É hora de ser real

Novo aplicativo sem filtros promete ir no caminho contrário ao das redes sociais viciantes e encanta geração Z

por Duda Ventura

Foto: BeReal

Você tem dois minutos para mostrar ao mundo o que está fazendo nesse momento. Como esse cenário te soa? Desesperador? Engraçado? Esquisito? Essa é a proposta do novo aplicativo BeReal, que consta entre os mais baixados na internet nos últimos meses, e vem fazendo sucesso entre os mais jovens. 

Na rede social, o usuário tem uma função: postar, todos os dias, apenas uma foto com a câmera traseira e dianteira ao mesmo tempo, e compartilhar com seus amigos e, se quiser, com todas as demais pessoas que têm BeReal. Depois de publicada a imagem, uma frase motivacional aparece na tela e o fotografado pode postar outra foto reagindo às dos outros, ou comentá-las. Se optar por legendas, pode escrever curtos contextos para seus cenários. Obviamente, os filtros foram deixados de fora. Assim, todos têm que ser “reais”. 

Caso o usuário não veja a notificação chegando, ele pode esperar e tirar a foto em outro momento do dia. Mesmo atrasadas, as fotos dos colegas só podem ser visualizadas depois da publicação da sua própria imagem.

Sucesso no Brasil desde agosto de 2022, o objetivo dos franceses Alexis Barreyat e Kévin Perreau ao criarem o BeReal é caminhar no sentido oposto ao traçado pelas outras redes sociais: com apenas dois minutos de uso por dia, as chances de vício no aplicativo são menores. Não há propagandas até o momento no aplicativo gratuito. 

“O BeReal é uma rede que te permite se conectar com as pessoas de forma mais espontânea”, afirma Bruna Giacometti Colassuonno, estudante de Farmácia na USP. A aluna de 18 anos ainda compara essa plataforma com outras já conhecidas. “No Instagram, no Whatsapp, sempre ficamos pensando no que vamos publicar.”

A doutora em Psicologia Médica e Social Joana Moraes explica que, pelo aplicativo prometer não usar filtros e trabalhar dessa maneira menos posada, ele pode ser menos danoso psicologicamente para os usuários a longo prazo. “O discurso que o BeReal está apoiando é um discurso de aceitação corporal, que promove a saúde mental.”

O movimento a que a psicóloga se refere é chamado Body Neutrality, que prega uma visão neutra sobre os corpos. Ou seja, caminhando na direção contrária daquelas visões que pregavam um otimismo exagerado sobre eles e, também, da pressão social pela beleza.  

Em um país como o Brasil, que consta entre os maiores em números de cirurgias plásticas e é o mais ansioso do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde, o aplicativo conquista espaço com uma rapidez impressionante. Na Universidade de São Paulo, não é incomum observar diversas pessoas com suas câmeras apontadas para cenários no momento em que a notificação chega, uma vez que esse momento é o mesmo para todos os usuários de um mesmo país. “Eu fui relutante para baixá-lo, mas vários amigos de diferentes grupos sociais começaram a comentar, e me animei a usar também”, explica Bruna.

Os jovens da geração Z, aqueles nascidos entre 1995 e 2010, são maioria entre os adeptos do aplicativo, e também entre os mais ativos nas outras redes sociais. Moraes relaciona a dependência que os adolescentes de hoje criaram com as imagens nas redes sociais à forma como as pessoas interagiam com elas em outros meios de comunicação: as imagens em revistas, no cinema e na televisão também eram alteradas e criavam padrões corporais – o que continuam fazendo hoje, mas dividindo o espaço com a internet. 

O Bereal vem se adaptando e moldando, como as outras redes sociais, às vidas dos usuários. Alguns criticam a falta de veracidade nos cliques dos colegas, que fazem poses ou esperam para publicar suas fotografias em momentos “especiais” do dia, como festas ou situações engraçadas. “Nem sempre conseguimos ser reais”, diz Bruna, que tenta tirar a foto assim que a notificação chega, mas às vezes não consegue. “Para conseguirmos alcançar a realidade mesmo, só com a vida real, nenhuma rede social consegue isso.”

“Aplicativos como esse tentam desacostumar o olhar das pessoas de que o aceitável é somente uma beleza irretocável”, confirma Joana. “Existe um imaginário intolerante e severo quanto às imagens, e o BeReal contribui politicamente para essa mudança de estigma. Nós podemos consumir itens que sejam menos danosos para nossa Saúde”. Podemos procurar, ao fim, uma vida mais real.