Quem aí veio parar de fumar?

As relações entre juventude, tabagismo e o estresse, analisados a partir de um grupo antitabágico do HU

This image has an empty alt attribute; its file name is Co%CC%81pia-de-ciencia-1.png

por Ana Beatriz

Às 09h em ponto de uma terça-feira, Lotufo buscou os fumantes na recepção do Hospital Universitário: “Quem aí veio parar de fumar?”. Exceto eu, quatro pessoas se levantaram. O médico João Paulo Lotufo é coordenador do projeto antitabágico do Hospital Universitário da USP e também está por trás do programa de prevenção ao tabagismo nas escolas com o Dr. Bartô e Os Doutores da Saúde. 

Participei de um dos seus encontros regulares para aqueles que desejam parar ou se manter não fumantes. Ele me explicou que a reunião costuma ter cerca de trinta participantes, mas que a falta de medicação no hospital, o cloridrato de bupropiona, que auxilia na diminuição da vontade de fumar, afasta algumas pessoas do programa. Com os outros três que chegaram um pouco depois, éramos nove pessoas na sala.

O médico começa a reunião expondo dados preocupantes. A nicotina é a terceira droga mais viciante, superada apenas pela heroína e pela cocaína. “Eu começo a brincar de fumar com os amigos, quando eu vejo já estou dependente, simples assim”. Parece exagero, mas é justamente a facilidade em desenvolver adições na juventude que torna o cigarro tão popular e próximo. 

A começar pela dependência psicológica. Segundo a psicóloga Beatriz Ávila, residente no Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Adulto e do Idoso do Hospital Universitário de Aracaju (SE), é fácil criar um vínculo com o cigarro.  Fumar em uma mesa de bar com amigos produz lembranças de satisfação que serão associadas ao fumo. Mais tarde, a partir da memória de relaxamento e por sua rápida ação no corpo humano — cerca de 10 segundos entre a tragada e a chegada das substâncias ao cérebro — o cigarro pode ser usado como fuga de situações desconfortáveis e fazer crer o fumante que a saída mais rápida para resolver seus problemas é colocando um fumo entre os lábios. Não coincidentemente, ainda segundo a psicóloga, “uma parcela significativa dos fumantes apresentam índices consideráveis de transtornos de ansiedade e depressão”. 

Na juventude, os meios mais fáceis para solucionar problemas são os mais procurados pela impulsividade. Apesar disso, a dependência psicológica acompanha o fumante mesmo na fase adulta. Depois de perguntar a uma das pacientes do grupo há quanto tempo ela não fumava, Lotufo ouviu o que começou com: “No meu caso, doutor, veja bem, eu já vinha quase parando, mas…” e se tornou a explicação de como o estresse causado por um familiar a incentivou a voltar. A senhora de blusa azul e voz rouca, que preferiu não ser identificada, tem 60 anos e disse já ter fumado três cigarros àquela altura, mas “se deixasse, fumava um maço por dia”.

Ela  foi acompanhada do marido, filho e nora, sendo esta última a única não fumante, tem 18 anos. O filho permite que seu nome seja publicado: é Wagner, tem 39 anos e concorda com o doutor quando afirma que a recaída está muito amarrada a problemas emocionais: “É verdade, eu voltei a fumar no meu processo de separação de um antigo relacionamento, não fumava há 7 meses”.  Lotufo completa: “Tem gente que só de vir aqui já fuma mais durante a semana. É o estresse, o medo”. Apesar da boa participação do grupo e a leveza da conversa, é evidente a vergonha que os fumantes sentem relatando seus causos. 

O pai de Wagner, 58 anos, diz fumar a cada duas horas e ter sofrido 3 AVCs (Acidente Vascular Cerebral) recentemente. Não é por isso que consegue parar de fumar, e a mulher briga com ele por isso. Um homem de camisa xadrez levanta a mão e também conta sobre seu vício. Começou a fumar aos 12 anos de idade e hoje, aos 73, diz já ter passado por todo tipo de problema pulmonar — atualmente trata de um enfisema.  Não fuma há três meses, “mas deu uma fissura semana passada. Moro na frente de uma tabacaria, pra não descer e comprar cigarro tive que ligar a televisão e dormir”. 

Começar a fumar em uma fase em que o cérebro ainda está em desenvolvimento, antes dos 25 anos, aumenta as chances de dependência física. Em 2014, o tabagismo foi considerado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) uma doença pediátrica, uma vez que 90% dos usuários começaram a fumar antes dos 19 anos. O preço baixo, o fácil acesso, a vinculação com lugares de diversão, as propagandas indiretas da indústria e a postura trazida, fazem parte dos principais fatores para a popularização do cigarro.

Acontece que fumar é bom. Claro que é. Se não fosse, ninguém fumava. A rápida conexão dos neurônios do cérebro com a nicotina leva o fumante a sentir prazer instantâneo, conseguir se concentrar melhor e simular algum agrado a si próprio. Ruim mesmo é a dependência: alterações de humor, estresse e anedonia, que é a perda de desejo e satisfação em realizar atividades cotidianas. 

A dependência comportamental parece não ser tão perversa quanto as outras, ainda assim, é um agravante. Trata-se do prazer ou do mecanismo já incorporado no gestual de acender um cigarro, tirá-lo do maço, levar a boca, tragar… ou ainda, explica Lotufo, do que é feito quando não se está fumando: “O que eu faço com as minhas mãos agora?”. 

Lotufo deixa dicas para os momentos de fissura, que duram cerca de 5 minutos.  Procure distrair a mente: caminhar, tomar água gelada, um banho, jogar ou controlar a respiração. O caminho é árduo, mas nesse caso, sim, quanto antes, melhor.