Fuzil no campus e a dificuldade da USP para resolver conflitos

Ação armada para entrega de intimação recebeu críticas até da Prip; especialista vê “militarização”

por Dani Alvarenga

Manifestação em frente a reitoria no dia 23 de março. Foto: Fernanda Real/JC

O episódio viralizou: quem ia em direção ao bandejão da USP por volta das 13 horas do dia 22 de março presenciou uma cena preocupante: um homem – depois identificado como policial civil – portava um fuzil e andava pelos arredores da moradia estudantil, próximo ao refeitório central da universidade. Ele estava acompanhado por um guarda da USP e uma delegada. Os três procuravam uma aluna para entregar uma intimação acerca de um possível crime de racismo. 

Pedindo para não ser identificada, a aluna procurada pelo agente afirmou, em entrevista ao JC, que foi informada por colegas que havia um policial armado perguntando por ela. “Eu os presenciei abordando uma estudante preta, com o fuzil apontado para ela, o cara apontou o fuzil para ela e perguntou se ela era eu”. Com medo, entrou em contato com a professora Adriana Alves, do Instituto de Geociências (IGc), que já a acompanhava em relação aos auxílios na universidade. 

Ao ver o policial com o fuzil e vestido com uma camiseta dos Justiceiros – filme da Marvel que fala sobre vingança com as próprias mãos –, a professora pegou o celular e gravou a abordagem. O oficial, ao vê-la filmando, solta a arma e afirma estar ali apenas para entregar a intimação. A aluna questiona se o processo é sempre feito daquela forma e recebe a resposta de que ele não poderia deixar o fuzil no veículo. 

A aluna relata que esse é mais um capítulo de uma perseguição política que vive dentro da universidade. Ela declara que, por entrar em disputas com outros moradores e com a gestão do Conjunto Residencial da USP (CRUSP), passou a vivenciar “cenas de repressão”, em especial com a guarda universitária. 

Alunos flagram policial com fuzil na USP. Foto: Reprodução/Twitter

De acordo com o relato de um porta-voz, que pediu para não ser identificado, da Associação de Moradores do CRUSP (AMORCRUSP) foram as discussões dentro do local que fizeram com que a aluna passasse a enfrentar uma investigação, que culminou na entrega da intimação no dia 22. Durante um bate-boca, a aluna, que também é negra, afirmou que outro morador imigrante agia como “capitão do mato”. Após o conflito, uma pichação apareceu nas paredes do bloco G, com os dizeres “Volta pra África”. A aluna diz não ser responsável pela frase racista. Ela afirma ainda que outros colegas também passaram a ser perseguidos pela guarda e policiais dentro da instituição. 

A associação de moradores do CRUSP defende que o processo de racismo não justifica a violência que a aluna viveu na abordagem policial. “A gente defende que a investigação continue, mas, ao mesmo tempo, a gente não concorda com essa abordagem violenta. Ele justifica no vídeo que eles fizeram outras diligências durante o dia, por isso estavam armados daquele jeito, mas a gente acha bem desproporcional e sem necessidade”, afirmou o porta-voz.

A relação conturbada dos estudantes com as forças de segurança não é nova. Alunos relatam abordagens mais agressivas desde que a universidade passou a ter parceria com a polícia militar. Em 2022, em meio aos protestos pela falta de água no CRUSP, moradores também pediram a saída da PM do campus, que possui uma base na universidade desde 2020. De acordo com os manifestantes, eles já haviam vivido situações de ameaças por parte dos agentes. 

Para Telma Vinha, especialista em resolução de conflitos e professora da Unicamp, explica que a presença da polícia em ambiente estudantil pode ser contraprodutiva, trazendo uma militarização que não condiz com o espaço de aprendizado. “Porque um conflito entre estudantes e mesmo dentro da Universidade tem que ser resolvido com a polícia como primeira alternativa? Quando você entra com uma polícia dentro da Universidade, você está tentando resolver um conflito de uma maneira violenta. A abordagem violenta intimida, mas não transforma concepções”, afirma. 

Telma também ressalta que é preciso combater casos de violência. De acordo com a especialista, as universidades precisam de ferramentas que resolvam o conflito imediato e a longo prazo, com atividades preventivas. “Você planeja tanta coisa na universidade, você tem que planejar uma cultura em que o diálogo é valor, uma cultura de aprendizagem, de resolução não-violenta. Tem um espaço de diversidade, um espaço de uma riqueza enorme de convivência na universidade, só que isso tem que entrar a seu favor”, justifica a especialista.

Em resposta ao ocorrido, a Divisão de Promoção Social e Esporte da Pró-Reitoria de Pertencimento e Inclusão (PRIP) publicou uma nota afirmando que “a Universidade NÃO REQUEREU NEM CONCORDA [maiúsculas no original] com ações dessa natureza, da forma como foi realizada”. Informou ainda que estão averiguando o caso para que não ocorra novamente. O JC entrou em contato com a guarda universitária, mas não obteve resposta até o momento.