca da equivalência de cursos, isto é, as matérias que você precisa cursar de novo ou não em caso de aprovação. Não há um parâmetro definido, mas Pedro afirma que, na USP, o tema não é uma burocracia para quem se transfere. Normalmente, basta a matéria cursada em outra faculdade estar em qualquer um dos cursos da universidade para contar como uma “optativa livre”, e sendo assim o estudante não precisa estudar o assunto novamente.

Em algumas matérias, o estudante também consegue deixar para trás só acertando uma quantidade mínima (comumente, a metade) de questões na prova de transferência externa. Além disso, não há muito motivo para ter medo de atrasar a formação. Caso você consiga a transferência no início do curso da faculdade de origem, o atraso será quase nulo. Essa questão só fica mais relevante quando a aprovação é obtida no final do curso de origem.

A inscrição na prova é gratuita para os cursos da USP. Foto: Isabel Vernier/JC

O Jornal do Campus coletou relatos reais de dois estudantes que ingressaram na USP graças ao exame de transferência externa: o boliviano Brayam Escobar, que cursa Engenharia Civil, e o próprio Pedro, que usa a aprovação para inspirar outras pessoas a trilharem o mesmo caminho. O primeiro contou como ele descobriu a prova de transferência.

“Sempre tive o sonho de estudar em uma faculdade pública, porque não tinha condições de pagar. Só que na época só consegui a nota para entrar na Uninove. Eu descobri a transferência externa no meu segundo ano lá. Fui tentar na raça e não deu certo, porque a prova era muito difícil para mim, eu não tinha me preparado suficientemente”, conta. “Já na segunda tentativa, eu treinei bastante, com bastante exercício. Consegui terminar quase tudo. No geral, foi sofrido entrar aqui, não foi fácil. Mas agora é só alegria”.

Pedro, que inclusive auxiliou Brayam no processo da aprovação, também relatou sua experiência: “Eu fui bolsista a vida inteira durante o colégio, e sempre ouvi falar da USP, Unicamp e Unesp. Infelizmente, nunca consegui sequer passar para a segunda fase e, como a maioria das pessoas, acabei desencanando do sonho e fui fazer engenharia em uma faculdade particular aqui de SP. O sonho de estudar na USP se manteve vivo dentro de mim”.

Ele continua: “Diferente de todos que estavam ali [na nova faculdade], eu não me sentia no meu lugar. O tempo foi passando e aquele sentimento persistia. Minha única certeza era que eu precisava dar uma segunda chance para minha primeira opção”, diz. “Eu tentei uma primeira vez, sem qualquer suporte ou preparação prévia e vi na prática como é difícil a prova. Decidi tentar de novo e, mais preparado, consegui passar. Minha principal sensação foi a de alívio”.

Se identificou com essas histórias? A prova de transferência externa é um grande desafio, assim como o vestibular tradicional, mas com suas particularidades, que podem te encaminhar a uma nova realidade de uma maneira mais democrática. A concorrência é, normalmente, com você mesmo. Vale espalhar para aquele amigo que ainda deseja perseguir um sonho e não sabe como fazer isso. Dê uma chance a si mesmo e venha para a USP!