Ordem de despejo de moradores na Creche Oeste é quase certa. Local deve virar CEI gerido pela prefeitura

Por Júlia Galvão, Nicolas Vaz Coelho e Raquel Tiemi

“Aqui está bagunçado porque nós estamos em um processo de mudança, eu já estou encaixotando as minhas coisas”. O relato é de uma representante da Ocupação Creche Oeste (OCA) e marca o fim de um movimento iniciado em janeiro de 2017.
Há sete anos, a Creche Oeste foi fechada sem aviso prévio ou diálogo com as famílias, funcionários e docentes que faziam parte do funcionamento do local. Desde então, o prédio foi ocupado pela comunidade da escola e por alunos que frequentavam a USP no período com o objetivo de garantir a reabertura do espaço. As crianças e funcionários que faziam parte da escola foram transferidos para a Creche Central.
Ana Helena Rizzi Cintra, professora da Creche Saúde e ex-docente da Creche Oeste, explica que o fechamento do prédio surpreendeu e afetou toda a comunidade que fazia parte do local. “Foi muito traumático. Nós estávamos de férias e eu recebi uma mensagem avisando que nós deveríamos ir para a creche porque tinham falado que ia fechar. Daquele dia em diante, a creche foi ocupada.”
Processo de reabertura
Três meses após o início da ocupação, um processo judicial que solicitava a manutenção de posse do espaço foi aberto pela Universidade contra a OCA. O pedido, no entanto, foi indeferido. No dia 9 de março de 2023, seis anos após o fechamento da escola, a coordenadoria da Vida no Campus da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) divulgou um Protocolo de Intenções entre a USP e a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo para a abertura de um Centro de Educação Infantil (CEI) no prédio da Creche Oeste.
O início do procedimento para a abertura do CEI fez com que as famílias que permaneciam na OCA tivessem que desocupar o prédio. O Ministério Público interveio a favor da OCA para que o grupo fosse encaminhado para moradias fora da USP. “Nós somos fantasmas, ninguém sabe quem é a OCA, o que é a ocupação, nada”, diz a representante do movimento, que pediu anonimato.
Apesar da garantia de reabertura, nenhuma informação sobre a instalação do CEI foi divulgada. “A gente sai daqui com aquela sensação de que cumprimos o nosso papel, nós tivemos a conquista de que vai haver uma reabertura. No entanto, não é nos moldes antigos”, completa a representante.
Processo de despejo
Na esfera legal, o processo de desocupação da creche caminha aguarda decisão judicial. A integrante do movimento relembra que um oficial de justiça deu um parecer declarando que o espaço estava abandonado nos dias de vistoria. “No processo, a PRIP fala: ‘olha, a gente tem que reabrir imediatamente, porque não tem ninguém ocupando’. Mas, existe ocupação”.
“A PRIP fala que quer a gente fora daqui como se fosse fácil, só que a gente precisa de grana para fazer isso.”, diz a representante. Nesse momento, os moradores da OCA aguardam apenas a decisão judicial e o prazo para desocuparem o local: “enquanto o juiz não der o pronunciamento, não podemos sair, porque isso seria abandonar o espaço também”.
Direitos de moradia
Em entrevista ao JC, Juliana Bastos, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e das Faculdades Metropolitanas Unidas, explica que em casos como esse, a decisão judicial precisa considerar o direito à moradia. Além disso, o juiz precisa ouvir a Defensoria Pública e o Ministério Público, de modo a proteger a dignidade e o bem-estar. “Ainda que seja em nome da educação, você não pode desocupar sem que essas pessoas sejam realocadas de maneira digna em algum outro espaço”, diz.
Na ecologia dos direitos humanos, o acesso à educação e à moradia são prescritos como fundamentais. Porém, de acordo com a professora, no caso da creche, observa-se um conflito entre esses direitos que, do ponto de vista jurídico, possuem a mesma hierarquia. Juliana também pontua outro direito conflitante: o da propriedade, que pertence à USP. “Não é uma decisão em que se simplesmente julga dizendo que a moradia prevalece, pois existe também o direito à propriedade.”
A especialista ressalta que é necessária a responsabilização da USP e do município para promover políticas públicas habitacionais. Em caso de decisão favorável à desocupação, é preciso que haja um acompanhamento humanizado, sem que seja utilizada violência.
Outras creches
Para Ana Helena, a situação de precariedade dos últimos sete anos para a Creche Oeste não parece ser um caso isolado. Ela afirma que o sucateamento e desvalorização são comuns para as creches uspianas: Central e Saúde. A falta de contratação de funcionários é um dos maiores desafios levantados por ela.
“Temos pessoas em número, mas com muitas restrições. As pessoas estão envelhecidas, tem um rodízio muito pequeno de ações repetitivas, então, acaba criando lesões”, diz. Além de contratações insuficientes, a terceirização também traz complicações para a própria organização da equipe, uma vez que, segundo a professora, não há muito espaço para uma integração das atividades.
Ana Helena comenta também que existe uma resistência da direção da Universidade contra as creches em todas as etapas, desde a abertura e manutenção até a sobrevivência para não fechar. Sendo institucionalmente frágil, o maior apoio recebido partia da comunidade de professores e funcionários.
Enfim, solução?
“Era uma creche que é difícil de existir de novo. Eles passaram o trator em uma margarida”, diz Ana Helena sobre o fechamento da Creche Oeste. Mesmo com a reabertura apresentada na Carta de Intenções da PRIP, as professoras e a representante da OCA concordam que a solução proposta ainda não contempla todas as complexidades envolvidas.
Ana Cristina, professora da Creche Central que também participou da elaboração da Carta de Repúdio contra a proposta, explica que o plano da PRIP apresenta um caráter de terceirização — uma vez que seguiria o modelo de outros serviços associados à USP que passaram pelo mesmo processo — e que a reabertura não representa os três aspectos de sua função social: ensino, pesquisa e extensão.
Em resposta aos questionamentos feitos pelo JC, a PRIP não retornou às duas tentativas via e-mail, nos dias 2 e 6 de maio, até a data de publicação da matéria. A reportagem apenas recebeu um posicionamento via Assessoria de Imprensa da USP. Foi informado que o protocolo de intenções foi assinado em 2023 e que o documento tem vigência de 24 meses e, nesse período, estudos estão sendo realizados. Dessa forma, ainda não seria possível adiantar dados sobre a instalação do CEI no prédio da Creche Oeste.