Na FEA, estudantes identificam descumprimento de diretrizes do MEC em reforma curricular

Segundo  o CA da Faculdade, carga horária na área de Formação Histórica do curso têm 60 horas a menos do que o exigido pelo Ministério da Educação

por Júlia Moreira

Vista interna da FEA. [Marcos Santos/USP Imagens]

“Eu nem imaginava que eu fosse descobrir que haveria alguma irregularidade do curso em relação às Diretrizes do MEC”. Lucas Franco, integrante do Centro Acadêmico Visconde de Cairu (CAVC) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP (FEA-USP), conta que a descoberta surgiu após detectar inconsistências na Ementa apresentada pelo Departamento para disciplina de Economia Brasileira neste semestre.

A matéria está presente no Plano Pedagógico para o Bacharelado em Ciências Econômicas, apresentado em 2021 pela Coordenação e aprovado em 2022 pelo Conselho Estadual de Educação (CEE). Com base na nova grade, apenas quatro disciplinas  incluem conteúdos de Formação Histórica, sendo elas: História Econômica Geral (HEG), Formação Econômica e Social do Brasil (FES), Economia Brasileira e História do Pensamento Econômico (HPE). 

Segundo o Ministério da Educação (MEC), as matérias de Formação Histórica deveriam somar 300 horas, mas na prática as disciplinas ofertadas na FEA totalizam apenas 240. Assim, essas 60 horas a menos descumprem o exposto no Art. 5º das Diretrizes Curriculares Nacionais do Cursos de Graduação em Ciências Econômicas do MEC, que determina ao menos 10% de toda a carga horária voltada para essas áreas.

Discutido durante o período de isolamento social ocasionada pela Covid-19, o Plano estabeleceu para alunos com ingresso a partir de 2022 a disciplina de Economia Brasileira como obrigatória apenas no terceiro ano da graduação. Mas apesar de contar com 2 créditos-trabalho no Plano Pedagógico, ela está desde 2009 sem essa informação no Júpiter Web. 

Há outros problemas. As Diretrizes do MEC também elencam oito tópicos a serem abrangidos durante a graduação, sendo eles: “filosofia e ética (geral e profissional), sociologia, ciência política e os estudos e propedêuticos da administração, do direito, da contabilidade, da matemática e da estatística econômica”. Na atual grade curricular, a  FEA aborda apenas três dessas matérias, deixando de trazer conteúdos relacionados à sociologia, direito, ciência política e filosofia/ética.

De acordo com a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES), órgão de fiscalização do MEC, as instituições possuem total autonomia didático-científica, administrativa, de gestão financeira e patrimonial e possuem competência legal para definir suas grades e diretrizes. Entretanto, essa autonomia não as exime do cumprimento da legislação e demais normas educacionais em vigor, bem como das leis que regulam contratos e direitos do consumidor, relações trabalhistas, dentre outros.

Contabilidade Criativa

Em meio a identificação das irregularidades e durante a reunião da Comissão de Graduação (CG), a Coordenação do curso defendeu a proposta de adicionar créditos-trabalho para todas as disciplinas, uma espécie de “créditos fantasmas” segundo o Centro Acadêmico. “Burocraticamente, até resolve, mas mantém a ausência de disciplinas sobre formação geral e histórica”, explica Lucas. 

Procurada pelo JC, o instituto afirmou que os cursos de graduação da FEA-USP estão em processo de atualização curricular, com consonância às diretrizes da Universidade e que considera as análises prévias, bem como os aspectos levantados pelos alunos. Além disso, o instituto destacou o comprometimento em garantir que “as mudanças reflitam as melhores práticas e atendam aos requisitos acadêmicos e profissionais vigentes”.

Posicionamento acadêmico e docente

Com a descoberta sobre as discrepâncias com o MEC, o CAVC publicou um comunicado no dia 18 de junho evidenciando as informações apresentadas anteriormente e comparando a grade curricular com outras 10 faculdades de Economia reconhecidas no país. Além disso, foi disponibilizado um formulário para que os alunos expressassem sua opinião sobre a situação.

Em resposta, dois dias após a publicação, os professores de História Econômica do Departamento de Economia da FEA se posicionaram em defesa do cumprimento efetivo da carga mínima 300 horas de créditos-aula, bem como apontam não haver “justificativa didático pedagógica” para a inclusão de créditos-trabalhos em todas as disciplinas e sugerem remanejamento de matérias durante a graduação.

O formulário disponibilizado pelo Centro Acadêmico contou com 201 respostas, havendo variação de 1% a menos para alunos exclusivos da FEA (184). [Gráficos: CAVC/FEA]

Atuação do CAVC

Lucas conta que a identificação das irregularidades se deu através de um trabalho contínuo nos órgãos colegiados na Universidade, com a articulação dos representantes discentes e do CAVC desde que a reforma do curso foi proposta em 2021 pelo departamento.

Bruno de Pinho formou-se em Economia pela FEA no ano passado e era representante discente em 2020. Ele conta que participou das reuniões em que a reforma da grade foi proposta, havendo um trabalho de contraposição por parte dos estudantes, principalmente durante a pandemia. Segundo ele, as convergências na priorização das matérias eram comuns durante as reuniões, mas havia divergências. “Entre os pontos abordados, havia a defesa em manter o curso através de mudanças mais sóbrias com a inclusão de disciplinas históricas e sociológicas, em contraposição a necessidade de ‘modernização” com maiores mudanças e disciplinas hipertécnicas.” 

O ex-aluno também aponta problemas em se ter um curso exclusivamente matemático no início da graduação, gerando uma espécie de filtro socioeconômico entre os estudantes. “Acaba-se criando um perfil de aluno muito matematizado, eliminando aqueles que possuem mais dificuldade devido a formação em escolas públicas ou que têm maior afinidade com a área de humanas. É um projeto de formar um perfil de pessoas em detrimento de outras.”

Em contraposição à  reforma de 2021, o Centro Acadêmico elaborou um formulário que contou com a resposta de mais de 500 alunos da instituição e de 100 formados sobre a reforma. Reunindo quase 100 páginas, o relatório buscou elucidar as propostas e coletar as opiniões dos estudantes em relação à grade curricular, indicando que a maioria se mostrava contrária à reforma.

Entretanto, com quinze professores representando os 40 docentes da instituição e um aluno representando o corpo discente de mil alunos, Bruno compartilha que a discussão ocorreu de forma “pouco democrática”. Com 14 votos a favor da reforma, uma abstenção e um voto contra, sendo este do representante discente, integrante do Centro Acadêmico, houve aprovação da reforma da grade.

Bruno comenta que na época até surgiu a possibilidade do curso não estar adequado às Diretrizes do MEC, mas que o desgaste da pandemia e das discussões impactaram as ações na época.

Perspectivas

Com oito claros docentes disponíveis para a contratação, o Centro Acadêmico diz que a expectativa é que essas discrepâncias em breve sejam solucionadas. “Mesmo com aqueles que não foram críticos à reforma da grade, esperamos que eles sejam sensíveis à demanda do cumprimento de normas do MEC. Imaginamos que agora a opinião de que isso precisa ser resolvida seja majoritária.”