Por Jenny Perossi e Leonardo Carmo*

Em 1968, quatro anos após o início do regime militar no Brasil, a Rua Maria Antonia foi marcada por um conflito entre os estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFLC) da USP e Universidade Presbiteriana Mackenzie, que ficavam de lados opostos da mesma rua.
O momento histórico, que resultou na morte do jovem secundarista José Carlos Guimarães, serviu de inspiração e cenário para o longa-metragem escrito e dirigido pela cineasta Vera Egito, formada em audiovisual pela Escola de Comunicações e Artes (ECA).
O filme, nomeado como ‘A Batalha da Rua Maria Antonia’, foi exibido pelo Cinusp Paulo Emílio durante a mostra Novíssimo Cinema Brasileiro. Foram organizadas duas sessões: uma na Cidade Universitária, no Butantã, e outra no Centro Maria Antonia, em Higienópolis, onde o combate original ocorreu.
Para a diretora, a arte pode ajudar na preservação da memória coletiva, mas políticas públicas — como a Criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investiga e documenta graves violações de direitos humanos — possuem um papel ainda mais fundamental.
“Esse aparato de repressão militar continua prendendo, torturando, fazendo prisões sumárias e execuções. Claro que isso parou de acontecer com a classe média, branca, né? Mas com a população negra e os jovens da periferia nunca cessou”, diz a cineasta.
A BATALHA
Em 1968, os alunos da Mackenzie e da USP se enfrentaram durante horas usando paus, pedras, ácido sulfúrico e coquetéis Molotov. A professora Maria Cecilia Loschiavo dos Santos, autora de um livro sobre o ocorrido, afirma que o motivo foi uma forte divergência política entre os estudantes.
A disputa terminou com um grande número de feridos, uma morte e incêndios, o que resultou na transferência definitiva da FFCL, em 1970, para a Cidade Universitária, onde boa parte das instalações que existem hoje no campus ainda não haviam sido construídas.
Maria Cecilia conta que a relação da Universidade com a cidade já não era a mesma em 1972, quando ela entrou para o curso de Filosofia. “O campus era longe e havia o silêncio do medo, que se impunha principalmente nas salas de aula. A gente não podia perguntar nada. As pessoas entravam, saiam, desapareciam e existia um clima profundo de opressão”, diz.
DETALHES DO FILME
O filme é montado em 21 planos-sequência, que funcionam como uma contagem regressiva para a explosão final. Vera deu detalhes sobre como foi o processo de produção: “O filme inteiro foi gravado em 12 dias”, conta a diretora, que preferiu gravar em um rolo de 16 milímetros em preto e branco para gerar uma estética retrô. “Durante o começo das gravações, a gente não conseguia ver o resultado, porque não tem laboratório para revelar o tipo de filme que a gente tava usando na América Latina. Foi no 5º dia que um parceiro nosso conseguiu pegar o material, pôr num avião e levar para a Europa, aí a gente revelou e viu que estava dando certo”.
Com o orçamento apertado, a diretora não possuía rolos reserva de filme em mãos para regravar caso os dias tivessem dado errado. A produção está disponível na Apple TV, Amazon Prime Video e Google Play Filmes.
*Com edição de Bernardo Carabolante