Universidade tem mapa informal de sexo em espaços públicos. Mesmo ilegal (ou por causa disso), o ato é fonte de prazer para alguns

Por Ester de Brito, Nicolas V. C. e Suelyton Viana

Imagine chegar em algum ponto da Cidade Universitária, perceber movimentações repetitivas, olhares inquietos e pessoas indo a um ponto específico, geralmente mal iluminado. Provavelmente, mesmo sem saber, você penetrou num “ponto do FODUSP”, onde pessoas, vinculadas à Universidade ou não, costumam fazer sexo.
Sim, não é lenda urbana. Estudantes criaram uma conta no Tumblr com mapa colaborativo marcando pontos onde já fizeram sexo pelo campus. A página, que também contém diferentes relatos, não é atualizada desde 2019. Mas, como sem sexo não há história e nem existência humana, há indícios de que alguns espaços da USP continuam sendo utilizados para mais do que estudar e conviver.
Outro indicativo é que o Jornal do Campus consultou alunos da universidade que aceitaram falar anonimamente sobre as experiências que tiveram. Como o perfil do JC não é o mesmo das publicações +18, nem todos os detalhes serão contados.
Parece não haver padrões para ver algum lugar dos cerca de 4,3 milhões m2 da Cidade Universitária como um espaço propício para transar: Allice*, Kléber*, Jakelyne*, Vicente* e Samantha*, que se autodenomina “Ministra do boquete no carro”, são prova disso.
Allice, que já aproveitou a infraestrutura da USP para fins não acadêmicos com a namorada, comenta que conseguiu gozar de alguns bons minutos de intimidade com a amada nos banheiros do CEPEUSP. Ainda provando que no FODUSP tem espaço para o amor, Jakelyne diz que a primeira vez que utilizou o mapa foi quando encontrou um ficante da época e as coisas avançaram: “Começou com beijos num cantinho. Mão naquilo e aquilo na mão, chegou um ponto que os dois estavam mortos de tesão mas sem ter como ir em qualquer estabelecimento decente no meio da madrugada. Saímos USP afora procurando algum lugar isolado”.
Kléber, que só teve conhecimento completo sobre o mapa depois de uma volta pelo campus, lembra de mapear os ninhos de amor. “No meu segundo semestre fiz uma ronda depois da aula à noite para conhecer o ambiente, notei algumas movimentações e fui atrás pra descobrir o que era”, diz. Ele conclui alegando que a prática de sexo na USP o fez ganhar experiência acadêmica, pois conheceu diversos institutos e aprendeu coisas que não imaginava aprender.
Samantha tem uma forma de ação diferente: geralmente estaciona seu carro no estacionamento do prédio em que estuda, e quando encontra uma oportunidade, leva algum de seus interesses românticos ou sexuais. A experiência dela é como a de Vicente, que diz ter saudade de uma parceira que o fez ter bons momentos em diferentes banheiros da USP. A diferença é que ele também é aberto sobre utilizar o mapa do FODUSP como uma forma de expedição onde há contato sexual com desconhecidos, assim como acontece em diversos pontos de São Paulo, do Brasil e do mundo.
Na boca dos especialistas
Sendo o sexo a poesia dos sentidos, como escreveu Honoré de Balzac, os versos não se resumem à penetração. Sexo também pode ser pelo olhar, pela boca ou em toques sôfregos sem se despir. Essa busca pelo prazer faz com que surjam vertentes até mesmo nas práticas de transar em público, como o cruising e o dogging, que possuem características próprias.
O cruising é praticado geralmente por homens que buscam parceiros sexuais em espaços públicos. Já o dogging é uma prática exibicionista que acontece em locais semi-isolados, como estacionamentos ou parques, normalmente por casais heterossexuais, onde há a possibilidade de serem observados ou de terem a participação de estranhos.
A sexóloga Mariana Galuppo explica em entrevista ao JC que alguns dos motivos que podem levar as pessoas a sentirem prazer nessas experiências é o risco de serem pegos ou a excitação de serem observados por outras pessoas. O anonimato também contribui, já que os envolvidos têm pouco risco de serem identificados e não precisam se envolver em conversas e flertes.
O psicólogo clínico e pesquisador Walter Miez, autor do artigo “Vista da Pegação: Corpo, Normas, Práticas e Discursos”, conta que a prática de sexo em lugares de uso comum não é datada historicamente, mas acompanha a jornada humana. “Acredito que desde o momento em que consideramos enquanto sociedade o que é espaço e o que é público, havia pessoas se apropriando daqueles lugares para o ato sexual”, diz.
O especialista também explica que o sexo em lugar público não necessariamente é um fetiche. “As pessoas transam por quererem transar e por saber que, em determinados locais, a prática é possível”, como acontece com alguns dos pontos do FODUSP.
Walter comenta ainda que dois eventos se observam nesse fenômeno: a apropriação dos espaços possíveis para o ato sexual, considerando o anonimato como segurança para quem pratica, além da subversão dos ambientes, tornando o ato político ou excitante.
Ainda assim, o sexo em espaços públicos pode vir nutrido de complicações, como roubo, furto, atentado e extorsão, como conta o próprio estudo do pesquisador. Walter menciona que os sujeitos que vivenciam essas experiências reclamam, além da homofobia, de outras formas de violência. “Se queixam de extorsão e violências policiais que constrangem casais de homens e quem cobra por sexo, além de fazerem ofensas misóginas às mulheres praticantes; se queixam também de roubos provocados por coletivos que se organizam para atacar essas pessoas’’, diz.
Não custa lembrar, ainda, que a legislação pode ser, para alguns, brochante. Segundo o artigo 233 do Código Penal Brasileiro, é crime praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público. Pena: detenção, de três meses a um ano, ou multa.
*Nomes fictícios