Com quantas línguas se faz a FFLCH?

Departamento de Letras Orientais se vê, mais uma vez, em crise pela falta de docentes

por Alessandra Ueno e Billie C. Fernandes

Dona de um dos maiores contingentes de alunos da Universidade de São Paulo (USP), a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) tem, apenas na graduação em Letras, 4.860 alunos ativos, segundo o Portal de Dados da faculdade. 

Os números representam uma parcela importante da comunidade uspiana — que possui cerca de 60 mil graduandos conforme o Anuário Estatístico da USP de 2023. Mas o sucateamento do curso, estopim para uma greve geral da USP em 2023, segue presente.

Na época, a questão central era a falta crônica de professores nas habilitações em Coreano e Japonês. Agora, poucos meses depois, a história se repete novamente no Departamento de Letras Orientais (DLO). A situação mais grave é em Chinês, mas alunos e docentes também relatam ao Jornal do Campus escassez em Hebraico e nas duas áreas que não foram completamente atendidas após a greve.

Reginaldo Gomes é fluente em aramaico — semelhante ao hebraico — e o único professor dessa língua na faculdade [Foto: Luana Takahashi]

EM CRISE

Os estudos dos idiomas do DLO são os que sofrem maior impacto com a falta de docentes quando comparados aos dos outros mais conhecidos, como o Inglês, Espanhol, Italiano, Alemão e Francês, abrigados no Departamento de Letras Modernas.

No caso da habilitação em Chinês, a coordenadora Ho Yeh Chia conta que atualmente há quatro docentes, mas o ideal seria contar com mais dois fluentes para conseguir fornecer aulas optativas, não apenas obrigatórias.

Segundo ela, não houve nenhuma mudança após a greve. Foram contratados professores apenas para as habilitações em Coreano e Japonês. O Chinês não recebeu nenhum professor.

A falta de docentes causa sobrecarga nos atuais profissionais e impacta na qualidade do ensino. Ainda neste mês, um grupo de estudantes resolveu abordar publicamente os problemas da habilitação por meio de mensagens na comunidade da Letras do WhatsApp. Mais tarde, escreveram uma carta-denúncia junto à Comissão Discente do Departamento ao diretor da FFLCH, Paulo Martins. 

Na carta, eles afirmam que o número de professores caiu 34% em um ano, restando apenas os atuais docentes, e que a maior parte deles não possui qualificação e conhecimento em questões básicas de gramática e cultura. Para agravar a situação, logo após a publicação da carta, Antônio Menezes Jr. — um dos professores titulares do curso e chefe do DLO — decidiu renunciar ao cargo executivo e, ao que indica, também se ausentar da área de Chinês.

“É impossível atender a esses pedidos de melhora da qualidade de ensino e maior oferecimento de disciplinas com a situação do quadro docente em que nos encontramos hoje. Na realidade, mesmo com o baixo número de vagas que oferecemos atualmente, tem sido um desafio oferecer aulas de qualidade desde o primeiro até o último ano”, comenta Chia. A coordenadora diz que não há planos de encerrar a habilitação.

OUTROS IDIOMAS

Situações como a do Chinês podem ser encontradas em outras habilitações também. No caso do Japonês, são necessários nove professores para que todas as obrigatórias sejam dadas sem sobrecarga, informou a professora Eliza Atsuko Tashiro Perez, coordenadora da habilitação.

Com a greve, o Japonês teve o remanejamento de uma vaga de outro departamento da FFLCH e uma distribuída à área por meio do adiantamento de vagas pela reitoria à faculdade. Mas, ainda assim, a habilitação conta com somente cinco professores.

Um exemplo do impacto dessa questão foi a necessidade de não oferecer uma disciplina obrigatória, a de Literatura Japonesa II. “Deixo claro que o cancelamento de disciplinas obrigatórias não é prática comum da Habilitação de Japonês. Foi uma medida extrema”, ressalta Perez — que acrescenta que, assim como no Chinês, é inimaginável encerrar o estudo de Japonês na USP.

O coordenador da habilitação em Hebraico, Gabriel Steinberg, aponta que com os cinco professores atuais é possível manter a área, mas seis seria o número ideal para oferecer todas as optativas. No caso do Árabe, cujo coordenador é o professor Michel Sleiman, os sete docentes de hoje conseguem dar conta, porém, a maioria se aposenta em menos de quatro anos.

PERSPECTIVA

“Posso falar pela minha área: as carências são enormes”, diz Chia. O repasse de verbas pela diretoria da FFLCH aos departamentos é feito conforme o tamanho, o que leva em conta também a quantidade de docentes.

“Mesmo pequeno, o DLO é muito ativo e atuante e abre a maior parte de seus cursos e disciplinas para toda a comunidade USP. Este fato atrai centenas de alunos interessados em conhecer um pouco sobre as culturas milenares que se congregam neste Departamento”, explica Steinberg.

Grande parte das questões sobre a falta de docentes gira em torno de dois mecanismos: o “gatilho automático” e o “edital de mérito”. Na greve de 2023, foi exigido a volta da contratação imediata assim que um docente se aposenta, morre ou é exonerado — que é o “gatilho automático” — e o fim da subordinação da contratação de professores à aprovação de projetos apresentados e distribuição as de vagas entre as unidades — chamado de “edital de mérito”. Nenhuma dessas propostas vingou.

Por mais que o Departamento de Letras Modernas (DLM) esteja numa situação mais tranquila que o de Letras Orientais — com um quadro de reposição em andamento e concursos dos claros realizados (como dois na área de inglês, dois em espanhol, três em italiano, três em alemão, três em francês) —, o chefe do DLM, Pablo Fernando Gasparini, apoia a luta por mais docentes.

“O diálogo entre os departamentos é uma constante sobre essa questão. Sobre a situação do DLM, eu diria que o novo desafio será a reposição automática dos aposentados porque temos ali o perigo de perder o número de professores que tanto custou conseguir”, coloca Gasparini.

“Se esta situação perdurar, em cinco anos ou em dez certamente teremos um desfalque tendo em vista a futura aposentadoria de alguns docentes”, acrescenta Steinberg.