Faz sentido querer a bandeira do Brasil de volta?

No intervalo de três meses que separam os protestos do sete de setembro e da Copa do Mundo, os símbolos nacionais estão imersos em conflitos político-culturais. Mas qual o valor de pintar a cara de verde e amarelo?

por Lucas Tôrres Dias

Foto: Lara Paiva

Entre eleição e Copa, a bandeira brasileira passa por um momento de crise existencial. A disputa pelo uso do verde e amarelo é, em última instância, um conflito do que é ser patriota e sobre quem tem o direito de se assumir como verdadeiro brasileiro. Minha opinião é de que todos têm. Ou ninguém. Na realidade, tanto faz. Não consigo enxergar o patriotismo como qualquer coisa além de um valor vazio.

Na Copa torcerei pelo Brasil. Nunca morei no Japão, nunca fui ao Japão e nem falo japonês. Por outro lado, por acaso, por via das aleatoriedades do universo, nasci no Brasil, moro no Brasil e falo português. Acabam aí meus motivos para torcer pelo Brasil em detrimento do Japão. Tivesse a roda aleatória do universo dado outro resultado, então eu teria outra preferência e é simples assim.

Meu ponto é: nasci em uma família cruzeirense e por isso torço pelo Cruzeiro. Não apoio esse time por um valor, mas simplesmente porque é assim, as coisas se desenrolaram assim e, dado o meu contexto, eu não teria motivo algum para torcer pelo Botafogo. Com isso, não nego a identificação e a cultura, digo apenas que torcer pelo Cruzeiro, enxergar nisso algum tipo de valor ou moral, é vazio. Tivesse eu nascido no Sul, talvez fosse gremista; em São Paulo, talvez corinthiano; na Argentina, talvez vibrasse cada gol contra o Brasil. E tudo bem.

Um contra-argumento seria que o patriotismo é muito mais do que a valorização da nação: é sobre fraternidade, sobre companheirismo, sobre sentimento de união e de solidariedade. Ok, mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Dar sentido a ele enquanto fonte de altruísmo não é falar sobre a coisa em si, mas sim sobre outro valor que está se ligando a ele no momento. Ou seja, se um patriota é solidário com um conterrâneo, então ele está sendo solidário e ponto – e isso por si só já é um valor. Não tem nada a ver com patriotismo, e por isso para mim não é válido dizer que ele é a fonte de outras virtudes.

Foto: Lara Paiva

Seria diferente se o ajudado fosse um estrangeiro? Se não, sustento minha opinião de que o valor é a solidariedade e não o patriotismo. Se sim, enxergaria isso até como algo negativo, como se eu não fosse ajudar um atleticano porque prefiro dar preferência aos cruzeirenses. Uma coisa é a identificação, outra é a virtude. Reconheço-me como brasileiro porque, afinal de contas, eu sou um. Faço parte da cultura, da língua e da história. Entretanto, nunca pensaria em morrer ou matar por uma ideia de Brasil, que para mim não é nada mais do que um conceito abstrato e arbitrário.

Mas há quem morreria e há quem está morrendo por isso. Não fosse o patriotismo dos ucranianos, é possível que a Rússia já tivesse dominado o país. “Ah, então você defende que os ucranianos deveriam ter aberto mão de seu país imediatamente? Afinal, tanto faz se é Rússia ou Ucrânia”. Também não é assim. Até porque não é somente a ideia do país que está ameaçada, mas sim a soberania e liberdade daquela população, a representatividade política e autodeterminação nas decisões.Não é sobre é sobre cair em uma indiferença absoluta, rejeitando as individualidades e propondo um grande Estado sem identidade como algo saído direto do livro 1984, de George Orwell. O ponto é entender-se como parte de um tempo-espaço sem enxergar que isso é certo ou errado, que deve ou não deve, mas que simplesmente é. Se sou brasileiro é porque nasci no que chamamos de Brasil, e sobre isso não devo nada a ninguém.