“De um mês para cá eu comecei a dizer: Há vida durante o câncer”

O projeto Remama tem por objetivo melhorar a condição física, psíquica e social de pessoas diagnosticadas com neoplasia mamária

por Isabella Oliveira e Júlia Castanha

Foto: Rosiane Lopes/JC

Com aulas às terças e quintas-feiras das 8 às 9 horas na raia olímpica da USP, o Remo para Reabilitação pós Câncer de Mama (Remama) atende pacientes do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) e possui parcerias com o Cepeusp (Centro de Práticas Esportivas), com a Rede Lucy Montoro de Reabilitação, da Escola de Educação Física e Esporte (Eefe-USP) e com o Hospital das Clínicas.

Como surgiu o projeto?

Em 2013, a doutora Christina May Moran de Brito, fisiatra, professora em medicina física e reabilitação pela FMUSP, coordenadora médica do serviço de reabilitação do Hospital Sírio Libanês e do Icesp se deparou com um movimento internacional, regido pelo International Breast Cancer Paddlers Commission (IBCPC), que utilizava o remo e a canoagem como reabilitação para mulheres que fizeram mastectomia.

O professor de remo e atual diretor do Cepeusp, José Carlos Simon Farah, conta que até aquela época não era recomendado a prática de exercícios às mulheres que fizeram essa cirurgia, pois acreditava-se que isso poderia causar problemas a elas. Contudo, as pesquisas indicaram o contrário. A professora Christina, explica que ainda há um mito de que essas pessoas não podem praticar exercícios com sobrecarga no segmento superior do corpo, devido ao risco de causar linfedema [acúmulo de líquido linfático no tecido adiposo]. Hoje em dia, sabe-se que a prática é segura e benéfica

Christina também comenta sobre como surgiu a ideia de trazer o projeto para o Brasil: “Na época, o movimento internacional [de adoção do remo como reabilitação] estava em 12 países, então, eu pensei ‘vamos colocar o Brasil nesse mapa. Conversei com Carlos Bezerra de Albuquerque, diretor do Cepeusp e com Linamara Rizzo Battistella, professora titular de fisiatria da FMUSP e a gente adquiriu primeiro o remo ergômetro da rede de reabilitação na faculdade e fizemos a parceria com o Cepeusp com 12 vagas para pacientes com câncer do Icesp”.

Depois do remo ergômetro, a equipe passou a utilizar a canoagem e, atualmente, treinam com o barco “dragão”, que integra o nome da equipe: “Remama Dragões Rosa”. “Lá nos Estados Unidos, esse barco virou um símbolo do câncer de mama, é algo simbólico. Do ponto de vista do exercício, todos os barcos proporcionam a mesma coisa. A diferença é que o dragão é muito mais coletivo, cabem vinte pessoas remando, é muito mais animado do que remar sozinho”, explica Farah.

Em 2017, a Eefe passou a integrar o projeto. Eles fornecem bolsas de estágio e de pesquisa, tendo como meta investigar o impacto das atividades físicas supervisionadas em mulheres com câncer. 

Então, “o Icesp acolhe as mulheres, faz o diagnóstico, tratamento e encaminha para a Raia. Nós as colocamos no barco, as ensinamos a remar e as colocamos em treinamento com os estagiários da Eefe. E uma coisa que eu quero ressaltar, quando o serviço público se une e é sério, funciona, o projeto Remama são três instituições públicas que estão fazendo o bem público”, complementa Farah.

Em novembro de 2022, o programa contava com 49 integrantes ativas, mas já chegou a atingir 76. Além de Farah, os professores Christian Klausener e Marcos Ito também orientam os treinos das meninas. Quem conecta as remadoras às instituições, além de recepcioná-las é Denise Reis Chagas.

Sobre o remo

O remo é um esporte aquático que pode ser praticado em pistas construídas especificamente para este fim, lagos, rios, ou até mesmo no mar. Segundo informações da Associação para a Educação, Esporte, Empreendedorismo e Direitos dos Pacientes da Divisão de Reabilitação do HC (Aedre), entre seus benefícios estão a melhora da capacidade física, da composição corpórea, da fadiga oncológica, dos transtornos do humor, dos distúrbios do sono e do controle do linfedema (após o tratamento e estabilização).

