Existe etarismo na USP?

O JC conversou com uspianos com mais de 40 anos sobre suas experiências na graduação e apurou casos de preconceitos contra estudantes mais velhos

por Mateus Cerqueira e Fernanda Real

ETARISMO USP
Estudantes de Turismo Célia Fonseca e Lucia Cerqueira em sala de aula. Foto: Fernanda Real/JC

Exclusão dos círculos sociais, distanciamento em sala de aula e posturas hostis por parte de uspianos mais novos. Estas foram algumas das dificuldades enfrentadas pela estudante Ana Caperuto, 65, na época em que cursava Oceanografia, e na atual graduação em Letras. “Na Oceanografia eu senti uma certa rejeição de primeiro momento por conta da minha idade, mas que foi mudando conforme o tempo”, relata. “Na FFLCH [Filosofia, Letras e Ciências Humanas], nesses dois anos de curso, nos dois primeiros semestres, eu senti uma certa exclusão por parte dos colegas”.

A estudante também revela que alguns dos professores do Instituto Oceanográfico da USP tinham um tratamento diferenciado com ela por conta de sua idade. “Percebi que alguns professores me tratavam como se eu fosse um caso dispensável, ou uma aposentada matando o tempo ali”, diz.

Esse conjunto de atitudes tem nome: etarismo, termo que o dicionário define como “preconceito contra pessoas por causa de sua idade”. O caso da Ana pode parecer isolado, mas práticas etaristas, como estereótipos, discriminações e preconceitos estão presentes no campus Butantã. Durante a apuração, alunos de graduação testemunharam já terem observado atitudes preconceituosas por colegas contra estudantes mais velhos.

“Eu me redescobri depois dos 60 na USP”

Ana Caperuto, 65

Apesar disso, os estudantes com mais de 40 anos ouvidos pelo JC contam que a universidade continua sendo um espaço construtivo para suas vidas. “Eu me redescobri depois dos 60 na USP”, diz Ana.

Dos 40 aos 71

Para Geovane Rodrigues, 42, bancário, foi na USP que descobriu o curso dos seus sonhos após ter desistido de um tecnólogo em saúde pela UNIFESP e duas graduações. “Foi aqui que me encontrei e pude ver o que realmente queria. Hoje, faço Oceanografia e termino ainda este ano”.

Quanto às suas relações em sala de aula, ele afirma que não sentiu tanta diferença no tratamento dos colegas, mas que já foi alvo de piadas por conta da sua idade no início do curso. “Não levei tão a sério, pois foi na esportiva. No geral, não tinha muita barreira entre a gente”.

Geovane também aponta que, ao iniciar a graduação, observou uma grade pouco adaptada para pessoas de maior idade como ele. “Se formos pensar no etarismo na graduação, ele começa aí: cursos pensados para pessoas mais novas e restritos para aqueles que têm outras ocupações, como é o caso dos cursos em período integral”.

A percepção de Geovane pode ser fruto do baixo número de ingressantes nos cursos de graduação com idade igual ou superior a 40 anos. Segundo a Pró-Reitoria de Graduação (PRG), dos 11.147 alunos ingressantes de 2021, 230, ou 2,06%, tinham essa faixa etária, com o ingressante mais velho com 69 anos. Já em 2022, dos 10.992 ingressantes, 284, ou 2,58%, tinham 40 anos ou mais, com o ingressante mais velho com 71 anos.

Culto à juventude

O etarismo mais frequente é aquele que ocorre às pessoas mais velhas, o que, para Esny Soares, pesquisador do Instituto de Psicologia da USP, é um desdobramento do “culto à juventude”, injustificado em um país com uma população que se torna cada vez mais longeva como no Brasil.

O perfil da população brasileira não é mais o mesmo de 20 anos atrás, e a pirâmide etária já não ilustra uma base com muitas crianças e jovens. Mas a sociedade ainda reproduz um comportamento agressivo contra idosos em universidades e centros acadêmicos.

O caso de etarismo na faculdade privada em Bauru, no interior de São Paulo, é um exemplo disso. Em março, três estudantes da Unisagrado debocharam de Patrícia Linhares, uma colega de classe, pelo fato dela ter “40 anos”.

“Quando um idoso chega na universidade, é comum que ele se sinta estranho. Há uma ideia na cabeça deles de que serão rechaçados. E não é incomum que os jovens também entendam que aquele não é um ambiente do idoso”, conta Esny. A mudança desse tipo de comportamento, para ele, irá decorrer somente com a quebra do culto à juventude. A partir daí, o jovem não se amedronta com o envelhecimento e o idoso pode se sentir bem-vindo no espaço acadêmico.

A entrada nos cursos de graduação é algo único em qualquer faixa etária e pode ser uma experiência muito positiva para os mais velhos, pois torna a vida mais ativa, aumenta o ciclo de interações sociais e, em alguns casos, retarda doenças degenerativas. Juvenal Pereira, agora com 77 anos, experienciou isso aos 64, ao iniciar o curso de antropologia da FFLCH.

“Fui um excelente aluno. Não faltei e não ‘bombei’”. E mesmo que tenha se sentido deslocado de início, os anos como aluno na USP renderam a Juvenal participações em atividades extracurriculares, como performances artísticas e bancas de doutorado.

A experiência dele ilustra uma universidade mais acolhedora e que gerou benefícios profissionais e sociais. “Durante esses seis anos que estive por lá, sempre fui valorizado por ser um cara de experiência”, completa Juvenal.