“Colapso”, “desmonte”, “calamidade”: falta de docentes põe curso de Letras em crise

Professores e alunos se unem para denunciar escassez crônica de docentes, que pode levar ao fim de habilitações exclusivas no Brasil

por Damaris Lopes Pedro Fagundes

Cadeiraço em protesto à falta de professores no prédio da Letras. Foto: Diogo Leite/JC

“O curso de Letras está simplesmente colapsando”, afirma o professor Adrián Pablo Fanjul ao expor a mesma adversidade que o bacharelado em Obstetrícia vem enfrentando: a falta de docentes. O problema não é exclusivo e muito menos novo, mas piora gradativamente. “De 2014 a 2023, a USP perdeu cerca de 14% do corpo docente. Mas o curso de Letras teve uma redução de 25%. Algumas áreas, como o departamento que eu chefio, perdeu 34,7% dos professores”, aponta Fanjul, que também é chefe do Departamento de Letras Modernas (DLM).

Os dados apresentados pelo professor mostram-se ainda mais preocupantes por se tratar do curso da USP com o maior número de ingressantes por ano. Só em 2023, foram 900 calouros. O DLM abarca as línguas estrangeiras mais buscadas pelos estudantes, como inglês, espanhol, francês e alemão. Se não há professores lecionando determinadas matérias obrigatórias, os alunos não podem receber o diploma. 

A situação se agravou neste ano por uma combinação de fatores. Fanjul explica: “Iniciamos o ano letivo de 2023 sem novos docentes, pois a reitoria segurou as contratações. Por outra parte, mudou a lei estadual em relação à contratação de professores temporários”. 

Sobre o segundo ponto, ele detalha: “A Letras e talvez outros cursos da USP não tinham colapsado até 2023 porque a reitoria utilizava o recurso do professor temporário como um modo para não contratar docentes. Mas agora, pela lei, você só pode contratar temporários quando realmente há uma necessidade temporária”, afirma, referindo-se a ocorrências como licenças médicas. Quando o que existe é um claro docente – ou seja, a falta permanente de um professor para uma disciplina –, só abrindo concurso.  

A percepção dos estudantes converge com as críticas do professor. Mandi Coelho, aluna de Letras, da habilitação russo-português, define o cenário do Instituto com a palavra “desmonte”. Neste semestre, por exemplo, Mandi deixou de cumprir metade da carga horária prevista, em decorrência do afastamento de um único professor. “Estamos diante de uma calamidade. Sem o apoio da reitoria, testemunharemos o fim de habilitações”. Esse é o caso do coreano, bacharelado oferecido apenas pela USP em todo o Brasil, que conta, hoje, com somente um docente. 

Sobre a rodagem de professores substitutos, Mandi descreve como “ineficiente e efêmera”. Segundo a estudante, transformar essa modalidade de contratação em algo padronizado destrói a carreira docente e precariza a instituição pública, por conta da brevidade do cargo e os baixíssimos salários. “Um atentado contra o próprio caráter formador do curso.” 

Em luta por essa bandeira, o Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários Oswald de Andrade (Caell) organizou uma paralisação, no dia 10 de maio (quarta-feira), que reuniu discentes e docentes do curso de Letras para marchar até a porta da Reitoria.

O Caell também divulgou em seu Instagram três vídeos apresentando o panorama de queda no número de professores dos departamentos de Letras Orientais, Modernas e Linguística. Juntas, as publicações somam mais de 23 mil visualizações. “A conjuntura é complexa. Somos cinco repartições vastas, com maiores ou menores urgências. Falta, portanto, homogeneizar a demanda e mobilizar o corpo estudantil”, finaliza Mandi.