Foto: Rosiane Lopes/JC

De acordo com a médica Christina May, “Esse treino em equipe com pessoas que passaram pelo mesmo processo é muito importante, funciona como uma rede de suporte, é muito motivador. 

“O exercício regular auxilia na redução da recorrência do câncer de mama, então aumenta a sobrevida, é remédio para o câncer de mama literalmente” 

Christina May, médica

“A criatividade dos monitores da educação física é infinita”

Durante a pandemia de covid-19, os encontros do grupo passaram a ser on-line. “As aulas sempre foram ótimas, focando na força e funcionalidade do corpo. A criatividade dos monitores da Educação Física é infinita”, conta Miriam Ramos, locutora aposentada da Rádio USP e integrante do Remama.

Miriam conheceu o projeto em 2015, após ser diagnosticada com um câncer de mama bilateral e precisar fazer uma mastectomia dupla. “Eu já trabalhava na rádio USP e soube que o professor Ricardo Linhares, hoje aposentado, treinava meninas que tiveram câncer no remo na Raia Olímpica da USP. Enviei um e-mail para ele e fui convidada a participar da equipe desde então”.

Foto: Rosiane Lopes/JC

Para a locutora, o fato de todas estarem no mesmo barco, sempre dando força quando surgem adversidades e comemorando as conquistas, auxiliou no fortalecimento da saúde mental. “É uma alegria estarmos juntas em qualquer ocasião, todos os momentos são especiais”.

“Qual palavra você usaria para definir o Remama? 

Acolhimento. Essa é a palavra” 

Miriam Ramos

“O projeto tem sido para nós uma família”

Cinco anos atrás, Maria de Lourdes Apolônio descobriu um câncer de mama. Atualmente ainda faz acompanhamento médico, mas como ela própria disse “Graças a Deus, hoje estou liberta, praticamente curada”. 

“Me sinto uma pessoa renovada, tanto que vim para o Remama 

e me fortaleceu, fortaleceu minha vida. Estou muito feliz e

 quero continuar nesse projeto por muito tempo.”

Maria de Lourdes 

Durante a conversa, Maria de Lourdes fala da importância da realização dos exames de prevenção contra o câncer de mama. Ela havia feito a mamografia quatros meses antes de receber o diagnóstico. “Foi difícil no começo, fiz quimio e radioterapia, todos os procedimentos que o Icesp me ofereceu, eu agradeço aos médicos de lá, eles me acolheram, isso é muito importante.”

Roseli e Maria de Lourdes falam sobre o desejo de permanecerem por muito tempo no projeto e da felicidade que é integrar a equipe. Foto: Rosiane Lopes/JC

“O que importa é a vida!…Vamos em frente, ela é bela”

Roseli Oliveira do Nascimento Vale, conta que também conheceu o projeto por meio do Icesp. “Ela [oncologista] me falou desse programa e eu fiquei apaixonada”.

Em 2019, após terminar os procedimentos cirúrgicos, a quimio e a radioterapia, ela foi encaminhada para o Remama. “Em 2020 eu tive a recaída, estou com metástase, mas isso não me desanimou em momento algum, continuo me tratando, praticando remo; porque o remo e os exercícios físicos contribuem muito para o nosso bem estar físico, cardíaco, respiratório, emocional e espiritual também”.

“De um mês pra cá, eu comecei a dizer ‘Há vida durante o câncer’, porque um diagnóstico não é um diagnóstico de morte, é um diagnóstico de vida se você se lançar ao tratamento com confiança, com fé. Passando por todas as etapas com serenidade, com leveza, a gente supera”

Roseli Vale

Quando questionadas acerca de uma definição para o programa, as amigas Maria de Lourdes e Roseli logo afirmaram: felicidade, amor, alegria, compreensão e apoio.